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'Parir e Nascer': projeto em Roraima auxilia mulheres gestantes a combater a violência obstétrica

Projeto de extensão “Tinre yenpoiya” significa, na língua macuxi, 'parir e nascer'

Brasil de Fato | Roraima (RR) |
Uma a cada quatro mulheres brasileiras já sofreram violência obstétrica, segundo a ONU - André Borges/ Agência Brasília

Uma a cada quatro mulheres gestantes já sofreram violência obstétrica, segundo o relatório da Organização das Nações Unidas (ONU), esse número corresponde a 25% das mulheres.  

A violência obstétrica é todo o tipo de assédio, agressão moral, física ou psicológica, além do negligenciamento na assistência e discriminações sociais cometidas por profissionais ou instituições de saúde com gestantes durante o período do pré-parto, parto e pós-parto. Também pode se configurar como violência obstétrica, o uso de procedimentos ou mecanismos sem o consentimento prévio e explícito da paciente.

Roraima já ocupou o primeiro lugar no ranking nacional de mortalidade materna, com 280 mortes a cada 100 mil habitantes, em 2021, como aponta o levantamento do Observatório Obstétrico Brasileiro (OOBr). 

De acordo com uma pesquisa publicada pela revista Cuidado é Fundamental sobre a violência obstétrica no Hospital Materno de Roraima, de Joseane Viana de Almeida, 90% das 50 pacientes entrevistadas relataram que não foram informadas sobre esse tipo de crime durante o pré-natal, e 72% não conheciam o termo, mas 38% afirmaram terem sido vítimas de maus tratos durante o parto.

“O que eu entendo por violência obstétrica, vem da minha própria experiência, eu sofri essa violência no parto do meu filho quando estava na mesa de cirurgia. Eu ouvi um técnico de enfermagem falando de mim, não falou para mim diretamente. Comentou assim “caraca! Moleque, a barriga dela tá toda rasgada, tá toda, ela tá feia” e eu estava na mesa de cirurgia”, relata uma das vítimas da violência.

A professora Iana Vasconcelos, membro representante da Universidade Federal de Roraima (UFRR), no Comitê Estadual de Prevenção de Mortalidade Materna, Infantil e Fetal, explica que o estado não possui dados estatísticos da violência obstétrica específico, sendo esse um dos principais fatores que dificultam o combate à essa problemática.

“Posso afirmar que as principais vítimas no estado de Roraima são as mulheres indígenas, migrantes, do campo, pardas e negra e geralmente de causas evitáveis, como por exemplo, falta de acompanhamento pré-natal adequado, demora no atendimento na remoção para cidade (no caso das mulheres indígenas e do campo), além da falta de leitos e demora no atendimento na única maternidade de referência do Estado de Roraima em casos de alta complexidade”, pontua Vasconcelos.

A professora atualmente desenvolve na Universidade Federal de Roraima (UFRR) o projeto de extensão “Tinre yenpoiya: combate e prevenção à violência obstétrica em Roraima”, cujo significado, na língua Macuxi, é “Parir e Nascer”. O trabalho procura subsidiar as mulheres no processo de gestação a fim de combater e prevenir a violência obstétrica.

“Almejamos que o acesso à informação e a sensibilização de profissionais de saúde sobre o tema transforme a realidade do estado, contribuindo para a redução da violência obstétrica, bem como para a diminuição dos índices de mortalidade materna e infantil” , comenta a professora.

Segundo Vasconcelos, há um agravante na violência sofrida em mulheres indígenas, isso se dá principalmente ao fato de muitas não terem acesso a uma Unidade Básica de Saúde (UBS), sendo dependentes de equipes médicas itinerárias, outro fator que implica na realização adequada do pré-natal, é também a escassez de informações nas linguagens dessas gestantes. 

“De acordo com elas, médicos/as e enfermeiras, em muitos casos, demonstraram certa irritação quando eram questionados com muitas perguntas pela gestante. Geralmente, os esclarecimentos de dúvidas não ocorriam devido ao pouco tempo de escuta e por explicações e recomendações realizadas em uma linguagem altamente técnica do campo da saúde. Também se queixavam da padronização das consultas que não esclarecem sobre os cuidados e procedimentos específicos correspondentes a cada etapa da gravidez”, relata Vasconcelos sobre as pacientes indígenas. 

As mulheres ouvidas no projeto de extensão “Tinre yenpoiya” relatam que no primeiro momento, ao chegarem na principal maternidade do estado, são encaminhados à um profissional da saúde o qual não identifica sua especialidade, nessa ocasião também é realizado os primeiros exames de toque para saberem a dilatação.

“Práticas como exames repetitivos de toques também não são procedimentos consultados, apenas comunicados. A resistência e/ou recusa à realização dos exames de toque e a utilização e/ou interrompimento de remédios para indução do parto endovenosa é percebido negativamente pelos profissionais de saúde ", diz a professora.

Outro destaque frequente nos relatos, é a proibição por parte da maternidade em conceder a escolha de um acompanhante do gênero masculino durante o parto. “A gestão da unidade hospitalar alega falta de estrutura para garantir a privacidade de cada mulher”, explica Iana. 

No entanto, de acordo com a Lei Federal nº 11.108 é direito das gestantes escolherem seu acompanhante, com a única objeção de ter acima de 18 anos. Além disso, na lei consta que “a mulher tem direito a um ambiente sossegado, privativo, arejado e sem ruídos durante todas as etapas do nascimento do bebê”.

Em 2023, as mulheres alcançaram mais uma conquista, após a lei 14.737/2023 ser sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A nova política pública assegura o consentimento das gestantes terem um acompanhante durante todo o seu período de atendimento em uma unidade de saúde pública ou privada. Além disso, em casos de procedimentos em que envolvam sedação ou qualquer rebaixamento do nível de consciência, a própria unidade de saúde deverá indicar um acompanhante.

 

Edição: Vivian Virissimo