Mais uma vez, o ano inicia com diversas cidades baianas enfrentando chuvas em excesso e enchentes que comprometem a estrutura de moradias, espaços públicos e também plantações. Em 2023, parte da Bahia também atravessou um longo período de seca, inclusive com muitas cidades decretando situação de calamidade pública. Além disso, no semiárido, bioma que ocupa cerca de 70% do estado da Bahia, avança o processo de desertificação causado pelo aquecimento global. Todos esses fenômenos podem ser atribuídos às mudanças climáticas, que têm deixado mais extremos os eventos comuns do clima.
A identificação desses problemas, e das possíveis soluções, surgem a partir de pesquisas acadêmicas, principalmente advindas das universidades públicas do país. Em entrevista ao Brasil de Fato Bahia, Antonio Lobo fala sobre as consequências das mudanças climáticas no mundo, e também na Bahia, e os caminhos que a humanidade pode construir para solucionar esse problema.
Antonio Lobo é professor doutor de Geografia Política e Geopolítica do departamento de Geografia da Universidade Federal da Bahia (UFBA), com estágio pós-doutoral pela Universidade da Cidade de Nova Iorque. Também é coordenador de Meio Ambiente da Superintendência de Meio Ambiente e Infraestrutura da UFBA (SUMAI/UFBA) e ex-coordenador geral do Fórum Baiano de Gestão Ambiental nas Instituições de Ensino Superior da Bahia.
Brasil de Fato Bahia: Professor, antes de tudo, agradecemos por ter aceitado nosso convite. Queria começar te perguntando sobre quais são as perspectivas sobre as mudanças climáticas nos próximos anos? A gente tem vivido ondas intensas de calor nas últimas semanas, tempestades e secas em diferentes pontos do país. Isso pode piorar?
Antonio Lobo: Infelizmente as condições climáticas não estão trazendo boas perspectivas. Está muito difícil de celebrar acordos que sejam realmente factíveis e realmente cumpridos por todos os países, principalmente aqueles países que são os maiores poluidores e que, diga-se de passagem, são os países mais ricos, com maior estrutura produtiva, com maiores PIBs, a exemplo, da China e dos Estados Unidos. Eles inclusive estiveram ausentes na COP 28, que foi aquele encontro para discutir as questões relacionadas às mudanças do clima que congregou cerca de 200 países.
Então, a perspectiva, infelizmente, não é boa. 2022, inclusive, foi considerado um ano bastante ruim no que compete às emissões dos gases poluentes e às mudanças climáticas. Foi o ano mais quente da história, desde que os registos de temperatura, passaram a ser feitos, do século XIX para cá. Foi o ano em que o mundo mais emitiu gases poluentes, gases do efeito estufa que contribuem diretamente para o aquecimento do planeta de forma mais acelerada e, consequentemente, para as mudanças climáticas.
Por outro lado, foi o ano também que os países, principalmente os grandes produtores deram mais incentivos e subsídios para a indústria do petróleo. Então, essa medida de correr e de acelerar o processo de produção de petróleo, até prevendo mudanças no campo energético, num futuro próximo, infelizmente, vão contra a necessidade de reduzir a produção e a utilização dos combustíveis fósseis.
Com relação aos eventos extremos, eles são muito preocupantes porque causam danos à vida humana e também danos ao patrimônio. Consequentemente, podem causar, inclusive crises econômicas com piora na questão da desigualdade, da fome. E esses eventos extremos estão se tornando cada vez mais comuns, em função das mudanças climáticas. Então, a gente está tendo cada vez mais as chamadas chuvas torrenciais, que acabam causando alagamentos e perdas de bens, materiais e vidas humanas. A gente tem tido secas extremas cada vez mais frequentes, inclusive na região amazônica. Agora a gente está tendo uma seca bastante grave que vem atingindo a Amazônia Legal brasileira, principalmente o estado do Amazonas. E na outra ponta, tempestades, furacões, chuvas torrenciais que vêm causando muitos alagamentos e muita destruição na porção sul do Brasil.
Esses eventos extremos que eram incomuns, eles estão se tornando cada vez mais presentes cada vez mais comuns em função das mudanças climáticas. As mudanças climáticas são muito importantes e que bom que o mundo está discutindo isso, mas infelizmente não estamos tendo resultados efetivos na questão da redução, na emissão dos gases.
Como essas mudanças têm afetado e podem vir a afetar os diferentes biomas aqui no Nordeste? E como isso afeta a vida das pessoas?
As mudanças climáticas afetam o planeta como um todo. E acabam impactando nos biomas, tanto na fauna quanto na flora, tornando as áreas mais secas, o que leva a perdas hídricas e também perda da biodiversidade. Aqui no Nordeste, tende a se agravar a seca, sobretudo na porção semiárida do Nordeste, que ocupa aproximadamente 70% do estado da Bahia, principalmente a porção central do estado. Então, tende a agravar a seca nessas áreas, principalmente no período de influência do El Niño, que é um período de aquecimento das águas do Pacífico, que é esse período que nós estamos entrando agora.
O aquecimento global atrelado ao desmatamento tende a provocar o fenômeno da desertificação. A ampliação da seca, ampliação da área semiárida no Nordeste e o fenômeno da desertificação são impactos ambientais que a gente pode é observar de forma mais latente. A perda hídrica é um outro aspecto que a gente pode observar, inclusive que acaba acarretando conflitos pela posse e pelo uso da água. Quando você pega o mapa de conflitos agrários no Brasil, já figura o conflito pela água com bastante destaque no mapa.
