O ex-ministro do Meio Ambiente do governo Bolsonaro e deputado federal Ricardo Salles (PL-SP) tentou atrapalhar, nesta quarta-feira (28), a sessão solene em homenagem ao Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) na Câmara dos Deputados. A organização comemora 40 anos de história e por isso foi alvo de um gesto de reverência por parte de parlamentares que solicitaram a realização da sessão. Tradicional opositor do MST e um dos porta-vozes da ala política contrária às agendas da reforma agrária e do meio ambiente, Salles tentou disputar os holofotes da imprensa incriminando a entidade.
Ele foi relator da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do MST, que ocorreu no ano passado e se encerrou sem votação de seu parecer final. "Infelizmente, os achados que tivemos na CPI, sob a nossa ótica, não trazem motivo pra comemoração. Nós viajamos por diversos estados da federação – São Paulo, Mato Grosso do Sul, Bahia, Alagoas – e o que vimos nos acampamentos foi uma miséria generalizada, um insucesso de modelo que não deu certo", esbravejou, acusando ainda a organização do que chamou de "desrespeito à propriedade privada" e suposto "abuso de forças". Ele não apresentou provas das acusações.
A intervenção se deu em meio à presença de pelo menos 300 militantes do MST que compareceram ao evento usando bonés vermelhos para prestigiar a entidade. A declaração do parlamentar se insere no contexto das narrativas das bancadas da bala e ruralista, que costumeiramente atacam o movimento na Câmara e polarizam com parlamentares do campo da esquerda. Salles foi interrompido por vaias e gritos de guerra dos presentes, que o chamaram de "golpista" e também de "fascista".
Depois dele, também subiu à tribuna para atacar o MST o deputado Rodolfo Nogueira (PL-MS), que disse ser "um dia muito triste para a Câmara e o Congresso" por conta da homenagem. Ele foi fortemente vaiado pelos militantes após criticar as lideranças do movimento. Os dois foram sucedidos por diferentes parlamentares que reagiram aos ataques.
A deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP), que atuou na CPI do MST, disse que o movimento "há 40 anos luta por justiça, pela terra e por alimento na mesa do povo brasileiro". Ela lembrou que a comissão tinha comando, relatoria e maioria formada por bolsonaristas, mas terminou sem alcançar o objetivo de enquadrar criminalmente o movimento. Sâmia afirmou que Salles e correligionários foram vencidos "pelo poder e pela força da classe trabalhadora organizada".
‘O poder e a força da classe trabalhadora organizada’ ✊🏽
— Brasil de Fato (@brasildefato) February 28, 2024
Hoje (28), na sessão solene em homenagem ao aniversário de 40 anos do MST na Câmara dos Deputados, em Brasília (DF), o deputado federal Ricardo Salles (PL-SP) atacou o movimento.
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"Tentaram a todo momento imputar crimes ao movimento. Não conseguiram porque não há crime nenhum em lutar pela reforma agrária, que inclusive está inscrita na Constituição e segue como uma tarefa histórica dos trabalhadores para que haja justiça de fato no país. Não há crime nenhum ocupar latifúndio improdutivo e que, inclusive, tem por trás ruralistas que desrespeitam o meio ambiente, atacam e assassinam lideranças, inclusive indígenas, camponeses. Crime é exportar madeira ilegal, senhor Ricardo Salles. Crime é tentar dar um golpe de Estado, como vocês tentaram fazer no 8 de janeiro, e novamente perderam", disse Sâmia, ao dar uma invertida em Salles. Em agosto do ano passado, o deputado virou réu em caso que investiga exportação de madeira ilegal.
Valmir Assunção (PT-BA), que é organicamente ligado ao MST e assentado do Programa de Reforma Agrária na Bahia, disse ter "orgulho" da relação com o movimento. "Nós nunca iremos baixar a cabeça nem pra bolsonarista, nem pra fazendeiro, nem pro agronegócio", bradou.
Os outros dois parlamentares vinculados ao MST se somaram ao coro. Marcon (PT-RS) disse sentir "orgulho da história e longa vida [da entidade]" e também elogiou a "luta por democracia" por parte do movimento. Já o deputado João Daniel (PT-SE) exaltou a postura do MST de praticar a "solidariedade mundial com os povos que lutam e resistem, como o povo palestino". "Cada companheiro e companheira que está aqui representa com muita dignidade a história de luta do MST pelo Brasil", continuou.
