pausa nas quedas

Copom ignora pressão de Lula e mantém Selic em 10,5% ao ano

Presidente cobrou redução da taxa básica de juros, mas não foi atendido por comitê presidido por Campos Neto

Brasil de Fato | Curitiba (PR) |
Comitê de Política Monetária do BC divulgou novo patamar da taxa Selic na quarta-feira - Rodrigo Oliveira-Caixa Econômica Federal

O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) decidiu nesta quarta-feira (19) manter a taxa básica de juros da economia brasileira em 10,5% ao ano. A decisão interrompe uma sequência de sete cortes consecutivos da Selic realizados pelo órgão desde agosto do ano passado. Foi tomada apesar da pressão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e de movimentos populares por mais uma queda da taxa.

Na terça-feira, um dia antes do anúncio da decisão, Lula concedeu uma entrevista à CBN e disse que o presidente do BC, Roberto Campos Neto "tem lado político e atua para prejudicar o país". Segundo o presidente da República, a taxa básica de juros não está ajustada à realidade da economia nacional, que vem crescendo mais do que o esperado, gerando empregos e com preços sob controle. Deveria, na verdade, ser mais baixa.

Antecipando-se ao Copom, Lula disse que não haveria justificativa plausível para que o órgão não reduzisse a Selic. Contudo, reclamou da influência de Campos Neto sobre a taxa.

Na reunião anterior do Copom, em maio, Campos Neto proferiu o voto de desempate que definiu uma queda de 0,25 ponto na Selic (de 10,75% para 10,5% ao ano). Naquela época, membros do Copom indicados pelo governo Lula haviam votado por uma queda maior, de 0,5 ponto, reduzindo a Selic para 10,25% ao ano.

Agora, numa decisão ainda mais conservadora, o Copom decidiu não cortar os juros. Na terça, movimentos populares e centrais sindicais haviam realizado atos em frente ao BC cobrando a redução dos juros.

O que é Selic?

A taxa Selic é referência para a economia nacional. É também o principal instrumento disponível para o BC controlar a inflação no país.

Quando ela sobe, empréstimos e financiamentos tendem a ficar mais caros. Isso desincentiva compras e investimentos, o que contém a inflação. Em compensação, o crescimento econômico tende a ser prejudicado.

Já quando a Selic cai, os juros cobrados de consumidores e empresas ficam menores. Há mais gente comprando e investindo. A economia cresce, criando empregos e favorecendo aumentos de salários. Os preços, por sua vez, tendem a aumentar por conta da demanda.

Lula assumiu o governo com a Selic em 13,75% ao ano e iniciou pressão por sua redução. Após oito meses de gestão Lula, o Copom iniciou um ciclo de redução. A partir daí, foram seis cortes de 0,5 ponto seguidos, mais um de 0,25 ponto. Agora, veio a manutenção.

Campos Neto tem dito que o Brasil enfrenta riscos inflacionários e fiscais. Por isso, já havia sinalizado para o fim das quedas.

Que riscos?

Segundo Campos Neto, com a economia crescendo e menos gente procurando trabalho, empresas estão tendo dificuldades em contratar. Estão sendo então obrigadas a oferecer salários mais altos. Isso tenderia a elevar os custos e, por fim, os preços.

A solução ventilada por Campos Neto seria reduzir o ritmo de queda dos juros. A economia tenderia a crescer num ritmo menos acelerado, freando também a queda no desemprego. Isso tudo reduziria a demanda por compras e a pressão inflacionária.

Entretanto, no ano, a inflação acumulada em 2024 é de 2,27% e, nos últimos 12 meses, de 3,93%. Está, portanto, dentro da meta do governo de 3% com tolerância de 1,5 ponto percentual para mais ou para menos.

O presidente do BC também tem levantado alertas para a situação das contas públicas federais. Apesar de dados oficiais apontarem que o governo vai cumprir sua meta de só gastar o que arrecadar em 2024, isso ainda é uma questão para os juros.

Se o governo gasta mais do que arrecada, isso pode comprometer sua capacidade de honrar com seus compromissos. Neste caso, os juros tendem a subir, incluindo a Selic.

Pensando nisso, o governo já apresentou uma série de propostas para aumentar sua arrecadação. Também está disposto a discutir cortes de gastos. Lula, porém, disse na terça que é preciso revisar também isenções fiscais concedidas a ricos.

"A gente fica discutindo corte de R$ 10 bilhões, R$ 15 bilhões e, de repente, descobre que você tem R$ 546 bilhões de benefício fiscal para os ricos desse país", disse Lula, também na entrevista à CBN.

De acordo com a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Unafisco Nacional), esse valor é ainda maior. São R$ 789,6 bilhões em 2024, 46,9% a mais do que em 2023. O valor inclui todas as isenções, anistias, remissões, subsídios e benefícios de natureza financeira, tributária e creditícia.

Autonomia

Campos Neto é o primeiro presidente do BC a gerir o órgão já sob a vigência da lei que estabeleceu a autonomia do órgão, sancionada por Bolsonaro. Essa lei estabelece mandatos para diretores do BC. Lula é o primeiro presidente da República que não pôde escolher o presidente do BC no início do seu governo.

Campos Neto, aliás, é favorável a aprofundar a autonomia do BC. Esse aprofundamento está previsto na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 65/2023, que tramita no Senado.

Nesta terça-feira, pela manhã, foi realizada uma mobilização em frente ao BC em Brasília, para pressionar o Senado contra a PEC. Neste ato, os manifestantes também pedem a redução da taxa atual dos juros Selic.

Edição: Thalita Pires