O Distrito Federal registrou 214 casos de injúria racial de janeiro a abril deste ano, o que representa uma média de quase dois (1,78) casos por dia. Apesar do número considerável, houve uma redução de 6,4% em comparação ao mesmo período do ano passado, quando foram registradas 228 denúncias.
Já em relação ao crime de racismo, foram apresentadas dez denúncias no primeiro quadrimestre deste ano, 44,4% a menos do que em 2023, quando foram registradas 18 ocorrências de janeiro a abril. Os dados são da Secretaria de Segurança Pública do DF (SSP-DF).
Segundo o presidente da Comissão de Igualdade Racial da Ordem dos Advogados do Brasil no DF (OAB-DF), Beethoven Andrade, a ligeira redução nas denúncias pode ser um reflexo da lei, sancionada em janeiro de 2023 pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que equipara em gravidade e pena os crimes de racismo e injúria racial.
Com a sanção da norma, a injúria racial também passou a ser considerada um crime imprescritível – podendo ser julgado a qualquer tempo, independente de quando a ofensa aconteceu – e inafiançável – o agressor não pode responder o processo em liberdade mediante pagamento de fiança. Além disso, os dois delitos passaram a ter a mesma pena, que pode ser de dois a cinco anos de reclusão.
“Com isso, pessoas presas em flagrante por injúria, discriminação ou preconceito racial são direcionadas às audiências de custódia. Isso é extremamente relevante, uma vez que se esvai aquele sentimento de impunidade, então se pode atribuir a redução à essa novidade legislativa. Além do fato que essa modificação afasta das pessoas negras a incerteza acerca de proceder ou não com a denúncia, o que demonstra que no ano de 2023, com relação aos anos anteriores, houve um aumento nas denúncias”, explicou o advogado ao Brasil de Fato DF.
Os relatórios da SSP-DF mostram que a tendência anual é de incremento nas denúncias. Nos últimos quatro anos, de 2019 a 2023, as ocorrências de injúria racial cresceram 54%, subindo de 467 para 722 – maior taxa em 9 anos. Já os registros de casos de racismo saltaram de 3 em 2019, para 39 em 2023.
A Região Administrativa do DF com maior número de denúncias de injúria racial em 2023 foi o Plano Piloto, com 99 ocorrências, conforme aponta o levantamento mais recente da Secretaria. Já Planaltina e Ceilândia foram as regiões em que aconteceram os aumentos mais expressivos no registro de ocorrências deste crime – 64% e 22%, respectivamente.
Segundo a legislação, o crime de injúria racial ocorre quando uma pessoa em específico é ofendida em razão da sua raça, cor, religião ou origem. Já o racismo é caracterizado quando essa ofensa é direcionada a um grupo ou coletividade.
“É natural que a informação acerca dos diretos e das sanções previstas para os crimes raciais promova modificações na forma com a sociedade irá se relacionar, não há aquele sentimento de que o racismo é algo brando, hoje temos a certeza de que quem comete racismo, injúria, preconceito ou discriminação será devidamente processado e punido pelo injusto cometido”, afirmou Beethoven Andrade.
Nuances do racismo no DF
Apesar da queda no número de denúncias registradas no primeiro quadrimestre de 2024, casos emblemáticos de racismo vieram à tona durante este período no Distrito Federal, revelando a gravidade do problema. São episódios que evidenciam a crueldade da discriminação racial, que está presente em espaços de formação e de manifestação do pensamento e da subjetividade – nas escolas e nos ambientes religiosos.
Às vésperas da Festa das Águas, celebração do Dia de Iemanjá (2 de fevereiro), a Praça dos Orixás, patrimônio cultural do DF, foi mais uma vez depredada, com o incêndio da estátua do orixá Ossain. “É crime de racismo e precisa ser combatido", afirmou o deputado distrital Gabriel Magno (PT-DF) na época.
O episódio se soma a outros diversos ataques sofridos pela Praça dos Orixás e por terreiros de religiões de matriz africana no DF e Entorno.
Já no mês de abril, pelo menos três ocorrências de racismo em escolas do DF foram denunciadas na mídia. Em um dos incidentes, uma supervisora de um colégio particular de Taguatinga, que também é mãe de uma aluna, foi acusada de ter proferido xingamentos racistas contra uma adolescente de 16 anos.
Para a professora, psicanalista e ativista da Frente de Mulheres Negras do DF, Mariana Almada, questões ligadas à raça têm sido mais discutidas no ambiente escolar, o que contribui para a identificação e a denúncia de casos de racismo, mas falta comprometimento de outros atores sociais, especialmente da família.
“Continuam acontecendo casos de racismo no ambiente escolar porque a família ainda não entendeu que a escola é o lugar para lapidar a questão”, disse ao Brasil de Fato DF.
“O que realmente forma a pessoa é sua essência, é sua educação trazida de sua casa. Sabemos que em determinadas fases da vida, a criança ou o adolescente reproduz muito a forma com que os adultos agem sobre determinadas questões. E há outros ambientes que também interferem na formação do entendimento de cada indivíduo acerca da realidade, a exemplo da rua, das mídias, de vários coletivos, que muitas das vezes alimentam estereótipos racistas”, defendeu.
Segundo a ativista, é necessário mais incentivo à formação de professores para que tenham ferramentas que permitam a inclusão de temas relacionados à história e cultura negra e ao racismo no currículo escolar de forma transversal, como preconiza a lei nº 10.639/2003.
“No mais, é preciso um trabalho de luta que é de todas as pessoas. Políticas públicas que alcancem pais, mães, responsáveis e comunidade local. Um trabalho de olhar e escuta sensível para a educação. Enfim, um trabalho voltado para o antirracismo”, acrescentou.
Denuncie
As denúncias de crimes raciais são importantes para, além da responsabilização dos agressores, levantar estatísticas que permitam o dimensionamento dos conflitos raciais no país e amparem a tomada de decisão do poder público na promoção de ações e políticas de combate ao racismo.
“A conscientização da sociedade quanto à necessidade da denúncia não deve se restringir ao sentimento de justiça como forma de punição, deve olhar além da pena, deve servir como um marcador para que o estado saiba onde e quando melhorar sua atuação na promoção da igualdade racial”, ressaltou Beethoven Andrade.
O DF conta com uma unidade policial especializada para atender aos crimes motivados por intolerância – a Delegacia Especial de Repressão aos Crimes por Discriminação Racial, Religiosa ou por Orientação Sexual ou contra a Pessoa Idosa (Decrin), da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF).
A denúncia pode ser feita presencialmente em qualquer delegacia, 24 horas por dia, ou na Decrin, que funciona de segunda a sexta-feira, das 12h às 19h, no Departamento de Polícia Especializada (DPE), próximo ao Parque da Cidade. Outros canais disponíveis são o telefone 197 / Opção zero, o e-mail [email protected] e o WhatsApp (61) 98626-1197.
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Fonte: BdF Distrito Federal
Edição: Márcia Silva