GRILAGEM

Camponeses realizam tribunal popular para julgamento de crimes de grilagem no Maranhão

Região conhecida como Gleba Campina já registra cinco assassinatos e ameaças constantes

Brasil de Fato | Imperatriz (MA) |

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Há mais de dez anos comunidades vivem clima de tensão e violência na região - Banco de Dados AND

Camponeses da gleba Campina, localizada no município Junco do Maranhão, a 260 quilômetros da capital São Luís, realizaram um Tribunal Popular a fim de julgar crimes de grilagem na região. O tribunal, que aconteceu entre 9 e 10 de março, é uma ação política que tem como objetivo cobrar justiça e atenção aos crimes na região. Cinco pessoas já foram assassinadas no contexto da luta pela terra e há denúncias de uma extensa lista de ameaças e violências.

A região, também chamada de Comunidade Vilela, abriga cerca de 100 famílias, que ocupam uma área de aproximadamente 2.250 hectares de terra, usada como fonte de subsistência. Lá, os camponeses plantam mandioca, macaxeira, feijão, milho e criação de animais há mais de 20 anos.

Jorge Moreno, advogado do Comitê de Solidariedade à Luta pela Terra (Comsolute), organizou o tribunal com o apoio de diferentes organizações, como a União das Comunidades em Luta e o Coletivo Estudantil Filhos do Povo. Ele explica a importância do espaço.

"Esse formato de tribunal já aconteceu em três lugares: aqui no Maranhão, na Bahia e em Santa Catarina e o mais importante é que as pessoas saibam e ajudem, apoiem, colaborem, para que essa comunidade aqui e todas as outras do Maranhão que estão passando por dificuldades, principalmente na grilagem de seus territórios possam ser apoiadas e ter a solidariedade da nossa população".


Imagem destaca benfeitorias de camponeses destruídas a mando de grileiros na Comunidade Vilela. / Comsolute

Conflitos

As famílias apontam que em 2008, anos após o estabelecimento da comunidade, o fazendeiro gaúcho Nestor Osvaldo Finger se apresentou como dono das terras e passou a reivindicar mais de 50 mil hectares. Desde então, os conflitos não cessaram.

O conflito passou a envolver outras comunidades da região, como Boa Vista do Gurupi, Amapá do Maranhão, Carutapera, e Viseu, no estado do Pará, alvos do Tribunal Popular.

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"Nós temos documentos do Incra que provam que esse já era um dos 100 maiores casos de grilagem do Brasil e mesmo assim, dos anos 2000 para cá, alguns grileiros apareceram aqui na região de Junco do Maranhão, Boa Vista do Gurupi, Carutapera e Amapá, se dizendo donos de 52 mil hectares de terras que nunca souberam mostrar onde eram", explica o advogado atuante nos casos, Roniery Machado.


Nos últimos 30 anos aconteceram mais de 140 assassinatos no campo maranhense, com menos de 5% destes solucionados. / Banco de Dados AND

Logo na estrada de acesso ao evento, chamava atenção uma faixa com os dizeres "Fora grileiros das nossas terras! Pela titulação das nossas posses!", em protesto a recorrentes decisões judiciais em favor de grileiros na região.

"Camponês fala a verdade, camponês é o que luta, camponês que vai atrás do de comer para colocar na mesa do rico, então a maior autoridade do país não vê esse lado. Hoje nós sofremos humilhação, sofremos tristeza, com mais de 25 anos que lutamos por essa área da campina e o latifúndio, o fazendeiro, só nos perseguindo e nunca tivemos um respaldo a nosso favor", protesta Antônio Mendes, morador da Comunidade Vilela.  

Entidades de diversas regiões do Brasil acompanham o caso, e algumas delas estiveram presentes na condição de júri popular do Tribunal, a exemplo da Associação Brasileira dos Advogados do Povo (Abrapo).

