Alvo de uma nova mobilização da extrema direita nas redes sociais e na mídia tradicional nesta semana, o programa "Abrace o Marajó", lançado pela então ministra dos Direitos Humanos do governo de Jair Bolsonaro, Damares Alves, foi alvo de uma série de denúncias de órgãos de controle antes de ser revogado pelo atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva em setembro de 2023.
A suspensão da iniciativa foi usada como arma para críticas ao atual governo depois que uma cantora gospel apresentou, em um programa de calouros, uma música que faz denúncias a problemas sociais e ambientais na ilha paraense. Foi o gatilho para uma mobilização que envolveu parlamentares bolsonaristas, influencers e robôs.
Em relatório apresentado em julho de 2022, ainda com Bolsonaro no poder, a Comissão de Integração Nacional, Desenvolvimento Regional e da Amazônia da Câmara dos Deputados apontou que "as populações diretamente interessadas no programa não foram previamente consultadas, não participaram de sua elaboração e que o programa está à serviço de interesses outros que não os das populações locais".
A Comissão da Câmara, na ocasião, propôs a revogação do programa, destacando que Damares e Bolsonaro entregaram o poder de decisão aos órgãos públicos e garantiram "voz e influência apenas a fazendeiros e empresários".
A denúncia de falta de diálogo foi reforçada pela Rede Eclesial Pan-Amazônica (Repam), que participou de visita técnica junto à comissão da Câmara que elaborou o relatório. "Era um projeto que não beneficiava ninguém que estava no Marajó, mas beneficiava quem vinha se aproveitar das riquezas do Marajó. É um programa que não ajuda o Marajó, então o que a gente quer é uma profunda revisão deste projeto", disse o presidente da Repam, Dom Evaristo Spengler.
Em agosto de 2023, a Agência Pública noticiou que a Controladoria Geral da União (CGU) apontou irregularidades em ações do programa, com possíveis prejuízos aos cofres públicos. Segundo a CGU, as perdas poderiam ser de cerca de R$ 2,5 milhões.
Hoje senadora pelo Republicanos-DF, Damares foi às redes sociais tentar justificar o fracasso do programa, criado, segundo ela, para "unir governos e a sociedade civil para a melhoria do IDH [Índice de Desenvolvimento Humano] da região". Segundo Damares, a pandemia de covid-19 fez com que os recursos previstos para a região fossem transferidos para o combate à doença. "Ficou essa sensação de missão não cumprida. E que só aumentou quando o Lula e o ministro cancelaram o programa", disse.
"O ministro" citado por Damares é Silvio Almeida, atual titular do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania (MDHC). Passou pela pasta a decisão do governo Lula de encerrar o programa após análises de indicadores que mostram o fracasso da iniciativa. Como exemplo, a cobertura vacinal nos municípios da ilha, que caiu de 59,20% em 2019 para 42,20% em 2022; e a taxa de mortalidade infantil, que passou de 7,54 em 2018 para 7,89 em 2022.
Ainda em 2022, no contexto da campanha eleitoral, Damares foi denunciada por espalhar notícias falsas sobre torturas e abusos contra crianças marajoaras. Ela chegou a dizer que crianças tinham os dentes extraídos para não morderem durante a prática de sexo oral. A ex-ministra foi denunciada à Justiça pelo Ministério Público Federal (MPF), que pede indenização de R$ 5 milhões à população da ilha.
Novo programa tem ações concretas
O ministério hoje chefiado por Almeida lançou, ainda em maio de 2023, o programa "Cidadania Marajó", com foco no enfrentamento de situações de abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes e na promoção de direitos humanos e garantia de acesso a políticas públicas.
Em uma das primeiras ações, forças de segurança federais (como Polícia Federal e Polícia Rodoviária Federal) foram acionadas para dar apoio a ações de desarticulação das redes de exploração, abuso e violência sexual na região. A Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, vinculada ao MDHC, iniciou, ainda em 2023, tratativas com o governo paraense para formalizar convênios que garantirão investimentos na criação de dois Centros de Atendimento Integrados de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violências.
"A realidade de exploração sexual na região sabe-se preocupante e histórica, mas não autoriza sua utilização de forma irresponsável e descontextualizada. Isso apenas serve ao estigma das populações e ao agravamento de riscos sociais. As vivências das populações tradicionais do Marajó não podem ser reduzidas à exploração sexual, já que é uma população diversa, potente em termos socioambientais e que necessita sobretudo de políticas públicas estruturantes e eficientes, com a inversão da lógica assistencialista e alienante de sua realidade e modos de vida", destacou o Ministério ao apresentar o programa.
Edição: Matheus Alves de Almeida