Dois dias após ser procurada pela reportagem do Brasil de Fato, em dezembro do ano passado, a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) identificou irregularidades em um convênio com a prefeitura de Alto Alegre do Pindaré (MA) e cobrou, mais de uma vez, explicações ao prefeito do município Francisco Dantas Ribeiro Filho, mais conhecido como Fufuca Dantas (PP) e que é pai do ministro dos Esportes, André Fufuca (PP), indicado pelo Centrão para assumir o ministério no ano passado. O Brasil de Fato publicou reportagem sobre este contrato em 15 de dezembro do ano passado.
Na cobrança mais recente, realizada no último 25 de março, a companhia alertou Fufuca Dantas que, se não fossem resolvidos em 45 dias os problemas encontrados no contrato feito com a prefeitura, iria abrir uma Tomada de Contas Especial. Este procedimento é uma fiscalização conduzida pelo Tribunal de Contas da União para apurar eventuais irregularidades em contratos. A Codevasf afirmou também que acionaria o Ministério Público Federal, o Ministério Público do Estado do Maranhão e a Advocacia-Geral da União, procedimento que é adotado quando há suspeita de crime ou de improbidade administrativa, segundo a portaria que regulamenta os convênios do governo federal:
“Comunicamos que, após o decurso do prazo estipulado neste ofício, sem que haja saneamento das pendências apontadas no convênio, o concedente procederá, de ofício, ao envio de comunicação aos Ministérios Públicos Federal e Estadual, bem como à Advocacia-Geral da União” diz o documento, assinado pelo Superintendente da 8ª Regional da Codevasf, que atende o estado do Maranhão, Clóvis Luiz Paz Oliveira.
Veja o ofício encaminhado ao pai de Fufuca em 2024
Veja o parecer da Codevasf de 2024 que aponta irregularidades
À reportagem, a Codevasf afirmou nesta terça-feira, (2), que a prestação de contas final do convênio é feita somente após o fim do prazo de vigência do contrato, previsto para encerrar em 31 de dezembro de 2024. Apesar disso, a Codevasf disse em nota que levou em consideração as informações apresentadas pela reportagem no ano passado para cobrar explicações da prefeitura.
“Por diligência administrativa e levando-se em conta a demanda de imprensa, foram realizadas análises da documentação registrada na plataforma Transferegov, o que implicou envio de notificações ao convenente pela Codevasf. A referida análise ocorreria, de forma sistemática, quando da apresentação da prestação de contas pelo convenente (a prefeitura), independentemente de provocações externas, alheias ao rito processual”, disse a empresa, em nota. A reportagem procurou a Codevasf em 11 de dezembro de 2023 para questionar sobre o referido convênio.
Contrato com reajuste de 46%
As irregularidades apontadas agora pela companhia são relativas ao convênio firmado entre a Codevasf e a prefeitura de Alto Alegre do Pindaré (MA), governada por Fufuca Dantas (PP), no fim de 2020 no valor de R$ 2,87 milhões. Todo o valor do convênio já foi repassado à prefeitura, e, segundo a Codevasf, a obra foi concluída.
Como revelou o Brasil de Fato, o convênio foi custeado com verba de emenda de André Fufuca e levou à contratação, pela prefeitura, de uma empresa comandada por um jovem de 23 anos e que foi encontrado pela Polícia Federal em 2018 com saco de dinheiro e santinhos de Fufuca na véspera da eleição. Além disso, no aparelho celular do jovem a PF encontrou até uma conversa em que ele negocia voto em troca de chuteira de futebol.
Chamada de Projeplan, a empresa foi contratada pela prefeitura de Alto Alegre do Pindaré em novembro de 2021 no valor de R$ 1,95 milhão para realizar obras de melhorias nas estradas da região. Como mostrou o Brasil de Fato, em menos de dois anos, em abril do ano passado a empresa conseguiu um aditivo de 46% e o valor final do contrato ficou em R$ 2,87 milhões, justamente o valor total do convênio fechado entre a prefeitura e a Codevasf. Quando foi questionada sobre esse aditivo pela reportagem do Brasil de Fato em 1 1 de dezembro do ano passado, a Codevasf informou que não tinha conhecimento do aditivo e que “por diligência administrativa” iria notificar o município.
Documentos internos da companhia aos quais o Brasil de Fato teve acesso por meio da Lei de Acesso à Informação mostram que, em 13 de dezembro, o fiscal do convênio e engenheiro civil Haroldo Castro Cruz, emitiu um parecer no qual aponta várias irregularidades e pede que seja encaminhado um ofício à prefeitura de Alto Alegre do Pindaré solicitando a solução das pendências.
