Conflitos

Irã ataca base de grupo rival no Paquistão e eleva tensão com o país vizinho

Governo paquistanês convocou embaixador em Teerã em desagravo; China pediu que países evitem escalada

Brasil de Fato | Botucatu (SP) |
Ataque com mísseis e drones ocorreu nesta terça-feira (16) no sudoeste do Paquistão - HANDOUT / IRANIAN ARMY OFFICE / AFP

Depois de atacar alvos no Iraque e na Síria no início da semana, o Irã realizou uma ofensiva militar em território paquistanês que elevou a tensão entre os dois países e deu mais combustível para quem acredita que a guerra promovida por Israel na Faixa de Gaza pode estar se transformando num conflito mais amplo no Oriente Médio.

A ofensiva, com mísseis e drones, foi realizada na terça-feira (16) na província do Baluchistão, situada no sudoeste do Paquistão, país que possui armas nucleares. O governo paquistanês acusou o Irã e afirmou que duas crianças foram mortas e outras três teriam ficado feridas.

O país convocou seu embaixador em Teerã e impediu o embaixador iraniano de deixar Islamabad. No meio diplomático, o ato de convocar o embaixador é grave e representa forte desagravo de um país para outro.

O Paquistão também classificou o ataque como "ilegal" e disse que a ação pode provocar "consequências sérias".

Já o Irã confirmou a autoria do ataque, mas alegou que seu único alvo era o grupo militante Jaish al-Adli (Exército da Justiça, em tradução literal) — organização separatista considerada "terrorista" por Teerã — e garantiu que a ofensiva não mirou nenhum cidadão paquistanês.

"Alvejamos apenas terroristas iranianos em solo paquistanês", disse nesta quarta (17) o ministro das Relações Exteriores do Irã, Amir-Abdollahian, no Fórum Econômico Mundial, em Davos. Ele acrescentou que conversou com seu homólogo paquistanês e "assegurou a ele que respeitamos a soberania e a integridade territorial do Paquistão e do Iraque".

Teerã ainda afirmou que não deseja se envolver em um conflito mais amplo, mas grupos que apoiam a causa palestina e se posicionam como resistência ao apartheid promovido por Israel, como o Houthi no Iêmen, o Hezbollah no Líbano e outros na Síria e no Iraque, têm realizado ataques contra Israel e seus aliados, inclusive contra navios na rota marítima do Mar Vermelho, o que tem causado impactos comerciais e reações militares dos Estados Unidos e do Reino Unido.

A China pediu que o Paquistão e o Irã "evitem ações que levem a uma escalada de tensão". O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Mao Ning, acrescentou que Pequim vê os países como "vizinhos próximos".

Histórico recente e tensão bilateral

Duas semanas atrás, o Irã sofreu um dos piores ataques domésticos desde a Revolução Islâmica, quando duas bombas mataram 84 pessoas em uma cerimônia em Kerman para homenagear o general da Guarda Revolucionária Qasim Soleimani, assassinado pelos Estados Unidos.

Na segunda-feira (15), o Irã lançou mísseis balísticos contra a Síria e o norte do Iraque, região controlada pelos curdos. Disse que os alvos eram o Estado Islâmico e a agência de espionagem israelense Mossad, que estariam envolvidas nos bombardeios em Kerman. No Iraque, um prédio foi atingido, quatro civis foram mortos e seis ficaram feridos, segundo autoridades locais.

Embora a retórica do Paquistão aponte para uma crise provocada pelos ataques iranianos, os dois países têm um longo histórico de tensões ao longo de sua fronteira de 900 quilômetros. Desde 2010, é possível contar mais de uma dúzia de situações tensas. Em dezembro do ano passado, a Jaish al-Adl (Exército da Justiça), considerada pelo Irã como um grupo "terrorista", reivindicou a responsabilidade por um ataque a uma delegacia de polícia na cidade iraniana de Rask, localizada numa província fronteiriça, que matou 11 agentes de segurança iranianos.

Já em junho do ano passado, a Inter-Services Public Relations (ISPR), veículo de comunicação militar do Paquistão, divulgou um comunicado dizendo que "terroristas" armados haviam matado dois soldados paquistaneses em um posto de controle no distrito de Kech. O Paquistão entrou em contato com as autoridades iranianas para evitar tentativas de fuga de combatentes para o Irã.

No mês de janeiro, há um ano, Shahbaz Sharif, então primeiro-ministro do Paquistão, condenou o assassinato de quatro oficiais de segurança na fronteira com o Irã no distrito de Baluchistão. O governo paquistanês instou o Irã a investigar o assunto e responsabilizar os culpados. A embaixada iraniana em Islamabad condenou o ataque.

Edição: Lucas Estanislau