O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), afirmou que a gestão estadual não foi omissa em relação a medidas que poderiam minimizar ou até evitar os estragos causados pelas chuvas que atingem a região desde o início do mês.
Em entrevista ao programa Roda Viva, da emissora pública paulista TV Cultura, ele negou que sua gestão tenha atuado contra a legislação ambiental. Mas as medidas colocadas em prática ao longo do mandato sinalizam inconsistências na fala do governador.
"Asseguro uma coisa: deste governo não há o erro do negacionismo, não há o erro da omissão, não há o erro de atacar questões ambientais ou as mudanças climáticas, porque a gente reconhece a ciência, e a gente busca se aliar a ela" disse Leite já em sua primeira resposta à atração.
No entanto, no primeiro ano de mandato, em 2019, o governo do tucano limitou ou alterou quase 500 pontos do Código Ambiental do Rio Grande do Sul. O texto foi debatido por nove anos com participação da sociedade, de parlamentares do estado e de especialistas em meio ambiente.
Em pouco mais de dois meses de discussão na Assembleia Legislativa do RS, a gestão de Eduardo Leite conseguiu modificar dispositivos que ampliavam e incentivavam a proteção ambiental. Um exemplo é o capítulo do texto original que tratava de mecanismos financeiros de estímulo à preservação, inclusive por meio de pesquisas. Todo esse trecho foi retirado da legislação na revisão proposta pelo governo do tucano.
A mudança também acabou com artigos que determinavam proteção de áreas adjacentes às unidades de conservação, áreas reconhecidas pela Unesco como reservas da biosfera, bens tombados pelo Poder Público, ilhas fluviais e lacustres, áreas de interesse ecológico, cultural, turístico e científico, entre outros.
Além disso, estabeleceu a figura da Licença por Adesão de Compromisso, que define que empreendedores podem iniciar projetos com base apenas em uma declaração. Entidades de defesa do meio ambiente alertam que a medida é, na prática, um auto licenciamento.
Ao Roda Viva, Leite voltou a afirmar que não houve diminuição de preservação de áreas florestais com as alterações do código. Ele insistiu no discurso de que o texto original foi modernizado, mesma retórica utilizada para defender as modificações em 2019. O governador usou o termo "ajustes de procedimentos" para se referir às mudanças.
Estudos ignorados
Ao longo da catástrofe que atinge o Rio Grande do Sul, a gestão de Leite também vem sendo muito criticada por não ter levado em consideração pesquisas e alertas que já indicavam a iminência da tragédia.
Um relatório elaborado pela Comissão de Representação Externa da Assembleia Legislativa do RS no fim do ano passado pedia mais investimentos em ações de prevenção, defesa civil e meio ambiente. Segundo o deputado estadual Adão Pretto Filho (PT), coordenador da comissão, a maioria das medidas não foram adotadas.
Em abril deste ano, poucos dias antes do início das chuvas que impulsionaram a tragédia atual, a Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan) enviou um ofício a Eduardo Leite com o título "Alerta ao Estado do Rio Grande do Sul e ao Governador do Estado".
O texto apontava que os efeitos da crise climática são largamente conhecidos e discutidos pela ciência e informava que a organização iria entrar com uma ação civil pública contra o governador, frente à "falta de atitudes para estancar e reverter processos que contribuem para o avanço da crise." Também não houve resposta da gestão.
Uma reportagem de 2023 da Agência Pública já apontava o engavetamento de estudos e alertas, inclusive de técnicos do próprio governo do estado. Entre eles o Plano de Prevenção de Desastres, elaborado em 2017, que nunca saiu do papel.
Mais atualmente, uma matéria exibida pelo Jornal Nacional, da TV Globo, nesta segunda-feira (20), apontou que o estado do Rio Grande do Sul tinha autorização de recursos para obras de contenção de enchentes desde 2012. Em resposta, o governo disse que outras áreas demandaram investimentos mais urgentes e citou a pandemia, que começou em 2020.
Em entrevista recente à Folha de S. Paulo, Eduardo Leite já havia dado resposta semelhante ao questionamento sobre a verba gasta para evitar grandes tragédias. Ele disse que o estado "vive outras pautas". Segundo ele, "a agenda que se impunha era aquela especialmente vinculada ao restabelecimento da capacidade fiscal."
Ao Roda Viva ele afirmou que pode não ter se expressado bem. No entanto, reforçou que o ajuste fiscal possibilitou organizar as finanças do estado e garantir, por exemplo, o pagamento em dia dos salários dos servidores e servidoras.
Até o momento, a Defesa Civil contabiliza mais de 160 mortes por causa das chuva, que atingiram mais de 90% dos municípios gaúchos.
Edição: Matheus Alves de Almeida