DIZEM ENTIDADES

Comunidade internacional ignora que mais da metade da população sudanesa sofre fome severa, dizem entidades, que cobram ajuda

Organizações alertam para risco de genocídio e urgência de ajuda humanitária internacional

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Mulheres e crianças em um acampamento para sudaneses deslocados internamente do estado de Sennar, no distrito de al-Huri da cidade de Gedaref, em 14 de julho de 2024 - AFP

Organizações políticas do Sudão alertaram nesta quarta-feira (17) em coletiva de imprensa para a urgência de ajuda humanitária para os milhões de deslocados e a iminência da fome grave no país. A crise ocorre em decorrência da guerra civil entre o Exército liderado pelo general Abdel Fattah al Burhan e os paramilitares das Forças de Apoio Rápido (FAR) de seu ex-adjunto, o general Mohamed Hamdan Daglo.

As organizações pedem pressão internacional para entrega de ajuda humanitária a todos os sudaneses dentro do país, assim como para aqueles que buscaram refúgio nos países vizinhos, mas não obtiveram o reconhecimento oficial desta condição, ou o status de asilados ou refugiados. 

"Pressionamos pela ativação do direito humanitário internacional para evitar genocídio ou morte por fome ou desnutrição", afirma Randa Mohammed, da União das Mulheres Sudanesas.

As estatísticas mais recentes apontam para 11 milhões de pessoas deslocadas, 3 milhões de refugiados e 25,6 milhões de pessoas expostas à "insegurança alimentar grave", o que representa mais da metade da população sudanesa.

Segundo o relatório Quadro integrado de classificação da segurança alimentar (IPC), divulgado ao final de junho, que orienta a agências da ONU, este número inclui "mais de 755 mil" sudaneses em situação de "fome", o nível mais alto da escala do IPC, que define fome como "estado de extrema privação alimentar".

O relatório do IPC aponta ainda "risco de fome em 14 regiões" em Darfur (oeste), Cordofão (sudoeste), Al Jazira (centro) e na capital Cartum e arredores.  Nestas regiões mais afetadas pelo conflito, "a situação é particularmente crítica para as populações bloqueadas pela guerra". 

"Exigimos que a comunidade internacional reconheça o Sudão em estado de fome, busque formas de fazer a ajuda humanitária entrar no país e de deter essa guerra, para ajudar o povo sudanês", reivindica Niamat Koko, do Partido Comunista Sudanês (PCS).

"Sudão é um país agricultor que tem todas as condições para o desenvolvimento, mas metade do povo sudanês está enfrentando a fome. A associação jurídica de Darfur declarou a região como estado de fome, mas a comunidade internacional se recusa a defender isso." 

O acesso das organizações humanitárias ao Sudão é "insuficiente" e uma parte da população corre o risco de "morrer de fome", alertou no início de junho o alto comissário das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur), Filippo Grandi. 

Ambos os lados foram acusados de crimes de guerra por atacar civis deliberadamente, bombardear áreas habitadas e bloquear a ajuda humanitária. Grupos de direitos humanos também acusam os paramilitares de limpeza étnica e crimes contra a humanidade.

"Muitos jovens e mulheres tem sido assassinados nos campamentos de refugiados pelas milícias. Estão sofrendo de fome e desnutrição e precisam de ajuda humanitária, e ambos partidos estão impedindo a entrada de ajuda humanitária, o que está deteriorando a situação das mulheres dentro dos acampamentos", aponta Randa Mohammed.

Os casos de estupro documentados pela campanha Together Against Rape and Sexual Violence (Juntos contra o estupro e a violência sexual) totalizaram 423 casos, dos quais 159 (37%) eram crianças. Há 800 mil mulheres e crianças isoladas na cidade de El Fasher, em Darfur do Norte, que precisam de alimentos e água.

"A guerra está afetando todos os cidadãos sudaneses, mas principalmente as mulheres. As organizações da sociedade civil estão exigindo das organizações humanitárias proteger as mulheres da violência sexual. Há muitos pais abandonando as filhas depois de serem violadas e um alto índice de suicídio entre as mulheres", aponta a representante da União das Mulheres Sudanesas.

Ihsan Fagiri, do setor médico do PCS, aponta que estão sendo sendo estabelecidos centros de emergência para apoiar os refugiados e os deslocados, sendo 10 milhões deslocados internos e um milhão em países vizinhos. "É preciso parar a guerra e reativar a estrutura de cuidados médicos. Isso precisa de apoio das instituições internacionais, para reestabelecer hospitais que foram destruídos e estabelecer uma situação e justiça e de saúde: ajuda psicológica e médica para a população para estabelecer sua segurança e ajudar as crianças que estão sofrendo de subnutrição, o que compromete seu futuro."

"Não há nem sequer banheiros, não há água potável, nem camas, nenhum tipo de cuidade em saúde. As mulheres não tem absorventes quando estão em seu período de menstruação e 75 mil mulheres e crianças precisam de serviços de saúde que não estão sendo providos."

O número de refugiados sudaneses no vizinho Egito é de 467 mil oficialmente registrados e 200 mil não estão registrados. As organizações apontam que, por não serem reconhecidos oficialmente com o status de refugiados, os sudaneses não conseguem acessar direitos básicos.

"Estamos batendo na porta de países vizinhos sem nenhum tipo de ajuda. Estamos trabalhando com advogados e há um grande número de refugiados que necessitam de cuidados, mas os médicos são impedidos de oferecer essa ajuda", diz Faigiri.

Randa Mohammed aponta que as mulheres que buscam refúgio no Chade, no Egito e outros países sofrem por não conseguirem acessar ajuda humanitária. "Centenas de milhares chegaram ao Egito e muitos crimes tem sido cometidos contra eles, porque não são oficialmente considerados refugiados. O governo egípcio está tentando devolver os refugiados ao Sudão e está impedindo que os advogados possam trabalhar para defender os pedidos de refúgio."

*Com AFP

 

 

Edição: Rodrigo Durão Coelho