Como as pesquisas realizadas pelas universidades públicas podem colaborar para a adaptação das cidades e pessoas a essas mudanças e também para diminuir o avanço delas?
As universidades são instituições muito importantes, não só no Brasil, como no mundo inteiro. Nenhum país no mundo conseguiu construir cidadania, conseguiu crescer o PIB, conseguiu se desenvolver nas suas mais diversas áreas sem ter universidades fortes. Então, as universidades possuem um papel sine qua non em qualquer sociedade. As universidades são instituições formativas, mas esse processo de formação está muito atrelado ao desenvolvimento de pesquisas. E a gente tem muitos estudos sobre as mudanças climáticas, sobre a emissão de gases poluentes, sobre a utilização de determinadas fontes energéticas, principalmente dos combustíveis fósseis, que acaba impactando nas mudanças climáticas. A gente tem muitas pesquisas no campo da importância da educação ambiental para que a gente possa formar gerações com maior consciência sobre as questões ambientais e a necessidade de consumir com responsabilidade e preservar e conservar o planeta, principalmente os recursos naturais.
Então, a gente tem uma infinidade de pesquisas e de processos formativos sendo desenvolvidos na universidade. E essas pesquisas e esses processos formativos dialogam em grande medida com a questão ambiental e com o desafio que o aquecimento do planeta e as mudanças climáticas nos trazem. Então eu diria que a universidade tem uma importância muito grande como produtora de conhecimento e como instituição formadora e grande parte do que se sabe hoje sobre os gases poluentes, sobre os combustíveis fósseis, sobre as mudanças climáticas, é fruto de um conhecimento oriundo de pesquisas desenvolvidas no âmbito das universidades.
Dificilmente a gente vai conseguir vencer o desafio das mudanças climáticas sem uma participação decisiva das universidades, principalmente das universidades públicas. Porque são as universidades públicas que realizam quase 90% das pesquisas desenvolvidas no mundo. Sem a participação dessas universidades, dificilmente a gente vai conseguir obter êxito nesse desafio enorme que envolve aí as mudanças climáticas e a própria sobrevivência da vida humana e de grande parte da nossa biodiversidade no planeta. Essas pesquisas nos alertam sobre os problemas, mas muitas dessas pesquisas também sinalizam possíveis soluções. Como por exemplo, a necessidade da gente fazer a transição energética para produzir e consumir uma energia mais limpa, menos impactante. Então, eu diria que as universidades têm um papel muito importante sem as universidades, a gente não vai conseguir avançar, não vai conseguir caminhar.
O senhor acredita que é possível alcançar a reversão das mudanças climáticas dentro desse modelo capitalista?
Essa é uma pergunta muito difícil. Primeiro porque o capitalismo é parte significativa do problema. Esse modelo de consumo e essa forma extremamente agressiva e crescente de utilização dos recursos naturais, principalmente dos combustíveis fósseis no âmbito do capitalismo, de fato, tem provocado e acelerado essas mazelas ligadas às mudanças climáticas no planeta. Por outro lado, agentes hegemônicos do próprio capitalismo já perceberam que o agravamento das questões climáticas pode ser ruim para a sustentabilidade do próprio capitalismo enquanto sistema. E muitos desses agentes já vêm tentando se adaptar à necessidade de mudança. E, ao mesmo tempo, a partir dessa adaptação, buscar formas para continuar ampliando e reproduzindo o seu capital.
Então, o capitalismo ele tem esse caráter flexível, quando a sua sobrevivência está ameaçada. Pode ser que o capitalismo permita o processo de transição energética, que o capitalismo permita uma mudança no padrão de consumo para bens mais sustentáveis e que a gente consiga, em alguma medida, mitigar os efeitos do processo de mudanças climáticas no planeta.
Agora, mudar totalmente, mudar radicalmente para um outro padrão de consumo, para uma outra forma de relação civilizatória que, de fato possa eliminar as mudanças climáticas a médio e longo prazo que, de fato, possa trazer a dimensão da sustentabilidade para as nossas relações e para o consumo e a extração dos recursos naturais do planeta no capitalismo, eu acho muito difícil. Eu acho que para a gente alcançar esse nível de sustentabilidade, de fato, a gente teria que mudar o sistema, evoluir do capitalismo para um outro sistema que fosse mais solidário, mais coletivo, mais participativo, mais includente e que tivesse o zelo pela sustentabilidade, o zelo pela conservação e pela proteção do planeta, da nossa biodiversidade em primeiro lugar.
Então, resumindo, eu acho que, no capitalismo, a gente pode até ter uma mudança que leve a um processo de mitigação, de desaceleração das mudanças climáticas. Mas eu acho que a gente não resolve o problema, porque se o capitalismo para de expandir e de se reproduzir, ele morre. E o capitalismo pode até se flexibilizar, mas ele não vai querer morrer enquanto sistema. Os agentes hegemônicos dominantes certamente não vão permitir. Agora, se a gente quer mudanças mais decisivas, mais duradouras e que possam, de fato, preservar, conservar o nosso planeta de forma mais solidária e includente a longo prazo, aí eu acredito que a gente teria que sair do sistema capitalista e avançar para um outro sistema que fosse muito mais coletivo e solidário e tivesse a humanidade e a conservação, a proteção do planeta em primeiro lugar.
*Esse conteúdo foi produzido com o apoio da Apub Sindicato.
Fonte: BdF Bahia
Edição: Alfredo Portugal