Após quase duas semanas de intensas negociações em Havana, capital de Cuba, o governo colombiano do presidente Gustavo Petro e o grupo guerrilheiro Exército de Libertação Nacional (ELN) anunciaram que estenderão o atual cessar-fogo bilateral, nacional e temporário até o mês de agosto. Ao longo de uma jornada cheia de suspense, o anúncio foi feito na madrugada desta terça-feira (6), minutos antes do prazo final do atual acordo.
A prorrogação foi celebrada pelo representante especial do secretário-geral da ONU na Colômbia, Carlos Ruiz Massieu, que descreveu a declaração como um "sinal da maturidade do processo e do compromisso das partes com a construção da paz".
"Esse ciclo consolida o processo de diálogo entre o governo e o ELN. As partes deram passos importantes no caminho para a paz e para o benefício das comunidades. A ONU continuará a acompanhar o processo. Agradeço a Cuba por sua generosidade e compromisso com a paz na Colômbia", escreveu na rede social X (antigo Twitter).
A notícia chega em um momento particularmente difícil para o governo de Gustavo Petro. O governo denuncia um plano de golpe de Estado contra ele orquestrado por setores do judiciário que seriam contra as negociações de paz. Nesse contexto, o acordo de cessar-fogo com o ENL representa um importante triunfo político para o governo em sua busca pela "paz total".
Entre o documento de sete pontos assinado por ambas as partes, destaca-se o compromisso do ELN de "suspender unilateral e temporariamente as retenções econômicas", ou seja, a prática de sequestros que a organização realiza para se financiar. O grupo acrescenta também que "o progresso desse compromisso está vinculado ao progresso dos acordos como um todo e à resolução dos fatores críticos que os afetam".
Durante a cerimônia de encerramento do sexto ciclo de diálogos de paz, a chefe da delegação do Executivo colombiano, Vera Grabe, descreveu o compromisso do ELN de suspender os sequestros como "histórico". Também destacou a importância dos esforços conjuntos para alcançar a paz, indicando que as partes devem "garantir que o cessar-fogo signifique cada vez mais uma maior proteção dos territórios".
Negociações tensas
Embora ambos os lados já tivessem expressado sua vontade de manter o cessar-fogo durante a quinta rodada de negociações no México, as condições e os detalhes de como realizá-lo geraram tensões entre os dois lados. Até o último momento, não estava garantido que se chegaria a um acordo que daria continuidade ao fim das hostilidades.
Nas negociações, o ELN "exigiu garantias" de que o cessar-fogo cumpriria a função de melhorar as condições de vida e os direitos humanos da população civil nas áreas afetadas pelo conflito. Por sua vez, o governo colombiano exigia uma extensão do conjunto de ações incluídas no cessar-fogo.
A suspensão dos sequestros foi um dos principais pontos de conflito durante essa rodada de negociações. No final de outubro do ano passado, o grupo insurgente sequestrou o pai de Luis Díaz, astro do futebol colombiano e jogador do clube inglês Liverpool. O fato gerou uma onda de indignação na opinião pública colombiana, causando uma das maiores crises nas negociações de paz entre o governo e o ELN.
Embora o pai do jogador de futebol tenha sido libertado após 12 dias de cativeiro, o governo de Petro permaneceu firme ao exigir o fim desse tipo de atividade como também a libertação de todos os reféns. Enquanto isso, para o ELN, esse tipo de prática faz parte das atividades de financiamento que sustentam sua estrutura. Em dezembro passado, o grupo insurgente já havia expressado sua intenção de suspender as "retenções econômicas", desde que se chegasse a um acordo que permitisse ao grupo garantir o seu sustento.
As dificuldades de ambos os lados em chegar a um acordo sobre essa questão fizeram com que essa rodada de negociações estivesse repleta de tensões. "Resolvemos os fatores da crise e, por isso, decidimos por uma nova prorrogação. Essa mesa está funcionando há um ano e meio, os últimos seis meses sob cessar-fogo, e é assim que será nos próximos seis meses", informou o porta-voz da delegação do ELN, Pablo Beltrán.
Para chegar a esse acordo, será criado um "fundo de vários doadores para o processo de paz com o ELN". Segundo Beltrán, o fundo terá como objetivo tornar sustentável a implementação dos acordos de paz nos territórios. Ele garantirá a cessação progressiva das atividades ilegais, bem como a proteção da sociedade civil. "Não só os países garantidores estarão presentes, mas também os países acompanhantes, as Nações Unidas, e está aberto a outros doadores para ajudar", acrescentou o porta-voz da delegação do ELN.
A ideia de criar um fundo de vários doadores para o processo de paz já havia sido apresentada por Gustavo Petro em junho de 2023. Trata-se de um passo concreto para garantir que os diálogos de paz possam ser traduzidos em ações concretas nos territórios. No entanto, para parte da oposição midiática ao governo de Petro, essa é uma concessão inaceitável.
Beltrán advertiu que "infelizmente, em governos anteriores, esses fundos de paz também foram objeto de altos níveis de corrupção", exigindo a necessidade de assumir a responsabilidade "com total transparência na gestão dos doadores desse fundo".
O Exército de Libertação Nacional (ELN) é atualmente uma das forças guerrilheiras mais antigas do continente. Nasceu há 60 anos, em 1964, sob a inspiração da Revolução Cubana e da teologia da libertação. Embora o ELN tenha, em várias ocasiões, declarado unilateralmente trégua em suas atividades beligerantes, até hoje nunca tinha sido alcançado um acordo de paz bilateral duradouro. Essa é a primeira vez que um diálogo de paz e um cessar-fogo bilateral se estendem por um período tão longo.
Nesse sentido, durante a cerimônia de encerramento do Sexto Ciclo de Diálogos de Paz, Pablo Beltrán disse que "o governo e o ELN têm um mandato comum, para serem instrumentos desse mandato de mudança". Também enfatizou a vontade conjunta de "construir uma visão comum de paz" na qual ninguém seja excluído.
Edição: Lucas Estanislau