O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, foi reeleito em disputa marcada pela incerteza, por causa da falta de pesquisas de opinião confiáveis. Sem indicadores que estimassem o resultado, analistas ouvidos pelo Brasil de Fato entendem que um fator determinante para o resultado foi o chamado “voto calado”.
Na véspera das eleições, o centro da capital, Caracas, estava movimentado. As ruas e lojas estavam cheias e pouco se via de movimentação para o pleito. Perguntados pela reportagem, os venezuelanos se dividiam. De 15 entrevistados, 5 afirmaram que votariam por Edmundo González. Um grupo menor (3) dizia que iria por Maduro. Já um maior grupo (7) não tinha dúvidas em afirmar que queria “uma mudança”.
Na semana seguinte às eleições, a reportagem do Brasil de Fato fez o mesmo exercício no centro de Caracas e o número de venezuelanos que disse ter votado em Maduro cresceu.
Em meio ao cenário polarizado, o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) anunciou que o presidente recebeu 6,4 milhões de votos (51,97%) contra 5,3 milhões (43,18%) do opositor Edmundo González com 96,87% das urnas apuradas. A oposição contesta o resultado, afirma ter recolhido 70% das atas eleitorais de todo o país e diz que a contabilização desses votos garantiria a vitória do candidato da Plataforma Unitária.
Clique aqui ou na imagem abaixo para acompanhar a cobertura completa.
Para Sair Sira, cientista político e analista do grupo Missão Verdade, o chamado “voto calado” em Maduro tem como origem o histórico de violência da extrema direita das últimas décadas. Desde o golpe contra o ex-presidente Hugo Chávez em 2002, até os atos violentos chamados de guarimbas em 2013 e 2017, muitos apoiadores do governo deixaram de ostentar símbolos e falar publicamente que eram chavistas por “medo” de represália. Para o analista, isso se reflete em muitos eleitores que afirmaram que queriam mudança, mas não especificaram o candidato.
“Existe um certo consenso na esquerda que o chavista é uma pessoa que, por causa da intolerância política, tende a não externar sua simpatia. Primeiro em 2002 houve uma caça às bruxas, depois as guarimbas. Então há essa situação por parte dos chavistas", explica ele, que afirma existirem muitos lugares na Venezuela onde não se pode defender Chávez, "porque se pode ser rechaçado com violência”.
Um outro componente é o desgaste da imagem de Maduro. As sanções aplicadas pelos Estados Unidos contra o setor petroleiro do país limitaram a capacidade de investimentos do governo venezuelano, que passou a adotar medidas de mercado. Abertura de capital, ajuste fiscal e o congelamento dos salários foram algumas das saídas usadas pelo grupo econômico de Maduro para contornar a alta inflação e o descontrole cambiário.
Mas tudo isso fez com que a popularidade do presidente caísse. Setores da coligação do governo, o Grande Polo Patriótico, rejeitaram apoiar a reeleição em um primeiro momento. Depois, com a ameaça crescente da extrema direita, voltaram ao debate em torno do chavismo e passaram a entender que a melhor saída seria fazer pressão interna para deslocar o debate à esquerda.
Para o advogado e especialista em economia política Juan Carlos Valdez, o desgaste de Maduro motivou o “voto calado”. Ele afirma que isso pode ter impactado as pesquisas de opinião que apontavam uma vitória de Edmundo González Urrutia.
“Muitos chavistas estão cansados de Maduro. Inclusive, muitos deles podem ter dito que queriam que Maduro não disputasse, para as pesquisas. Mas o que acontece é que esses chavistas nunca iam votar na oposição, ainda mais quando a María Corina diz que vai abolir os socialistas. É um voto calado. E por isso o chavismo ficou coeso no momento da votação”, afirmou.
Faltando 10 dias para o pleito, as pesquisas de intenção de voto indicavam cenários incertos e díspares. Alguns institutos colocavam o candidato da oposição e ex-embaixador, Edmundo González Urrutia, com até 30 pontos percentuais de vantagem sobre o presidente Nicolás Maduro. Já outras, indicam vitória do candidato à reeleição com a mesma folga de 30 pontos percentuais sobre o adversário da Plataforma Unitária.
Recorte racial e de classe
Os especialistas afirmam que um rótulo para perseguir eleitores chavistas é de “venda do voto”. O argumento é parecido com o usado pela direita brasileira com o Bolsa Família, de que muitos beneficiários do programa votariam no PT não pelas políticas do partido, mas para “receber dinheiro” do governo.
Depois das sanções aplicadas pelos Estados Unidos e de um boicote de empresários, o governo de Nicolás Maduro criou em 2016 um programa para combater a escassez de produtos, que atingia 80% dos supermercados e 40% das casas venezuelanas. Os Comitês Locais de Abastecimento e Produção (CLAP) distribuem cestas básicas em todo o território nacional e buscam organizar a população venezuelana para combater a especulação do preço dos alimentos.
Segundo William Serafino, os beneficiados por esse programa sofrem o mesmo tipo de acusação e perseguição de grupos opositores, da classe média venezuelana.
“Há uma lógica de marginalização, com elementos de agressão simbólica que beiram o racismo e o classismo. Isso criou uma narrativa difundida de condenação social, onde pessoas beneficiadas por programas sociais são acusadas de serem compradas, cúmplices de uma ditadura e de apoiarem Nicolás Maduro por um saco de alimentos ou ajuda financeira. Este discurso tem procurado se legitimar nas redes sociais, o que criou uma situação em que os chavistas evitam se identificar em público ou responder pesquisas por medo”, disse.
Próximos processos
A imagem construída pela oposição em torno dos chavistas se consolidou em parte da imprensa internacional. No entanto, para Serafino, a tendência é de que essa narrativa diminua com o tempo.
“É difícil prever o que poderá acontecer nas próximas eleições, uma vez que um dos objetivos da campanha de ódio tem sido excluir o chavismo e colocá-lo em um não-lugar histórico e identitário. Contudo, em outras ocasiões, as campanhas de ódio não conseguiram sobreviver durante longos períodos de tempo, e este poderá ser o caso novamente”, afirmou.
De acordo com o cientista político David Gomez Rodriguez, a leitura feita pelos jornais internacionais em torno dos eleitores chavistas corrobora essa visão e torna difícil uma leitura dos próximos passos deste processo.
“O voto é secreto, e sobretudo aqueles que fazem parte de grupos partidários expressam o seu voto em voz alta, seja em marchas ou através dos meios de comunicação. No primeiro cenário, o chavismo demonstrou uma capacidade de mobilização muito maior, enquanto no segundo há uma guerra cognitiva onde os meios de comunicação têm sido atores políticos contra o governo. Então há uma dificuldade de balizar isso com base nos veículos, principalmente os internacionais. Isso será importante para as próximas etapas”, afirmou.
Edição: Rodrigo Durão Coelho