Edmundo González Urrutia fala pouco, bem pouco para um candidato em plena campanha eleitoral. Ele não está acostumado a estar no centro dos holofotes e, em duas semanas, se tornou o principal candidato da oposição na corrida eleitoral da Venezuela. Suas respostas são curtas e, até agora, não apresenta muitas propostas. A única delas: a aproximação com os Estados Unidos.
Urrutia não tem uma trajetória política. Trabalhou no Ministério das Relações Exteriores da Venezuela e foi embaixador do país na Argélia e na Argentina. Sua candidatura foi registrada pela coalizão de direita Plataforma Unitária mesmo depois do encerramento das inscrições e se tornou pivô de uma disputa entre a ex-deputada María Corina Machado e o governador de Zulia, Manuel Rosales..
A pouco mais de dois meses das eleições no país, marcadas para 28 de julho, o venezuelano participou do primeiro ato de campanha no último sábado (18). O lugar escolhido foi La Victoria, uma forma de colocar simbolismo no início da campanha, já que foi a cidade onde Edmundo nasceu.
Mas a campanha do candidato da Plataforma Unitária estava em marcha lenta. Urrutia se recusou a participar de comícios e quem era a responsável por tentar popularizar o nome de Edmundo era María Corina Machado. Acompanhada de uma foto do candidato, ela organizou passeatas em diferentes cidades para apresentá-lo aos eleitores.
Os chavistas chamam ele de um candidato “poste” de María Corina e, até agora, parece que Edmundo não parece querer se desvencilhar dessa condição. No ato em La Victoria, quem chamou a responsabilidade, mais uma vez, foi a ex-deputada ultraliberal. Enquanto María Corina discursava para o público, o candidato estava atrás das dezenas de quadros da Plataforma Unitária que ocupavam o palco. A ultraliberal então teve que puxá-lo pelo braço para que o público pudesse vê-lo.
O esforço de María Corina para se colocar como o principal nome da oposição não vem de hoje. Inabilitada por 15 anos, ela se manteve na disputa até o fim do registro eleitoral. Como não podia se inscrever, tentou emplacar Corina Yoris para o seu lugar, mas não recebeu apoio de outros grupos da oposição. O governador de Zulia e então candidato do Un Nuevo Tiempo, Manuel Rosales, passou a ser o adversário de uma queda de braço.
Depois de duas semanas de negociações, ela conseguiu a desistência de Rosales e os dois chegaram a um acordo para embarcar na campanha de Edmundo. Mas María Corina tem um grande desafio pela frente: tornar o candidato conhecido pelo público.
Araras na sacada
Não só uma pessoa desconhecida, Edmundo também nunca fez questão de estar nas redes sociais. Antes do registro do candidato, em março, a última publicação em sua conta no X havia sido em janeiro de 2017. O candidato teve que publicar duas vezes um anúncio de que aquele era o seu perfil original porque, de acordo com ele, “alguém tomou a liberdade de abrir uma conta não autorizada”.
As redes sociais têm sido o foco até agora. A estratégia inicial foi aumentar a presença nas plataformas. Mais publicações, fotos e textos descrevendo o candidato começaram a aparecer. Em uma delas, Edmundo aparece alimentando araras na sacada de seu apartamento, algo muito frequente nos bairros da classe média caraquenha.
Mas para o professor de Economia Política da Universidade Bolivariana da Venezuela Fernando Medina, essa forma de divulgar Edmundo acaba não sendo eficiente para conquistar apelo popular.
“Ninguém conhece Edmundo e acaba sendo ridículo isso de divulgar ele com as araras e a forma como María Corina está promovendo este candidato. Nos lugares em que ela discursa, ela leva uma foto dele dizendo ‘este é o candidato’. Mas Edmundo não vai às ruas, não faz debates, e não conversa com os eleitores, com o povo venezuelano”, disse ao Brasil de Fato.
O segundo passo foi construir uma imagem oposta à de María Corina Machado. Para o advogado e especialista em Economia Política Juan Carlos Valdez, a ex-deputada e o atual candidato tem jogado o jogo do “policial bom e policial mau”.
