A Colômbia é um dos principais destinos de voos internacionais que saem da Venezuela. Pela proximidade, identificação cultural e o número de venezuelanos e colombianos que cruzam a fronteira, a rota já era uma das mais exploradas nos últimos anos pelas companhias aéreas. A passagem que antes custava US$ 200 (R$ 1.100) ida e volta entre os dois países agora custa cerca de US$ 670 (R$ 3,7 mil). O motivo para isso foi o fechamento de voos para outros destinos.
Depois das eleições que marcaram a reeleição de Nicolás Maduro em 28 de julho, uma série de países governados pela direita contestou o resultado. Panamá, Peru e República Dominicana foram enfáticos em condenar a vitória do venezuelano junto com outros 7 países da região, ainda que não tenham apresentado provas. A resposta foi o rompimento das relações diplomáticas e o fechamento de voos de forma mútua.
Os três destinos faziam parte do principal caminho de entrada na Venezuela. O Panamá é uma conexão usada para quem vinha da América do Norte, a República Dominicana é um canal importante para a América Central e o Peru abrigava grande parte dos voos que partiam de outros países da América do Sul com destino a Caracas. Com o fechamento das rotas para esses países, o número de voos que o aeroporto Internacional Simón Bolívar, em Caracas, recebia por dia caiu 54% segundo a Associação de Linhas Aéreas da Venezuela.
Em julho, a Venezuela fazia cerca de 181 voos internacionais por semana, tanto de entrada quanto de saída. Agora, são 98 voos a menos, tendo um total de 83 voos por semana. Isso representa uma queda de 15 mil passageiros por semana. As rotas que sobraram são Colômbia, Curaçao, Cuba, México, além de países europeus e a Turquia. A queda aumentou a demanda pelos voos que continuaram operando e as empresas mais que dobraram os preços dessas passagens.
Segundo o advogado venezuelano Rodolfo Ruiz, especialista em direito aeronáutico, todos os setores envolvidos são prejudicados com essa interrupção de voos, desde passageiros até companhias aéreas e aeroportos.
“Há o impacto nas companhias, que não terão lucro. Também para os passageiros, porque sem Peru e Panamá eles terão que buscar outros voos e pagar mais caro. Também tem efeito para os aeroportos, que cobram as taxas por passageiro, e com um tráfego menor, as aerolíneas também pagam taxas que ficam menores. Ao mesmo tempo tem um impacto na PDVSA, que é um dos principais provedores de combustível aéreo na Venezuela. Também tem efeito negativo para os municípios porque eles arrecadam com um imposto de saída do país”, afirmou Ruiz ao Brasil de Fato.
A taxa para passageiros que ele se refere é paga pelas companhias aéreas. Cada bilhete comprado para sair do país paga uma taxa extra de US$ 72 (R$ 400), que são incluídas nas passagens. Para Ruiz, os únicos que ganham com o fechamento das rotas são justamente as empresas que continuam operando, que mantêm o número de voos e sobem os preços.
“As empresas que seguem operando são as únicas que ganham porque tem um trafego maior no mesmo número de voos e acabam cobrando muito mais. As venezuelanas que vão e a colombiana Avianca também. Em toda crise há quem ganha e perde”, afirmou
Em entrevista à rádio Exitos, a presidente da Associação de Linhas Aéreas da Venezuela, Marisela de Loaiza, afirmou também que as linhas aéreas nacionais estão fazendo um esforço para ampliar o número de voos internos para suprir a demanda. Segundo ela, algumas empresas colocaram mais voos internacionais para a cidade colombiana de Cúcuta, na fronteira com a Venezuela, para facilitar e fortalecer a entrada e saída de venezuelanos do país.
Diplomacia e voos
Depois das eleições, um bloco de 10 países governados pela direita criticou a divulgação dos resultados. Argentina, Costa Rica, Chile, Equador, Guatemala, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana e Uruguai passaram a emitir notas para contestar o pleito, o Ministério das Relações Exteriores venezuelano chamou essa articulação de “novo Grupo de Lima” e anunciou o rompimento das relações e o fechamento dos voos com esses países.
A Venezuela cancelou voos com esses países por meio de um Notam (Notice to Airman, na sigla em inglês). A medida tinha validade de 1 mês a partir de 31 de julho e foi renovada no final de agosto. Em resposta, o Panamá também emitiu um Notam, mas com validade de 3 meses, até o final de novembro.
O Notam é uma mensagem que pode ser emitida pelas autoridades de aviação dos países para determinar mudanças temporárias nas operações aéreas. A restrição sobre voos é uma das medidas que pode ser usada por um país. Essas determinações são válidas por até três meses.
Rodolfo Ruiz explica que o rompimento de relações diplomáticas, no entanto, não está diretamente ligado ao fechamento de voos. É possível manter voos entre países que não tem relações diplomáticas formais.
“Uma coisa não está ligada a outra, relações diplomáticas e aero comerciais são coisas diferentes. As duas podem coexistir separadamente. Não foi esse caso. Nesse caso é uma decisão do governo, quem está a cargo do transporte aéreo. Ainda não está claro quem emitiu o Notam, pode ter sido do Ministério de Transporte, o Instituto Nacional de Aeronáutica Civil (Inac), que é a autoridade aeronáutica da Venezuela, mas isso não está claro ainda”, afirmou.
República Dominicana e Panamá já haviam suspendido voos para a Venezuela durante a pandemia de covid. Ruiz destaca que a situação era particular por uma questão sanitária e é diferente do contexto atual. “Agora a suspensão a esses destinos em plenas férias, o efeito econômico será muito ruim”, afirmou. As férias de verão escolares da Venezuela são celebradas de junho a setembro.
Enquanto voos são suspensos pela tensão diplomática, a Venezuela mantém ponte aerea com aliados estratégicos e abre novas rotas com países parceiros. Um deles é a China. Caracas e Pequim anunciaram em junho que, a partir de 27 de outubro de 2024, haverá um voo que liga sairá de Guangzhou com destino ao aeroporto Internacional Simón Bolívar. A medida faz parte da comemoração dos 50 anos das relações bilaterais entre os dois países.
E com o Brasil?
O Brasil não tem voos diretos com a capital Caracas há 8 anos. Em 2016, as companhias aéreas brasileiras deixaram de operar em uma rota que fosse à capital venezuelana principalmente pelas sanções contra o país vizinho. O caminho ficou ainda mais prejudicado depois que o ex-presidente Jair Bolsonaro tomou posse e rompeu as relações com a Venezuela.
O único voo direto entre os países a partir de então passou a ser de Puerto Ordaz para Manaus, operado pela estatal venezuelana Conviasa. A rota, no entanto, liga duas cidades que estão distantes dos maiores centros urbanos dos países e não atendem à demanda de passageiros que precisam viajar entre Venezuela e Brasil.
Quando assumiu em janeiro de 2023, o presidente Lula se reaproximou da Venezuela e havia demonstrado a intenção de retomar esse trânsito em 2023, mas isso ainda não foi feito. Para Ruiz, essa medida também passa por uma decisão das empresas, já que as relações estão retomadas. No entanto, a tensão diplomática envolvendo a Venezuela afasta qualquer retomada.
“Muitas empresas que não voltaram para Venezuela não é porque não querem voltar a operar esse trecho, mas porque cada uma tem suas dificuldades: disponibilidade de avião, pilotos… Há algumas brasileiras que queriam voltar e com uma relação com Maduro e Lula tinha essa expectativa, mas agora tirou de discussão.
Edição: Douglas Matos