Todas as 145 comunidades quilombolas do Rio Grande do Sul, espalhadas por 70 municípios, foram atingidas pelas enchentes que assolam o estado desde o último 27 de abril. O levantamento é da Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (Conaq), segundo a qual 17.552 quilombolas estão sofrendo os impactos das chuvas.
Nenhum deles compõe a estatística das 148 vítimas fatais contabilizadas pela Defesa Civil em boletim divulgado nesta terça-feira (14). Dez comunidades, no entanto, estão ilhadas de acordo com o Ministério da Igualdade Racial (MIR).
“Os quilombos pedem socorro, as famílias se encontram em choque”, afirma a Conaq em post no qual divulga uma campanha de doações para apoiar as comunidades.
Confira a entrevista completa de José Alex ao programa Central do Brasil:
Teresinha Aparecida Lopes Paim saiu de casa, no Quilombo Rincão dos Martimianos, em Restinga Seca (RS), a tempo de tirar as duas crianças antes de a água atingir um metro. Seu município, onde vivem 756 quilombolas de acordo com o Censo de 2022, é um dos 320 em estado de emergência no estado. Outros 46 estão em calamidade pública.
“Mas graças a Deus estamos todos bem, apesar das perdas. O que importa é a saúde”, disse Teresinha ao Brasil de Fato dias após o primeiro contato, quando conseguiu uma conexão de internet.
“Aqui na comunidade ficamos três dias sem luz e sem água. Tinha que buscar na casa dos vizinhos, que é longe. Até a prefeitura mandar água e alimentação. Foi mandada alimentação, mas foi pouca né, porque é muita gente precisando de ajuda. Mas na comunidade um ajuda o outro e fomos repartindo o que veio”, conta Lopes.
“As pessoas não podem sair para buscar ajuda. As quatro pontes estão quebradas então não tem como se movimentar para a cidade, está faltando alimentação no mercado, então está difícil”, descreve a liderança quilombola.
É por isso que, como relatou o coordenador-executivo da Conaq, José Alex Borges, em entrevista ao Central do Brasil nesta terça (14), o movimento se reuniu com o Ministério da Igualdade Racial (MIR) para solicitar políticas de combate à fome. A pasta confirma a informação de que todas as 6.828 famílias quilombolas que vivem no estado estão em municípios que chegaram a decretar estado de calamidade.
“Levamos uma demanda de mais de 18 mil cestas básicas para atender essas seis mil famílias em comunidades quilombolas. Para dar conta nos primeiros 60 dias, porque as famílias perderam tudo, as cheias levaram as lavouras, as casas”, afirma José Alex.
Procurada, a pasta comandada por Anielle Franco informou que “desde as primeiras chuvas no Rio Grande do Sul o Ministério da Igualdade Racial integrou a força-tarefa de atendimento emergencial do Governo Federal ao povo gaúcho”.
“Internamente, criou uma sala de situação para atender às demandas que chegaram intensamente às equipes, o que repercutiu na realização de um mapeamento georreferenciado da situação dos territórios quilombolas, ciganos, comunidades tradicionais e povos de matriz africana no estado”, informou o MIR.
Confira aqui o mapa sobre a situação dos quilombos em contexto urbano de Porto Alegre, elaborado pelo Núcleo de Estudos Geografia e Ambiente da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em consulta às comunidades e à Frente Quilombola do estado:
Apesar de uma trégua nas tempestades a partir desta terça (14), a previsão do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) é de que o Rio Grande do Sul volte a enfrentar chuvas na quinta (16), junto com ventos e uma massa de ar de origem polar que pode baixar as temperaturas para 2ºC.
Nesta terça (14), o rio Guaíba chegou a 5,20 metros, obrigando os moradores de Lami, no extremo sul de Porto Alegre, a evacuar o bairro. Na região metropolitana da capital gaúcha está concentrada a maior parte da população quilombola do estado.
Parte delas vive no Quilombo dos Machado, que teve boa parte de sua área alagada. Nas redes sociais, Luís Rogério Machado, liderança da comunidade e membro da Frente Quilombola do Rio Grande do Sul, ressalta a urgência de doações.
“A gente ainda não está seguro, mas em alguns lugares da zona norte de Sarandi a água está dando uma baixadinha”, afirma. “Estamos precisando com extrema urgência de produtos de limpeza. Vassoura, desinfetante, tudo o que faça limpeza. O quilombo está precisando”, apela Machado, conhecido como Jamaica.
“O movimento sempre fez esse debate para isso não acontecer”, avalia José Alex. “E aí a gente é vencido pelos gestores, que por um mandato curto de quatro, no máximo oito anos, vendem os territórios, devastam as florestas. Nossas comunidades quilombolas devastadas por conta do agronegócio, das grandes empresas. Entram com as máquinas destruindo tudo. E acontece o que vemos hoje com essa tragédia”, critica o coordenador da Conaq.
Teresinha Lopes, que também integra a Federação das Comunidades Quilombolas do Rio Grande do Sul (FACQ/RS), ressalta que a sensação é de estarem “acuados”. “A chuvarada está vindo tudo de novo. Não sei onde vamos parar”, comenta. “O que Deus mandar para a gente, a gente vai ter que aceitar. Mas vamos levando. Até quando der”, diz.
Edição: Matheus Alves de Almeida