“Edmundo tem que ser, de alguma maneira e entre aspas, a antítese de María Corina Machado. Ela conduz ao extremismo. E eles têm medo que o chavismo se reagrupe por medo de María Corina chegar ao poder. E ele atenua essa imagem de Maria Corina. Mas ela é importante para ele porque ela arrasta os mais radicais da oposição. Ele tem que ser o policial bom. Cabe a ele ser ponderado, falar com lisura, não ser muito expressivo nas entrevistas”, disse ao Brasil de Fato.
Na percepção de Valdez, uma outra ferramenta importante usada pela campanha do ex-embaixador é o uso de especialistas e analistas políticos que “reforcem” as qualidades de Edmundo.
“A equipe dele está centrando essa construção agora com outros atores. Vários analistas políticos conhecidos na Venezuela que falam muito bem de Edmundo Gonzalez, exaltando a imagem e inclusive suas qualidades intelectuais, que não é possível medi-las nas entrevistas porque ele não fala muito. E do pouco que diz não diz nada”, disse Valdez.
Falta de propostas
Até agora, são poucas as propostas concretas apresentadas por Edmundo Gonzalez. Mas não por uma responsabilidade só do candidato. As entrevistas com jornais venezuelanos e com a imprensa estrangeira focam no enfrentamento ao chavismo e na possibilidade de uma transição de governo. E quando perguntado, Urrutia responde de maneira breve e desconversa.
Na última sexta-feira (17), o portal TalCual publicou uma entrevista de quase 30 minutos com o ex-embaixador. Quando foi questionado sobre as primeiras medidas que tomaria à frente do governo, Edmundo respondeu de maneira genérica:
“O primeiro que faria? A reconstrução do país, a reinstitucionalização da democracia venezuelana”.
Para Fernando Medina, a falta de projetos e propostas mostram um esvaziamento da campanha eleitoral desse grupo.
“Qual é a proposta na educação? Qual é a proposta para a saúde? Qual é a proposta para integração latinoamericana e caribenha? Qual é a proposta para direitos humanos? Nem Edmundo nem María Corina apresentam projetos de governo. Eles focam muito mais na confrontação e radicalização do que no debate político”, afirmou.
A única área que Edmundo trata com mais objetividade é justamente aquela em que fez carreira. Nas relações exteriores, o ex-embaixador promete se aproximar dos Estados Unidos e deixar de lado os países que a Venezuela se aproximou nos últimos anos. Rússia e Irã são alguns dos laços que Edmundo pretende romper se chegar à presidência.
“Nos últimos anos estabelecemos alianças com países que são estranhos à nossa tradição como país pacífico e democrático, com Irã, Rússia, Belarus… Não são aliados tradicionais da política externa que a Venezuela têm tido nos últimos anos, que é completamente alheia a esse comportamento que a Venezuela democrática”, disse em entrevista ao jornalista Luis Olavarrieta.
A relação de Edmundo com os Estados Unidos foi criticada pelo vice-presidente do Partido Socialista Unido de Venezuela (PSUV), Diosdado Cabello. Em seu programa semanal Con el Mazo Dado, o ex-embaixador foi acusado de ligações com a Agência de Inteligência dos EUA enquanto trabalhou como funcionário da diplomacia venezuelana em Washington em 1976.
Ainda de acordo com ele, Urrutia teria contribuído com os “esquadrões da morte” que atuaram em El Salvador nos anos 1980. O hoje candidato foi assessor do embaixador venezuelando no país, Leopoldo Castillo, e teria intermediado a relação da CIA com os grupos paramilitares de extrema direita no país.
Para o professor Medina, a aproximação com os Estados Unidos é parte de sua história, visão de mundo e uma reprodução das ideias de María Corina Machado e o grupo ligado à extrema direita.
“Edmundo sempre esteve muito ligado à política do Departamento de Estado dos Estados Unidos. Fundamentalmente ele é uma peça das ideias de María Corina Machado. A ideia principal de Edmundo quando diz que quer se aproximar dos Estados Unidos é a mesma ideia da Maria Corina. Eles representam oposição golpista. Não uma oposição democrática que está na Assembleia Nacional”, afirmou.
Edição: Rodrigo Durão Coelho