Durante a reabertura do julgamento do caso que discute porte de droga no país, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, afirmou nesta quarta-feira (6) que a Corte não está decidindo se irá legalizar drogas ilícitas. A manifestação de Barroso vem após articulação da bancada evangélica do Congresso Nacional para tentar adiar a análise do tema, que começou a ser debatido pela Corte em 2015, mas estava em banho-maria desde agosto do ano passado.
O ministro destacou que o que está em discussão é o artigo 28 da Lei de Drogas (Lei 13.343/06), segundo o qual "quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo para consumo pessoal drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas: advertência sobre os efeitos das drogas; prestação de serviços à comunidade; medida educativa de comparecimento à programa ou curso educativo".
Do ponto de vista mais concreto, a Corte analisa um recurso extraordinário que questiona uma decisão da Justiça de São Paulo que manteve a condenação de um homem flagrado com 3 gramas de maconha. Após os procedimentos policiais relacionados ao caso, o homem foi enquadrado no artigo 28 da referida norma e, agora, o plenário do STF avalia se porte de droga para consumo próprio deve ou não ser considerado crime. Inicialmente, a análise era mais abrangente, abarcando ainda outros tipos de droga, mas os ministros decidiram afunilar o julgamento para tratar apenas de porte de cannabis. O caso tem repercussão geral, o que significa que a decisão final a ser tomada pelo plenário irá impactar todos os demais processos judiciais sobre o tema no Brasil.
"A Lei de Drogas não prevê pena de prisão para quem porte drogas para consumo pessoal. Não é o STF que está fazendo isso. É a própria lei, aprovada de longa data pelo Congresso Nacional, uma lei que vige desde 2006. No recurso em julgamento, o STF se depara com duas questões: em primeiro lugar, está em discussão se após a despenalização realizada pelo Congresso – com a despenalização significando aqui que não tem pena de prisão –, o porte de maconha para uso pessoal deve ser tratado como crime, punido com medidas penais, ou como um ilícito a ser desestimulado com sanções administrativas, como essas do artigo 28", detalhou Barroso.
O presidente da Corte acrescentou que "não se trata de legalização". "O consumo de drogas ilícitas no Brasil continuará a ser ilegal. As drogas não estão sendo nem serão liberadas no país por decisão do STF. Legalizar é uma definição que cabe ao Poder Legislativo, e não ao Judiciário", emendou. Barroso disse ainda que a ideia do julgamento é amarrar melhor o caminho que já foi apontado pela legislação atual, de forma a deixar um menor espaço de autonomia para agentes de segurança pública, o que gera desigualdade no tratamento dispensado a negros e pobres, muitas vezes mais penalizados do que outros grupos sociais diante de situações de porte de droga.
"O que nós todos estamos considerando como central aqui é definir um critério objetivo para auxiliar os policias e todos os integrantes do sistema de Justiça – juízes, promotores, procuradores – a diferenciarem o usuário do traficante. Isso porque tráfico de drogas é crime e continua a ser crime, sancionado com a pena de prisão, mas, se não definirmos uma quantidade de maconha que deve ser considerada como de uso pessoal, essa definição continuará nas mãos da autoridade policial em cada caso", emendou.
"Drogas ilegais são uma coisa ruim"
O ministro disse ainda que gostaria de compartilhar o que chamou de "premissas fáticas e filosóficas" da sua compreensão pessoal sobre o tema. "Drogas ilegais são uma coisa ruim. Tenho dois filhos que foram educados numa cultura de não consumir drogas e não desejaria isso pra nenhuma família. O consumo de drogas ilícitas tem efeitos potencialmente deletérios e por isso o papel da sociedade e do Judiciário deve ser desincentivar o consumo, tratar os dependentes e combater o tráfico. Estamos procurando encontrar a maneira mais eficaz de lidar com esse problema, de modo a proteger a saúde pública e diminuir a violência associada ao tráfico."
Luís Roberto Barroso ressaltou ainda que "a guerra às drogas fracassou". Ele lembrou a política de repressão, adotada sobretudo desde a década de 1970. "Foram dispensados bilhões em dinheiro com o enfrentamento militar às drogas, com dezenas de milhares de mortos e centenas de milhares de pessoas encarceradas. A despeito disso, o consumo só fez aumentar e a violência e a criminalidade associadas ao tráfico explodiram em diferentes partes do mundo, especialmente na América Latina e particularmente no Brasil." O ministro defendeu que, diante disso, é preciso se fazer "um debate aberto e corajoso sobre a melhor forma de lidar com o problema".
Placar
Barroso votou pela descriminalização do porte de maconha para uso pessoal. Gilmar Mendes, o relator do caso, bem como Edson Fachin, Alexandre de Moraes e Rosa Weber, esta última já aposentada, manifestaram posição dentro dessa mesma linha. O ministro Cristiano Zanin foi contrário à tese de se liberar o porte de droga, embora tenha votado pela definição da quantidade mínima de 25 gramas de maconha ou seis plantas fêmeas de cannabis como caracterização do uso pessoal em apreensões feitas pela polícia.
Na sessão desta quarta, os ministros André Mendonça e Nunes Marques também votaram contra a tese da liberação. Com isso, o placar atual está em cinco votos favoráveis à flexibilização e três contrários. O julgamento foi suspenso após pedido de vistas do ministro Dias Toffoli.
Edição: Nicolau Soares