"Esse povo tem sofrido uma violência muito grande por parte dos grandes proprietários de terra, dos latifundiários que se utilizando do braço armado da pistolagem vem aterrorizando, matando pessoas, intimidando, prendendo, invadindo (...) por isso viemos de todos os cantos do Brasil para dar apoio a essa gente e mostrar que essa luta não é só deles, mas é de todos aqueles que lutam pelos direitos do povo e venceremos", declara Marino D'Icarahy, advogado popular da Abrapo.


Arsenal de grileiro é apreendido às vésperas do tribunal, em sede de latifúndio do Junco do Maranhão. / Comsolute

Às vésperas do tribunal, operações da polícia na região apreenderam nove armas, coletes e munições dentro de uma fazenda. Quatro pessoas foram presas e apontadas como jagunços de fazendeiros que ameaçam as famílias.

Sobre o acirramento da violência, o Ministério Público informa que as lideranças estão em serviços de proteção e aponta um conservadorismo nas forças de segurança em benefício das propriedades de empresários.

"As forças públicas não entendem ainda que as pessoas que estão nas comunidades são frágeis, vulneráveis e precisam de proteção. Em geral a polícia se propõe a proteger o patrimônio do empresário e não se toca que pessoas estão lá há muito mais anos, tem muito mais direito à terra do que alguém que adquiriu a terra sabe-se lá Deus como", explica o Promotor da Vara de Conflitos Agrários, Haroldo Paiva.

Entre as investigações do Ministério Público Estadual estão esbulho possessório – que é ação de tomar posse de um bem de forma ilegal –, alteração de limites, exercício arbitrário das próprias razões, fraude processual e órgão conseguiu o bloqueio das matrículas de terras.


Camponês dá seu relato à mesa de julgadores, durante realização do Tribunal Popular / Comsolute

O Ministério Público Estadual garantiu o bloqueio das matrículas de terras enquanto são investigadas as possíveis fraudes.

"Há uma ação processual na Justiça, a comunidade era autora dessa ação e perdeu e isso está em grau de recurso. Nós acabamos de recorrer no tribunal, para ver se conseguimos fazer a devida instrução, onde acreditamos que a gente comprove a efetiva posse dessas pessoas", pontua Haroldo.

Grilagem de terras

No final de 2023, o governador Carlos Brandão sancionou a lei 12.169, conhecida popularmente como 'Lei da Grilagem', pelo fato de limitar o direito à terra de comunidades tradicionais e favorecer ações de grilagem.

"A questão fulcral aqui no Maranhão é a desgovernança das terras. O governo não sabe onde estão suas terras, com quem estão, como é que adquiriam essas terras. As pessoas ao longo de todos esses anos, desde lá atrás até agora, vêm tomando conta de terras públicas sem obedecer às normas legais", complementa o promotor Haroldo. 

A defensoria pública, por meio do defensor Jean Nunes também atua no caso e informa que foi ajuizada ação em favor das famílias, em nome dos Federação dos Trabalhadores Rurais do Maranhão, a Fetaema.


Comunidade apresenta uma das ameaças que constantemente são encontradas na região. / Comsolute

Em nota, a Defensoria Pública do Maranhão diz que "reitera seu compromisso com a tutela de direitos de povos e comunidades tradicionais, existentes no Maranhão, e que estão imersos em conflitos agrários graves, adotando todas as providências jurídicas que assegurem a posse e a segurança dos integrantes dessas comunidades sobre as terras que tradicionalmente ocupam, em clara expressão de seu dever constitucional".

Questionado sobre as denúncias de subserviência do órgão a grileiros, sobre possíveis vícios documentais e que medidas estão sendo adotadas, o Incra se limitou a informar que "ressalta o compromisso em buscar soluções, pautadas no constante dialogo com os movimentos sociais e das demandas relacionadas com a questão da Reforma Agrária".

Solicitamos esclarecimentos do Tribunal de Justiça do Maranhão e à família do fazendeiro Nestor Osvaldo Finger, mas não recebemos retorno até o fechamento desta reportagem.

As informações colhidas durante o Tribunal Popular serão transformadas em um relatório a ser encaminhado às autoridades competentes, cobrando justiça e segurança às famílias.   

Edição: Thalita Pires