0,25 ponto a menos

Copom cede a pressão de Campos Neto, reduz ritmo de queda da Selic e define taxa de juros em 10,5%

Taxa básica de juros caiu para 10,5% ao ano, contrariando expectativa do governo que esperava queda pra 10,25%

Brasil de Fato | Curitiba (PR) |

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Nomeado por Bolsonaro, Roberto Campos Neto presidente o Copom, órgão que define juros básicos da economia - Marcelo Camargo/Agência Brasil

O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) decidiu nesta quarta-feira (8) reduzir a Selic, taxa básica de juros da economia brasileira, de 10,75% ao ano para 10,50% ao ano. O corte de 0,25 ponto foi menor do que o das últimas seis reduções e do que o esperado pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Reforçou a influência de Roberto Campos Neto, presidente do BC nomeado por Jair Bolsonaro (PL), sobre a economia nacional.

Nas últimas semanas, Campos Neto havia dado sinais de que a taxa Selic cairia menos do que 0,5 ponto porcentual. Segundo ele, o Brasil estaria novamente sob risco de alta da inflação por conta da queda do desemprego.

Segundo Campos Neto, com menos pessoas procurando trabalho, empresas estão tendo dificuldades em contratar. Estão sendo então obrigadas a oferecer salários mais altos. Isso tenderia a elevar os custos de produção e, por fim, os preços, causando inflação.

Campos Neto ventilou que a solução para o "problema" seria reduzir o ritmo de queda dos juros. A economia tenderia a crescer num ritmo menos acelerado, freando também a queda no desemprego. Isso tudo reduziria a demanda por compras e a pressão inflacionária.

A questão é que isso tende a ocorrer às custas do trabalhador, que até agora sequer recuperou os rendimentos pré-pandemia.

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em meados de 2020, o trabalhador brasileiro recebia, em média, cerca de R$ 3.210. Esse valor caiu para cerca de R$ 2.750 ao final de 2021. De lá para cá, já subiu mais de 13% e bateu em R$ 3.120. Ainda assim, está aproximadamente 2,8% menor do que há quatro anos.


Dados do IBGE indicam recuperação parcial da renda do trabalhador brasileiro / Reprodução/IBGE

Bancos pressionam

Os bancos também já haviam se posicionado em linha com o discurso de Campos Neto. Tanto é assim que já apostavam num corte de 0,25 ponto na Selic nesta quarta. A previsão está registrada no Boletim Focus, divulgado pelo BC na segunda (6).

Considerando as falas de Campos Neto, eles também elevaram sua expectativa para o patamar da Selic ao final deste ano. A previsão mais atual deles é que a taxa feche 2024 em 9,63% ao ano. Quatro semanas atrás, eles previam 9% ao ano.

Segundo Róber Iturriet Ávila, economista e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a simples mudança nas previsões dos bancos influencia o Copom e faz com que o órgão tenda a se alinhar com banqueiros.

"O Boletim Focus é levado em conta na decisão do Copom, porque o Copom se baseia muito nas expectativas", explicou.

Para Weslley Cantelmo, economista e presidente do Instituto Economias e Planejamento, a visão dos bancos está ligada à forma ideológica como eles analisam a economia. A visão deles, no entanto, acaba dominando o debate público sobre economia.

"Os bancos vão criando um ambiente na opinião pública e isso legitima a decisão do Copom [por um corte menor]", afirmou.

Dados na contramão

Para Cantelmo, não há justificativa para um corte de 0,25 ponto da Selic. André Roncaglia, economista e professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), ratifica.

"A economia brasileira está crescendo, a taxa de desemprego voltou a crescer [no início do ano] e a inflação está em queda", enumerou Roncaglia.

Ele lembra que os bancos não negam esses fatos. Apesar de eles estimarem uma Selic mais alta, eles reduziram a previsão para a inflação neste ano e aumentaram a do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) no último Boletim Focus.

Esses economistas estimam que o IPCA feche o ano em 3,71%. Há quatro semanas, a previsão era de 3,76%. No começo de 2024, era de 3,90%.

A estimativa para 2024 está dentro do intervalo da meta de inflação definida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). A meta é de 3% para este ano, com intervalo de tolerância de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo. Ou seja, até 4,5%.

Já a previsão mais atual dos economistas para o crescimento é de 2,05%. Há quatro semanas, era 1,90%. No início do ano, eles estimavam um crescimento de 1,52%.

O governo federal estima que a economia nacional cresça 2,2% em 2024.

O que é Selic?

A taxa Selic é referência para a economia nacional. É também o principal instrumento disponível para o BC controlar a inflação no país.

Quando ela sobe, empréstimos e financiamentos tendem a ficar mais caros. Isso desincentiva compras e investimentos, o que contém a inflação. Em compensação, o crescimento econômico tende a ser prejudicado.

Já quando a Selic cai, os juros cobrados de consumidores e empresas ficam menores. Há mais gente comprando e investindo. A economia cresce, criando empregos e favorecendo aumentos de salários. Os preços, por sua vez, tendem a aumentar por conta da demanda.

Desde que assumiu o governo, o presidente Lula defende uma redução da Selic. Para ele, caso ela passe a cair de forma mais lenta, Campos Neto poderia ser culpado por um crescimento menor.

Edição: Nicolau Soares