Antes de identificar as irregularidades porém, o mesmo fiscal do convênio havia dado um parecer favorável a um pedido da prefeitura, feito em 10 de fevereiro de 2022, para utilizar o saldo restante do valor do convênio "ampliando o alcance da comunidade atendida", já que o contrato inicial da prefeitura com a Projeplan tinha valor de R$ 1,9 milhão. O gerente regional da companhia, porém, alertou que o saldo remanescente teria que ser devolvido aos cofres públicos e o pedido da prefeitura não foi atendido. Após ter o pedido negado, porém, a prefeitura acabou assinando um aditivo sem avisar à Codevasf.
Dentre as inconformidades levantadas pelo engenheiro, após ser procurado pela reportagem, estão a falta de uma série de documentos da obra que a prefeitura deveria ter apresentado no sistema de convênios do governo federal, como o projeto executivo, as medições da obra, os relatórios de fiscalização da prefeitura. No parecer, o técnico também cobra informações sobre o aditivo, já que até aquele momento a Codevasf não havia recebido nenhuma documentação a respeito dele. No mesmo dia em que o parecer foi feito, o superintendente regional da companhia encaminha um ofício junto com o parecer ao pai de Fufuca por e-mail e também pelos Correios.
No documento, o superintendente dá 45 dias para a prefeitura corrigir as irregularidades apontadas no parecer do fiscal do contrato e já alerta que poderia acionar as autoridades se os problemas não fossem sanados. “Após o decurso do prazo estipulado neste ofício sem que haja saneamento das pendências apontadas, o concedente procederá, de ofício, ao envio de comunicação aos Ministérios Públicos Federal e Estadual, bem como à Advocacia-Geral da União”, afirmou a Codevasf no ofício encaminhado dia 13 de dezembro.
A prefeitura nunca respondeu o ofício e, diante disso, em 22 de março, o fiscal do contrato emite um novo parecer. Nele, ele aponta que ainda estão faltando a apresentação dos documentos que haviam sido cobrados no ano passado à prefeitura e também analisa o aditivo que havia sido revelado pelo Brasil de Fato no ano passado.
Ao analisar o aditivo, o fiscal chama atenção para o fato de que ele foi pago pela prefeitura mesmo sem autorização da Codevasf, que deveria ter sido dada:
“O instrumento convênio nº 8.394.00/2020 (transfere gov.br 909034/2020) é classificado como sendo de nível II, sendo possível a reprogramação, decorrentes de ajustes ou adequação nos projetos básicos, porém por meio do saldo da conta do convênio, entende-se que a convenente já atestou e liquidou todas as medições cadastradas na Plataforma Transfere gov.br, apresentando o referido termo aditivo na aba anexos da execução, sem a devida aprovação da concedente”, afirma o fiscal do convênio, Haroldo Castro Cruz.
Na sequência, em 25 de março o superintendente manda um novo ofício para Fufuca Dantas no qual avisa que os problemas apontados em dezembro não haviam sido solucionados e dá mais 45 dias para a prefeitura regularizar a situação. Desta vez, porém, o superintendente avisa que “em caso de continuidade das inconsistências apontadas, será realizada a instauração da Tomada de Contas Especial”.
Apesar de ter avisado desde o primeiro ofício encaminhado a Fufuca Dantas no ano passado que poderia acionar os órgãos de fiscalização caso a situação não fosse regularizada, a Codevasf afirmou à reportagem por meio de nota que somente após decorrido o prazo do segundo ofício é que a companhia poderia considerar o município inadimplente e comunicar aos órgãos de fiscalização do governo: “O registro de inadimplência e as demais comunicações podem ocorrer apenas após nova notificação com prazo de mais 45 dias, nos termos do Art. 57, § 5º, e Art. 58 da portaria mencionada”, afirmou a companhia.
A reportagem também questionou a Codevasf por que ela não checou os problemas no convênio antes de ter repassado todo o valor à prefeitura. Em resposta, a companhia informou que foram feitas três visitas técnicas à obra e produziu os relatórios de acompanhamento que atestam que ela foi entregue.
“O processo de acompanhamento de convênios é realizado pela Codevasf de forma sistemática. A prestação de contas final, no entanto, não foi apresentada pelo convenente, uma vez que a vigência do convênio encerra-se em 31/12/2024”, afirmou a companhia. O advogado do dono da Projeplan avisou que seu cliente não iria se manifestar a respeito do tema da reportagem.
A prefeitura de Alto Alegre do Pindaré não retornou os contatos da reportagem e o ministro do Esporte, André Fufuca afirmou que não cometeu irregularidade e que não poderia ser responsabilizado pelos atos de terceiros.
"Sobre a questão que envolve a Codevasf, o ministro reafirma que não cabe a ele emitir opinião acerca de assuntos que dizem respeito às atividades daquela Companhia ou da Prefeitura de Alto Alegre do Pindaré. Por fim o ministro ressalta que não cometeu irregularidade e tampouco pode ser responsabilizado pelos atos de terceiros", diz a nota do ministério.
Edição: Vivian Virissimo