Criminalização

Comissão do Senado aprova PEC para tornar crime porte e posse de qualquer quantidade de drogas

Caso aprovada no plenário e pela Câmara, lei penalizará usuários e deixará sem critérios para diferenciar traficantes

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Ações no STF buscam que a PEC seja reconhecida como inconstitucional - Edilson Rodrigues/Agência Senado

A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) do Senado aprovou o relatório favorável à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) das Drogas (45/2023), do senador Efraim Filho (União Brasil-PB), nesta quarta-feira (13). A proposta foi aprovada por 24 votos contra três: Fabiano Contarato (PT-ES), Humberto Costa (PT-PE) e Marcelo Castro (MDB-PI).

Agora a PEC será enviada para o plenário Senado Federal, onde precisa ser aprovada em dois turnos por três quintos dos senadores (49). Posteriormente, será encaminhada para a análise da Câmara dos Deputados. 

A PEC tem como objetivo incluir ao artigo 5º da Constituição Federal um inciso que trate como crime a posse e o porte de drogas, independentemente da quantidade apreendida. De acordo com o relatório, "não há tráfico ilícito de entorpecentes sem usuários para adquiri-los, e, por esse motivo, deve-se combater, também, a conduta de quem possuir ou portar drogas, ainda que para consumo pessoal". 

A Lei de Drogas (11.343/2006) estabelece os crimes relacionados ao porte e consumo de drogas. No entanto, a legislação não estabelece a quantidade norteadora para a definição de consumo ou tráfico de drogas. Em seu segundo inciso, a lei estabelece que "para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente". 

Nesse sentido, a PEC deixa explícito que "a lei considerará crime a posse e o porte, independentemente da quantidade, de entorpecentes e drogas afins sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar". 

O relatório foi criticado por senadores progressistas. Fabiano Contarato (PT-ES) destacou a discriminação como fator norteador na definição de usuário e traficante. "Nós temos fontes que um branco no Brasil para ser definido tem que ter 88% a mais de substância do que um negro. É o Estado criminalizando a pobreza, a cor da pele", disse durante a sessão.

"Eu queria que essa casa se debruçasse com serenidade, equilíbrio, altivez, debatendo efetivamente quem vai fazer uso próprio. Como experiência de delegado que fui, com um pobre preto num local de pobreza, vilipendiado em seus direitos elementares, flagrado com cigarro de maconha, as circunstâncias fáticas vão ser o local e a cor da pele. Agora nos bairros nobres, pelos rincões do Brasil, aquele mesmo jovem, com a mesma quantidade, pelas circunstâncias fáticas, vai ser tratado como usuário de substância entorpecente", afirmou Contarato. 

Emenda à PEC 

O relatório acolheu a uma emenda do senador Rogério Marinho (PL-RN), que coloca que deve ser "observada a distinção entre o traficante e o usuário pelas circunstâncias fáticas do caso concreto, aplicáveis ao usuário penas alternativas à prisão e tratamento contra dependência".

No documento, Marinho defendeu a emenda "para solidificar na Constituição Federal a diferenciação entre usuários e traficantes de drogas, traçando linhas claras e objetivas que diferenciam a criminalização da posse para uso daquela destinada ao tráfico".

Na prática, tanto usuário quanto traficante, de acordo com a emenda, devem ser tratados como criminosos. Mas se o indivíduo for considerado usurário, penas alternativas devem ser aplicadas. O senador, no entanto, não traça quais aspectos devem ser levados em consideração para se caracterizar um usuário. Durante a votação, disse: "Deixemos para quem faz a apreensão e o juiz a avaliação caso a caso". 

Julgamento sobre o tema no STF 

Ao longo da votação, senadores mais conservadores criticaram o julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 635.659, no Supremo Tribunal Federal (STF), que trata da definição da quantidade de maconha para porte e consumo pessoal. O senador Eduardo Girão (Novo-CE) classificou o julgamento como "usurpação de competência" e "invasão da prerrogativa do legislativo'.

"Não vamos nos omitir. O STF não vai usurpar a competência desse Congresso Nacional. Querem legislar, candidatem-se. Mas não façam besteira e ignorância na condução desse tema que é tão caro para a sociedade brasileira", disse, na mesma linha, o senador Carlos Portinho (PL-RJ).

Contarato, por sua vez, defendeu a legitimidade do STF sobre o caso. "Não estamos enfrentando o problema de qual é o comportamento que vai ter a adequação típica par usuário e traficante. Se nós não enfrentamos o tema, o STF é instado a dizê-lo. Aconteceu isso com casamento entre pessoas do mesmo sexo, por exemplo. Aconteceu isso com inúmeros temas, que para nós preferimos ficar deitados eternamente em berços esplendidos. Então não venham falar que o STF está legislando."

O tema começou a ser julgado pela Corte em 2015, a partir de um recurso apresentado pela Defensoria Pública de São Paulo, depois que um homem foi condenado a cumprir dois meses de serviços comunitários por ter sido flagrado com três gramas de maconha dentro da sua cela, no Centro de Detenção Provisória de Diadema.

Segundo a Defensoria, a legislação atual viola os princípios da intimidade e da vida privada. O que se argumenta é que o artigo 28 da Lei de Drogas (nº 11.343/2006), que prevê penas para quem porta substâncias para consumo pessoal, é inconstitucional, já que, além de ferir o direito à autodeterminação, seria um crime cuja única "vítima" é a própria pessoa que o comete.

Os ministros Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes, Rosa Weber e Luís Roberto Barroso já defenderam a inconstitucionalidade da lei e a quantidade de 60 gramas de maconha ou seis plantas fêmeas como critério quantitativo para caracterizar o consumo pessoal. O ministro Edson Fachin também defendeu a inconstitucionalidade, mas entendeu que o Legislativo deve estabelecer os limites e critérios. 

Já os ministros Cristiano Zanin, Kassio Nunes Marques e André Mendonça são favoráveis à legislação atual. Os dois primeiros defendem que o critério para caracterizar o uso pessoal deve ser a quantidade de 25 gramas ou 6 plantas fêmeas. Já André Mendonça delimita a quantidade em 10 gramas. 

O julgamento foi suspenso em 6 de março após o ministro Dias Toffoli pedir vista, ou seja, mais tempo para analisar o tema. Também ainda não votaram Carmén Lúcia e Luiz Fux. 

Em entrevista à CNN Brasil, o ministro Luís Roberto Barroso afirmou, em 4 de março, que o STF não tratará da descriminalização das drogas. "O que o Supremo vai decidir é qual a quantidade que deve ser considerada para tratar como porte ou tratar como tráfico", disse Barroso. "Sem o Supremo ter essa definição, quem a faz é a polícia. E o que se verifica é que há um critério extremamente discriminatório. Dependendo do bairro, se for rico ou periférico, a mesma quantidade tem tratamentos diferentes. O que o Supremo quer fazer é ter uma regra que valha para todo mundo", complementou o ministro.

Por um lado, o STF possui a autoridade para determinar o que está ou não em conformidade com a Constituição. Por sua vez, o Congresso tem o poder de aprovar leis.

Se a PEC for sancionada antes da decisão do STF, só poderá ser aplicada em conflitos que surjam após o vigor da legislação. Ainda assim, sua nova versão poderá ser contestada no STF.

Mas se a inconstitucionalidade for declarada antes da sanção da legislação, o Congresso não poderá mais fazer alterações. Isso significa que uma lei que fere a Constituição Federal já nasce inconstitucional.

Edição: Matheus Alves de Almeida