O líder do governo na Casa, José Guimarães (PT-CE), uniu-se aos apoiadores e criticou a atitude de Salles e Nogueira. "Esta é uma sessão de homenagem aprovada pelo plenário desta Casa. Não vou aceitar provocações. Quem está fazendo esta sessão aqui é o MST, que tem da nossa parte todo o reconhecimento. Não estamos fazendo nada que não esteja dentro do regimento da Câmara."
A deputada Maria do Rosário (PT-RS), que conduzia a sessão, também reagiu à iniciativa dos bolsonaristas. "Eu nunca vi uma instituição que é homenageada ser desrespeitada pelos integrantes desta Casa. Não estragarão a sessão dos 40 anos do MST. A palavra oficial foi do presidente Arthur Lira (PP-AL) na abertura dos trabalhos. Aqui é o plenário da democracia, não da provocação", disse a petista, que, no início da solenidade, havia lido uma carta enviada por Lira em saudação aos 40 anos da organização.
Lira
Na rotina da Câmara, é comum a presidência da Casa enviar uma mensagem oficial para ser lida sempre no começo das sessões solenes em deferência à instituição ou ao tema que é motivo da cerimônia. Tradicionalmente, esse tipo de texto é produzido por assessores. O discurso lido em nome de Lira nesta quarta, no entanto, chamou a atenção pelo teor elogioso ao MST. Considerado um parlamentar conservador, o pepista se destacou em sua trajetória na Câmara como líder do centrão, bloco que reúne muitos críticos e opositores ferrenhos do movimento, vários deles integrantes da bancada ruralista.
"A realização desta sessão solene pela Câmara denota o respeito e a valorização para aqueles e aquelas que defendem o fortalecimento da democracia e o combate às injustiças sociais. São essas as causas que atribuíram ao MST ao longo de 40 anos os seus mais elevados méritos, tornando essa organização popular credora de verdadeira distinção. Em 1984, quando o MST nascia, o Brasil passava por uma fase crucial de reabertura política. Os clamores da democratização reverberavam pelo país e encontravam em diversos movimentos sociais o endosso que assegurou legitimidade e força para prosperar", disse Lira, ao mencionar ainda as "vozes caladas pelo autoritarismo" durante a ditadura.
O presidente também ressaltou que "o MST tem empunhado bandeiras que merecem atenção inquestionável da sociedade e do Estado". Além disso, afirmou que a militância da organização "tem sido combativa e exitosa na tarefa de questionar o desmazelo em relação à dignidade e em relação aos direitos humanos dos trabalhadores e trabalhadoras rurais". "Ao lado da luta pela terra, surgiram outras pautas que ganharam importância e envolvimento dos ativistas. É o caso, por exemplo, da defesa do direito inalienável à educação de qualidade e à infraestrutura básica, a fim de que todo cidadão e cidadã possa se desenvolver com condições dignas. Nesse sentido, são louváveis os números alcançados pelo MST em quatro décadas para promover a educação inclusiva nos acampamentos e assentamentos do país", acrescentou.
Lira citou como exemplos a alfabetização de 50 mil adultos, a construção de 2 mil escolas públicas e "o acesso garantido à educação" para mais de 200 mil crianças e adolescentes que contaram com a intermediação da entidade para chegarem à escola. "O MST se tornou um interlocutor que não pode ser alijado das discussões políticas que visam redefinir paradigmas e objetivos e fundados na nossa Constituição", emendou.
Nos últimos dias, o presidente vinha enfrentando pressão de parlamentares da extrema direita, que tentaram impedir a ocorrência da solenidade. Além de Salles e Nogueira, também circularam pelo plenário durante a cerimônia nesta quarta os deputados Evair de Melo (PP-ES) e Marcel Van Hattem (Novo-RS), ambos de oposição e conhecidos críticos do MST. Eles chegaram a se inscrever para discursar no púlpito, mas não falaram. Logo depois da sessão, bolsonaristas fizeram uma coletiva de imprensa para repudiar a iniciativa da solenidade e, mais uma vez, atacar o movimento.
Edição: Nicolau Soares