A coordenadora nacional do "Invasão Zero", grupo de fazendeiros suspeito de atuar como milícia rural na Bahia, acumula R$ 25,9 milhões em dívidas com a União. O cargo é exercido por Renilda Maria Vitória de Souza, conhecida como Dida Souza, proprietária de terras no estado, que prega nas redes sociais a "união de todos para combater o MST".
Alimentado pelo bolsonarismo, o grupo presidido por Dida Souza é investigado por envolvimento na morte de Maria de Fátima Muniz, a Nega Pataxó. Segundo sobreviventes, o ataque teve a participação de integrantes do "Invasão Zero" e colaboração de policiais militares. A perícia comprovou que o tiro fatal partiu do filho de um fazendeiro.
Souza deve R$ 12,685 milhões em seu CPF e outros R$ 13,230 milhões em duas empresas das quais ela é sócia. Os débitos constam da lista de devedores da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), que mostra dívidas ativas e em situação irregular com a Fazenda ou com o FGTS.
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Frequente nas colunas sociais de Salvador (BA), Souza se apresenta como empresária, é advogada e servidora ativa do Tribunal de Contas da Bahia (TCE-BA), com salário líquido de R$ 18 mil. A advogada faz a articulação do "Invasão Zero" com deputados em Brasília, o que resultou na criação de uma frente parlamentar com o mesmo nome do movimento.
Dida Souza é filha do político, agropecuarista e empresário Osvaldo Souza, que morreu em 2012. Conhecido como grande fazendeiro no estado, Souza foi deputado constituinte, com passagens pelos antigos partidos União Democrática Nacional (UDN), Aliança Renovadora Nacional (ARENA) e Partido da Frente Liberal (PFL).
A coordenadora do "Invasão Zero" é sócia com a mãe e irmãos da empresa Osvaldo Souza Empreendimentos Patrimoniais. A companhia informou à Receita Federal ter como principais atividades a pecuária de corte e a gestão de propriedade imobiliária.
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O estatuto do "Invasão Zero", que traz Souza como presidente, diz que os recursos financeiros da grupo são provenientes de rendas ou rendimentos de seus bens e serviços, mensalidades pagas pelos associados e acordos com empresas e agências nacionais e internacionais.
Procurado pelo Brasil de Fato, o "Invasão Zero" disse que "causa estranhamento" o interesse pela vida pessoal da líder ruralista, que "nada têm a ver com a questão agrária". Afirmou também que não responde pela vida pessoal e profissional dos seus membros. A reportagem procurou a secretária de Dida Souza, mas não houve resposta. Caso haja, o texto será atualizado.
"União de todos para combater o MST"
Em abril de 2023, Dida Souza se reuniu com subsecretário de Segurança Pública, Marcel Oliveira, órgão que comanda a Polícia Militar, acusada por indígenas participar da morte de Nega Pataxó. Nas redes sociais, ela disse ter pedido mais "segurança no campo". Depois do encontro, ela declarou no Instagram: "Com a União de todos, nós vamos combater esta sigla chamada MST".
Em outra postagem, Dida Souza explicou como age o "Invasão Zero": "Nós criamos o núcleo maior e depois o dividimos por cidades. Aí tem oito cidades num núcleo, mais seis cidades em outro. Todo mundo fica ligado um no outro. Se ocorre uma invasão na sua terras, imediatamente você coloca [a informação] dentro do grupo que você participa. Manda sua localização, diz o que está acontecendo, quem está indo, quantos são. E todo mundo dos núcleos ao redor se une e vai tirar o invasor".
Liderado por Dida Souza e apoiado por políticos bolsonaristas, o "Invasão Zero" entrou no radar das autoridades em 20 de janeiro deste ano, quando Nega Pataxó foi assassinada e seu irmão, cacique Nailton Muniz Pataxó, foi baleado em Potiraguá (BA). O grupo, havia sido criado no início de 2023, com o objetivo de barrar ocupações do MST.
Conforme depoimentos de pelo menos sete indígenas obtidos pelo Brasil de Fato, a PM, junto com ruralistas armados e em uma ação planejada, tentaram desfazer à força uma ocupação de terras pelos indígenas Pataxó Hã-Hã-Hãe no município.
Um dos fundadores do "Invasão Zero", Luiz Uaquim, admitiu à reportagem que integrantes do grupo estavam no local no momento do assassinato da líder indígena, mas afirmou que os dois presos pela morte de Nega Pataxó não pertencem ao "Invasão Zero" e negou qualquer ação ilegal.
Empresária conquistou apoio de bolsonaristas e bancada ruralista
De família rica e influente na política baiana, Souza ganhou projeção na política após se tornar porta-voz do grupo ruralista. Coordenado pela fazendeira, o "Invasão Zero" ganhou apoio formal de Jair Bolsonaro (PL), Luciano Zucco (Republicanos-RS) e Ricardo Salles (PL-SP).
O grupo inspirou ainda uma Frente Parlamentar de mesmo nome no Congresso, na esteira da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do MST, que tentou criminalizar o movimento, mas terminou sem relatório final. Desde então, o "Invasão Zero" se espalhou por nove estados, com a promessa de impedir ocupações.
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Conforme já reportou o Brasil de Fato, o "Invasão Zero" possui CNPJ, estatuto e uma cartilha para orientar a "proteção de propriedades". O grupo conta ainda com assessoria de imprensa formada por experientes jornalistas com passagens por grandes veículos de comunicação em Brasília (BA).
Outro lado
O Ministério Público Federal (MPF), a Defensoria Pública da União (DPU) e a Defensoria Pública do Estado (DPE) da Bahia declararam que o assassinato de indígenas no sul da Bahia tem ligação com uma milícia formada por policiais militares que atua no estado.
Ao Brasil de Fato, Luiz Uaquim alegou que o "Invasão Zero" é um movimento "pacífico e ordeiro". Afirmou que a acusação de formação de milícia rural é uma "narrativa" e que os conflitos são iniciados pelos próprios indígenas, embora não haja registros conhecidos de mortes recentes de fazendeiros em confrontos no sul da Bahia.
A SSP-BA disse ao Brasil de Fato que determinou à Polícia Civil prioridade na investigação da ocorrência na região Sudoeste da Bahia. Lembrou ainda "que dois homens foram presos em flagrante e autuados por homicídio e tentativa de homicídio. Armas e munições foram apreendidas". O governador da Bahia, Jerônimo Rodrigues (PT), prometeu apuração rigorosa e imediata do ataque aos Pataxó Hã-Hã-Hãe.
Edição: Rodrigo Durão Coelho