Mesmo sem um calendário definido, o ano eleitoral da Venezuela viveu seu primeiro grande momento no dia 23 de janeiro, quando chavistas e opositores organizaram dois atos de rua e já colocaram o país no clima da campanha presidencial.
A data marcou os 66 anos do fim da ditadura de Marcos Pérez Jiménez, efeméride que é reivindicada por ambas as forças políticas que realizaram atos. Os chavistas ocuparam as ruas em maior número para defender a candidatura de Nicolás Maduro. Já a oposição tem como o nome mais forte María Corina Machado, do Vente Venezuela. A ultraliberal, no entanto, teve sua inabilitação confirmada em 26 de janeiro pela justiça venezuelana por 15 anos e não poderá concorrer às eleições.
Para o sociólogo e professor da Universidade Central da Venezuela (UCV) Atílio Romero, um dos pontos problemáticos da manifestação da oposição é a escolha do local. “Há setores da oposição que dizem que se você quer uma saída democrática política, você não pode usar um espaço de um golpe militar frustrado como a praça Altamira, e María Corina esteve lá. O discurso que ela assume é que ela será candidata de qualquer maneira”, disse ao Brasil de Fato.
O 23 de janeiro também ficou marcado pela tentativa de golpe de Estado de Juan Guaidó, em 2019. Ele se autoproclamou presidente, foi reconhecido pelos Estados Unidos, então governado pelo republicano Donald Trump e, na praça Altamira, convocou militares para apoiar o seu governo.
Romero ainda afirma que a oposição chega dividida ao processo eleitoral e a falta de uma unidade não se dá só em torno do candidato que representará esse bloco, mas também em relação a uma falta de estratégia bem definida. “Uma parte da direita está apostando em um modelo que diz que o governo Maduro já está no fim e adota uma estratégia de confrontação direta. O outro lado tem uma estratégia de acumulação de forças”, disse.
::O que está acontecendo na Venezuela?::
O sociólogo também destaca que a divisão da oposição deve favorecer o governo no pleito de 2024. "Qual é o cenário que supostamente buscaria o governo? Um é a fragmentação da oposição e o outro é de uma oposição que se radicaliza e chama a atenção. A economia, apesar de ter alta inflação, está se estabilizando. O certo é que o governo vai cumprir 25 anos no poder", disse.
Estratégias: ruas, Justiça e urnas
Para a reitora da Universidade Nacional Experimental Simón Rodriguez, Alejandrina Reyes, a organização de atos será fundamental para o governo e para revolução bolivariana. Segundo ela, a estratégia de mobilização permanente partiu de uma visão do ex-presidente Hugo Chávez. “Essa mobilização permanente mantém o domínio do território e a ocupação das ruas é vital para este processo implementado pelo governo”, afirmou ao Brasil de Fato.
Essa também é a opinião do dirigente da juventude do PSUV, o Partido Socialista Unido da Venezuela, Jonathan Velasquez. Ao Brasil de Fato, ele disse que o governo tem como objetivo manter a militância mobilizada para uma participação massiva da população no pleito de 2024. “Creio que estão muito claras as ferramentas que teremos e as demandas que nossa população tem. Em função disso é que trabalhamos. Primeiro escutar as nossas bases e em função de nossas bases, que é o nosso povo em geral, trabalhar em função disso, mas sem descuidar dos aspectos territoriais, educativos, sociais e políticos”, afirmou.
A oposição, por sua vez, apesar de se mobilizar, enfrenta problemas judiciais. A ex-deputada María Corina Machado, o principal nome para ser candidata da direita no pleito, foi sancionada pela Controladoria-Geral da República (CGR) com uma inabilitação para assumir cargos públicos por conta de inconsistências em sua prestação de contas enquanto foi deputada na Assembleia Nacional (2011- 2014).
A CGR confirmou em junho de 2023 que Machado está inabilitada por 15 anos. Ainda assim, a ultraliberal concorreu às primárias da oposição em outubro e venceu a disputa, se postulando ao pleito. A Sala Eleitoral do TSJ confirmou a decisão anterior e suspendeu “todos os efeitos” das primárias.
A opositora contesta o processo. Em dezembro de 2023, María Corina recorreu da decisão, mas o TSJ divulgou nesta segunda-feira a sentença, confirmando a inabilitação da ultraliberal. Em resposta, ela disse que vai concorrer às eleições independente do TSJ e chamou o julgamento de “delinquência judicial”. Corina recebeu apoio do Paraguai, Argentina, Uruguai, Equador e dos EUA, que anunciaram a retomada das sanções depois da decisão do TSJ.
Mediação externa
O governo e a oposição assinaram em outubro de 2023 um acordo em Barbados para definir um cronograma e questões técnicas para as eleições de 2024. A reunião entre as duas partes definiu que o pleito será realizado no segundo semestre, mas ainda não há uma data definida. O acordo também estabeleceu que União Europeia, ONU (Organização das Nações Unidas) e o Centro Carter enviarão missões de observação para acompanhar a votação.
Após o acordo, os EUA anunciaram o maior pacote de alívio no bloqueio desde o início da aplicação das sanções à Venezuela. Entre as medidas, o país sul-americano voltou a negociar petróleo, gás e ouro, além de títulos nacionais no mercado de ações. A companhia aérea estatal venezuelana Conviasa também poderá voar aos EUA em missões de repatriação.
No entanto, além de retomar as sanções, a Casa Branca ameaçou não renovar os alívios ao setor de petróleo e gás a partir de abril caso o governo “não cumpra o cobinado”. O governo afirma que está respeitando o acordo e que as eleições devem ocorrer normalmente.
Edição: Lucas Estanislau