Aprovada às pressas na véspera dos recessos do Legislativo e Judiciário, a lei 12.169, de 19 de dezembro de 2023, denunciada por mais de 300 organizações como "Lei da Grilagem", intensifica conflitos e coloca em risco à vida de comunidades tradicionais.
Estado onde reinam a soja, o eucalipto e grandes empreendimentos do agronegócio, o Maranhão está no topo dos índices de violência no campo, conflitos agrários e devastação do Cerrado, combo que pode ser ainda mais alarmante com a aprovação e sanção da lei.
Proposta pelo deputado estadual Eric Costa (PSD) logo antes do Natal, foi rapidamente aprovada pela Assembleia Legislativa e sancionada pelo governador Carlos Brandão (PSB) na última sessão ordinária de 2023, em meio ao recesso Judiciário.
Entre outras medidas, a lei determina que "não serão objeto de regularização fundiária as terras tradicionalmente ocupadas por população quilombola, quebradeiras de coco e demais povos e comunidades tradicionais." Ao mesmo tempo, o texto amplia de 200 para 2,5 mil hectares a área que pode ser regulamentada por aquele que "comprove a morada permanente e cultura efetiva, pelo prazo de 5 anos."
Como explica o assessor jurídico da Comissão Pastoral da Terra (CPT), Rafael Silva, "essa lei, ao atacar e proibir a titulação e a destinação de terras públicas do Maranhão para povos e comunidades tradicionais, expressa um racismo estrutural. Essa exclusão, além de inconstitucional, é racista e evidentemente pode ser denunciada em cortes internacionais de defesa dos direitos humanos", destaca Silva.
Um grupo de trabalho formado por cerca de 300 organizações faz duras críticas à lei e pede a revogação imediata, por diferentes frentes, em razão de sua inconstitucionalidade.
"Ela fere os nossos trabalhadores e as nossas trabalhadoras rurais, as comunidades tradicionais, os quilombolas, as quebradeiras de coco. Precisamos da sensibilidade do tribunal para que o estado do Maranhão não se torne um estado ainda mais violento e que mais desmata o nosso Cerrado e a nossa Amazônia", explica a presidenta da Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras e Agricultores e Agricultoras Familiares do Maranhão (Fetaema).
Em nota publicada na Central Única dos Trabalhadores (CUT), as organizações alertam para algumas consequências da aplicação da lei no estado:
• Estimula uma corrida pela grilagem de terras, inclusive mediante o uso da violência;
• Fomenta e premia práticas de grilagem;
• Proíbe quilombolas, quebradeiras de coco e outras comunidades tradicionais a ter acesso às terras públicas do Maranhão;
• Favorece a especulação imobiliária à custa do patrimônio público e a reconcentração fundiária;
• Privatiza as terras públicas e entrega de graça, mais de 70 bilhões em terras para empresas nacionais e estrangeiras;
• Permite a privatização de minas, cachoeiras, lagoas e os campos da Baixada Maranhense;
• Aumenta a pobreza, as desigualdades, o desmatamento e os conflitos agrários e socioambientais, entre outros pontos extremamente negativos.
Integrante do grupo de trabalho, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) denuncia os riscos de intensificação de um massacre aos trabalhadores do campo no estado.
"A lei de terras vai contribuir com o aumento dessa violência no campo, com o avanço do agronegócio que tem devastado os nossos territórios. Nós lamentamos e, além de lamentar, os movimentos sociais recebem essa lei, essa afronta, com muita luta. A perspectiva que tem se construído é um processo de luta e mobilização, denunciando de diversas formas", denuncia Aldenir Gomes, que compõe a direção nacional do movimento no estado do Maranhão.
Para o MST, é necessário que a sociedade mobilize-se junto aos movimentos e entidades do campo, no sentido de denúncia dos impactos da lei.
"A Assembleia Legislativa precisa responder pelos seus atos, o governo do Maranhão precisa responder pelos seus atos e o conjunto da sociedade precisa se mobilizar e fazer a defesa dos movimentos sociais, dos territórios, e sobretudo ao nosso campo aqui no estado."
O Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB), que há 32 anos atua na defesa dos direitos das mulheres quebradeiras e suas famílias, é mais um dos grupos ameaçados pela lei.
Coordenadora do MIQCB, Maria Alaídes é uma das responsáveis pela aprovação da Lei Babaçu Livre, uma conquista histórica do movimento que prevê a proibição da derrubada de palmeiras, o livre acesso das comunidades agroextrativistas aos babaçuais, proibição do uso de agrotóxicos por pulverização, entre outras medidas de proteção socioambiental. Alaídes fala com angustia sobre a "Lei da Grilagem" no Maranhão e alerta que alteração de acesso de 200 hectares para 2,5 mil hectares beneficia apenas grileiros e grandes produtores.
"Nós nunca tivemos terra. Temos uma luta que nos assegura, em alguns municípios, o acesso livre. Se a lei mudou a quantidade de terra para acesso de 200 hectares, passando para 2,5 mil hectares, distanciou principalmente as quebradeiras e quilombolas, de ter acesso a essas terras. E nós continuamos fazendo a pergunta: onde estão as terras públicas?", aponta Alaídes.
Segundo o movimento, as mulheres estão distribuídas em mais de 180 municípios no estado. Sem segurança, as consequências devem ir desde a intensificação de violências de gênero até o agravamento da fome.
"A gente estima que a concentração fundiária vai se tornar ainda mais grave no estado, pois estabelece critérios que o grande proprietário, o fazendeiro, o grileiro e as quebradeiras de coco vão ter que concorrer em suposta igualdade para ter acesso a essa terra pública, e sequer a informação de onde estão as terras públicas do Maranhão as quebradeiras acessam com facilidade", aponta a assessora jurídica do MIQC, Renata Cordeiro.
Cordeiro lembra que a Constituição Federal indica que as terras públicas devem ser destinadas à reforma agrária, à proteção ambiental e ao reconhecimento e titulação de povos e comunidades tradicionais. Portanto, a lei estaria indo contra a própria Constituição e provocando ainda mais vulnerabilidade às mulheres do campo.
“É uma lei que traz concentração de terras, vulnerabilidade para as mulheres do campo, insegurança alimentar e fome, e por isso as quebradeiras de coco hoje dizem não e vão buscar os meios judiciais e reparar a violação dos seus direitos”.
O governo federal, por meio de nota do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, manifestou preocupação quanto à Lei, que já é alvo de uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF). Caso não ocorra a revogação da lei, o grupo de trabalho alerta que recorrerá a outras instâncias.
Edição: Matheus Alves de Almeida