O antigo Hospital de Campanha, instalado durante a pandemia, funciona hoje como a principal maternidade em Boa Vista (RR), atendendo gestantes e recém-nascidos de todo o estado. O espaço é chamado pela população local de 'hospital de lona' e acumula relatos de atendimento inadequado, escassez de suprimentos e altas taxas de mortalidade infantil.
O prédio permanente do Hospital Materno Infantil Nossa Senhora de Nazareth, gerido pelo governo de Antonio Denarium (PP), atualmente passa por uma reforma que se iniciou em junho de 2021, com previsão para ser concluída no primeiro semestre de 2024. A previsão anterior era que a obra ficasse pronta em março desde ano.
A obra já totaliza um custo de R$ 91,3 milhões, segundo levantamento do jornal Roraima em Tempo. Inicialmente o espaço alugado para manter o hospital provisório custava R$ 10 milhões por ano, mas passou por um aumento de 18%, o que elevou o valor do aluguel para quase R$ 12 milhões até agosto de 2023, quando o contrato foi renovado e o repasse subiu para R$ 13 milhões anuais.
A unidade é a única que oferece Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) no caso de complicações de mulheres ou recém-nascidos.
Conforme o Ministério Público, em 2023 o hospital registrou 17 mortes a cada mil nascimentos, um aumento de 70% em relação ao ano anterior. A média nacional é de 12,9 mortes para cada mil nascimentos.
Uma paciente, que prefere não se identificar, ficou internada na maternidade provisória em 2023, e descobriu nas primeiras ultrassonografias que sua filha tinha duas doenças graves, associadas à carga genética do bebê e à tipagem sanguínea dos pais. As condições poderiam levar à morte do feto. "Em primeiro lugar eu queria tirar a criança porque todos os médicos haviam me falado que ela não iria sobreviver, que a qualquer momento eu poderia abortar.Todas as vezes que fazia ultrassom descobria algo diferente na bebê. Perdi a Maria com 7 meses de gestação após uma dolorosa cesárea", relata a paciente.
Apenas nos primeiros 37 dias de 2023 houve mais casos de mortes de recém-nascidos do que todo ano de 2022. O governo associa esses óbitos à falta do ciclo mínimo de seis consultas de pré-natal, que levou muitas mulheres a terem partos prematuros.
"Ao todo, 25,42% dos óbitos registrados na Maternidade ocorreu em razão da prematuridade extrema, apesar de 61% das pacientes terem iniciado o pré-natal no primeiro trimestre da gestão, apenas 35% delas mantiveram esse cuidado", aponta da secretaria de saúde, em nota enviada ao Brasil de Fato.
A diretora-geral da maternidade, Laís Blanco, reforçou que a unidade recebe um grande fluxo de mulheres gestantes que não realizaram exames do pré-natal e que apresentam complicações no momento do parto.
"A gente tem essa necessidade de mostrar a importância de fazer o pré-natal. Por exemplo, a gente chama de período interpartal que é entre uma gravidez e a outra. No período de uma gestação à outra, aconselhamos no mínimo, um intervalo de um ano, mas esse sendo o limite. Elas estão abaixo disso, tem mães que eu acompanho aqui que, no mesmo ano, vejo duas vezes na maternidade", relata.
Na maternidade estão sendo realizados 40% de cirurgias cesarianas devido ao estado agravado das pacientes, segundo a diretora. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estipula que a taxa de cirurgias cesarianas deveria girar em torno de 10% a 15%.
A cirurgia cesárea ocasiona um retraimento dos órgãos e toda vez que uma mulher é submetida a esse procedimento, o risco de morte materna aumenta gradativamente. A diretora acrescenta que na quarta vez o risco de óbito da paciente chega a ser de 25%.
A secretária estadual de saúde de Roraima, Cecília Lozeron, negou uma "aglomeração" de pacientes no hospital. No entanto, segundo ela, a atenção básica dos municípios encaminham as mulheres de uma forma equivocada.
"Cerca de 65% dos atendimentos que são encaminhados para a maternidade não deveriam ser nossos, às vezes são 'corrimentos', ou simplesmente uma avaliação de uma gestação", explica.
Além do Hospital Nossa Senhora de Nazaré, o estado também mantém a maternidade Thereza Monay Montessi, localizada no município de Rorainópolis, no extremo sul do estado.
Ana Paula, que foi paciente da maternidade em agosto de 2023, passou por uma experiência desagradável durante o período em que ficou internada. "Nós mulheres que precisamos ir na maternidade somos muito mal atendidas, principalmente pelos profissionais. A questão da limpeza também. Muita barata e muita formiga, os banheiros são extremamente horríveis", relata a paciente.
Uma enfermeira da unidade que pediu para não ser identificada destacou problemas como a estrutura e insumos. "Uma grande dificuldade que acontece diariamente é a falta de cadeira para o acompanhante. Isso é uma precariedade muito grande. Todo dia tem acompanhante discutindo por causa da falta de cadeira. Também existem várias outras situações de insumos de materiais e estrutura, mesmo no prédio físico [já acontecia]".
O que diz o governo
Por meio de nota, a Secretaria de Saúde apontou que as falhas no pré-natal acontecem "por falta de uma política séria de busca ativa por parte dos municípios acarreta diretamente no aumento de óbito fetal na Maternidade".
"A unidade possui Comitês de Ética e Mortalidade em pleno funcionamento, que têm a finalidade de analisar todos os óbitos ocorridos na unidade hospitalar, verificando a causa do óbito para repassar dados importantes aos órgãos responsáveis, visando um melhor atendimento à população. Se constatado qualquer equívoco no procedimento, os Comitês adotam as devidas providências", diz a nota.
Edição: Vivian Virissimo