Em uma das decisões econômicas mais debatidas e esperadas do ano, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) manteve a taxa básica de juros da economia nacional, a Selic, em 10,5% ao ano. A decisão representou uma vitória do presidente do BC, Roberto Campos Neto, sobre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que havia cobrado publicamente um corte nos juros.
Novo espaço para cortes deve surgir a partir de 2025, após a saída de Campos Neto do BC. "Olhando para frente, não podemos esperar mais nenhuma queda este ano. É bem possível que a gente feche 2024 com essa taxa de juros em 10,5%", afirmou André Roncaglia, economista e professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
O Copom informou que avalia as expectativas do mercado para definir a taxa básica de juros. Citou o chamado Boletim Focus para medir o que economistas pensam sobre os rumos da economia nacional.
A versão mais recente do Focus aponta que a Selic deve ficar em 10,5% ao ano até o final de 2024, reforçando a possibilidade considerada inclusive por economistas que defendem o corte, como Roncaglia.
Influência política
O Focus é divulgado semanalmente pelo BC com base em previsões coletadas pelo órgão com economistas de instituições financeiras que atuam no país. Recentemente, surgiram suspeitas de que o boletim pudesse estar sendo manipulado por agentes ouvidos pelo BC visando a manutenção dos juros. O BC não comentou as suspeitas.
Apesar de ver espaço para mais uma redução da Selic, Roncaglia não se surpreendeu com a manutenção da taxa, considerando a influência de Campos Neto, indicado para o cargo pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), sobre o Copom.
"O mercado já vinha há algum tempo sendo instado e instigado pelo presidente do BC a justamente pressionar e cercar o governo. Nesse sentido, o Copom ficou acuado", disse Roncaglia, lembrando que até membros do Copom indicados pelo presidente Lula também votaram pela manutenção da taxa avaliando o cenário político que envolve a Selic.
Pedro Faria, economista que também é favorável à redução dos juros, disse que é até possível que a Selic volte a subir neste ano. "Isso me preocupa um pouco, porque eu imaginaria que o lado mais 'lulista' do Banco Central tentaria indicar uma trajetória de estabilidade. E o que veio foi a possibilidade de, na verdade, ter um começo dos aumentos, uma retomada de aumentos no futuro próximo", afirmou.
Outros fatores
Faria ressaltou que a decisão do Copom, no entanto, não foi só política. Há, sim, um cenário mais desafiador para a economia nacional considerando o impacto do aumento do dólar nos preços de produtos nacionais e também a instabilidade externa ligada principalmente à eleição presidencial nos Estados Unidos, que ocorre ainda neste ano.
O economista Maurício Weiss, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), confirmou a pressão do câmbio e de incertezas sobre a economia nacional. Ainda assim, acha que haveria espaço para um corte de 0,25 na Selic.
A economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Cristina Viecili, foi entrevistada nesta quinta-feira (20) no programa Central do Brasil, do Brasil de Fato e da TVT, e comentou decisão do Copom.
Segundo ela, há fatos que justificam a manutenção da Selic. Mesmo assim, outros indicadores econômicos reforçam a possibilidade e necessidade de queda. Segundo ela, o Brasil tem uma das maiores taxas de juros do mundo, o que freia a economia.
O que é Selic?
A taxa Selic é referência para a economia nacional. É também o principal instrumento disponível para o BC controlar a inflação no país.
Quando ela sobe, empréstimos e financiamentos tendem a ficar mais caros. Isso desincentiva compras e investimentos, o que contém a inflação. Em compensação, o crescimento econômico tende a ser prejudicado.
Já quando a Selic cai, os juros cobrados de consumidores e empresas ficam menores. Há mais gente comprando e investindo. A economia cresce, criando empregos e favorecendo aumentos de salários. Os preços, por sua vez, tendem a aumentar por conta da demanda.
Lula assumiu o governo com a Selic em 13,75% ao ano e iniciou pressão por sua redução. Após oito meses de gestão Lula, o Copom iniciou um ciclo de redução. A partir daí, foram seis cortes de 0,5 ponto seguidos, mais um de 0,25 ponto. Agora, veio a manutenção.
Campos Neto tem dito que o Brasil enfrenta riscos inflacionários e fiscais. Por isso, já havia sinalizado para o fim das quedas.
Que riscos?
Segundo Campos Neto, com a economia crescendo e menos gente procurando trabalho, empresas estão tendo dificuldades em contratar. Estão sendo, então, obrigadas a oferecer salários mais altos. Isso tenderia a elevar os custos e, por fim, os preços.
A solução ventilada por Campos Neto seria reduzir o ritmo de queda dos juros. A economia tenderia a crescer num ritmo menos acelerado, freando também a queda no desemprego. Isso tudo reduziria a demanda por compras e a pressão inflacionária.
Entretanto, no ano, a inflação acumulada em 2024 é de 2,27% e, nos últimos 12 meses, de 3,93%. Está, portanto, dentro da meta do governo de 3% com tolerância de 1,5 ponto percentual para mais ou para menos.
O presidente do BC também tem levantado alertas para a situação das contas públicas federais. Apesar de dados oficiais apontarem que o governo vai cumprir sua meta de só gastar o que arrecadar em 2024, isso ainda é uma questão para os juros.
Se o governo gasta mais do que arrecada, isso pode comprometer sua capacidade de honrar com seus compromissos. Neste caso, os juros tendem a subir, incluindo a Selic.
Isenções fiscais
Pensando nisso, o governo já apresentou uma série de propostas para aumentar sua arrecadação. Também está disposto a discutir cortes de gastos. Lula, porém, disse na terça que é preciso revisar também isenções fiscais concedidas a ricos.
"A gente fica discutindo corte de R$ 10 bilhões, R$ 15 bilhões e, de repente, descobre que você tem R$ 546 bilhões de benefício fiscal para os ricos desse país", disse Lula, em entrevista à CBN.
De acordo com a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Unafisco Nacional), esse valor é ainda maior. São R$ 789,6 bilhões em 2024, 46,9% a mais do que em 2023. O valor inclui todas as isenções, anistias, remissões, subsídios e benefícios de natureza financeira, tributária e creditícia.
Edição: Martina Medina