Após um ano do início da Operação Escudo, a letalidade policial aumentou na Baixada Santista, indo na direção contrária da redução de outros índices de violência no estado de São Paulo, governado por Tarcísio de Freitas (Republicanos).
Carolina Diniz, coordenadora de Enfrentamento à Violência Institucional da Conectas, afirma que há uma "contradição" em não considerar as mortes praticadas pelos policiais como mortes violentas por parte do estado, gerando uma distorção nas estatísticas.
"O governo apresenta alguns dados de redução de índices de alguns crimes e outros crimes muito graves seguem aumentando. A letalidade praticada pela polícia subiu estrondosamente. Eles apresentam os dados que vão repercutir bem na opinião pública e ignoram as mortes que eles mesmo estão praticando", afirma.
Marcada por denúncias de violações a direitos, a operação ocorreu entre 28 de julho e 5 de setembro de 2023 como resposta ao assassinato do soldado da Rota Patrick Bastos Reis na noite de 27 de julho de 2023 no Guarujá. Nesse período, foram mortas 28 pessoas.
Leia mais: Governo Tarcísio é denunciado na ONU por letalidade policial na Baixada Santista
Depois, a atuação voltou com o nome de Operação Verão, entre 18 de dezembro do ano passado e 1º de abril. Nesta segunda fase, as ações foram intensificadas após a morte do sargento Samuel Wesley Cosmo, membro da Rota, em 3 de fevereiro. Entre esta data e o fim da operação, a PM matou 56 pessoas.
No total, foram 84 vítimas das operações Escudo e Verão, entre julho de 2023 e abril de 2024. Nesse contexto, a operação foi considerada a mais sangrenta da polícia paulista desde o massacre do Carandiru, quando 111 homens foram mortos durante a invasão da polícia na Casa de Detenção, em 2 de outubro de 1992.
A operação, portanto, contribuiu para a piora dos dados, ainda que este crescimento fique invisível diante dos registros gerais de violência.
Os outros dados
De acordo com o último anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), São Paulo foi o estado com menor taxa de morte violenta intencional (MVI) a cada 100 mil habitantes no ano passado. O índice MVI inclui as vítimas de homicídio doloso, entre elas as vítimas de feminicídios, latrocínio (roubo seguido de morte), lesão corporal seguida de morte e vítimas de intervenções policiais.
Dados da Secretaria de Segurança Pública (SSP) também mostram que 2023 foi o ano com a menor taxa de homicídios dolosos em 23 anos. No total, foram 5,72 casos para cada grupo de 100 mil habitantes. Em 2022, foram 2.909 registros, frente a 2.606 em 2023.
Outros dados, no entanto, apontam que, a despeito da queda dos índices gerais de violência, as mortes por intervenção policial no estado aumentaram com os assassinatos na Baixada Santista puxando as contabilizações para cima, descaracterizando a melhora nos dados.
Houve um crescimento de 34% no número de pessoas mortas em 2023 pela polícia de São Paulo, segundo dados do Ministério Público de São Paulo. No ano passado, até 20 de dezembro, fora 333 cidadãos mortos por policiais militares em serviço. Em 2022, no mesmo período, foram 248.
No primeiro semestre de 2024, a letalidade policial subiu 71% se comparado ao mesmo período do ano passado, também segundo dados do Ministério Público de São Paulo.
Na esteira da piora dos dados, ainda segundo o anuário do FBSP, houve aumento nos estados de São Paulo (80%) e Rio de Janeiro (116,7%) no número de suicídios de policiais das corporações Civil e Militar, de 2022 para 2023. O estado também ficou sendo aquele com mais municípios entre as taxas de roubo e furto de celulares do país, com 15 cidades no ranking das cinquenta.
Operação de "matança"
Nas palavras de Carolina Diniz, a Operação Escudo foi uma "matança". "Uma operação de vingança que está se tornando padrão aqui no estado de São Paulo. É uma operação que marca uma virada de chave na polícia de São Paulo, que já não era tranquila, mas que vinha apresentando uma redução nos índices de letalidade de violência policial", afirma.
A integrante da Conectas defende que a operação revelou uma nova forma de estrutura do comando da polícia, tendo em vista as declarações que vieram a legitimar as ações policiais. "As declarações dadas ao longo desse um ano legitimaram as mortes que foram praticadas, as alterações de cenas de crime e tudo que a gente vem observando."
Durante a segunda fase da operação, o secretário de Segurança Pública de São Paulo (SSP), Guilherme Derrite, afirmou que a operação ocorria sem "nenhum excesso" por parte das forças policiais. “Nenhum órgão correcional das polícias recebeu qualquer denúncia, informação ou relato oficial de abuso de autoridade das forças policiais. (...) A gente não pode, a partir de relato informal, instalar procedimento. Por isso, não reconheço nenhum excesso”, disse. Depois, afirmou que desconhecia o número de mortos. "Eu nem sabia que eram 56, eu não faço essa conta."
Para Diniz, a sociedade precisa "cobrar a responsabilização pelos agentes que participaram da Operação Escudo, mas também por toda a estrutura de comando. Não dá para ignorar que o policial que está na ponta está executando uma ordem de algum superior".
O Brasil de Fato procurou a SSP para comentar o caso. A pasta afirmou que as mortes em decorrência de operações estão sendo investigadas. Leia a nota na íntegra:
As ocorrências de morte durante a Operação Escudo são rigorosamente investigadas pela DEIC de Santos e pela Polícia Militar. Todo conjunto probatório apurado no curso das investigações, incluindo as imagens das câmeras corporais, foram compartilhados com o Ministério Público e o Poder Judiciários. O trabalho policial segue em segredo de Justiça.
São Paulo é o estado com as menores taxas de casos e vítimas de homicídios dolosos do país e de mortes intencionais, de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Os dados mostram que os indicadores nacionais para casos e vítimas são 3,1 vezes maiores do que a média paulista, enquanto a taxa de mortes intencionais no Brasil é 2,9 vezes mais alta que a estadual.
A atual gestão investe permanentemente na capacitação do efetivo, na aquisição de equipamentos de menor potencial ofensivo e em políticas públicas voltadas para a redução da letalidade.
Além disso, os cursos ao efetivo são constantemente aprimorados e comissões direcionadas à análise dos procedimentos revisam e aperfeiçoam os treinamentos, bem como as estruturas investigativas.
É importante ressaltar que os casos de Morte Decorrente de Intervenção Policial – MDIP são consequência direta da reação violenta dos criminosos à ação das forças de segurança.
Edição: Thalita Pires