O ministro da Defesa russo, Serguei Shoigu, em vídeo oficial divulgado pelo Kremlin, informou ao presidente russo, Vladimir Putin, na última segunda-feira (25) que o exército russo assumiu completamente o controle da cidade de Marinka, na região de Donetsk, no leste da Ucrânia.
“Durante operações ofensivas ativas, as tropas de assalto do agrupamento Yuzhnaya libertaram hoje completamente a vila de Marinka, a sudoeste de Donetsk”, disse Shoigu.
As Forças Armadas da Ucrânia negam a versão que Moscou tenha tomado o controle da região, alegando que “a cidade foi completamente destruída”, mas que “é incorreto falar sobre a captura completa de Marinka”.
Significativo ou não, em termos militares, o anúncio tem um efeito simbólico e político de buscar coroar um ano em que a guerra da Ucrânia ganhou menos destaque na arena internacional e colocou em xeque todas as apostas do Ocidente em uma possível vitória da Ucrânia contra a Rússia. O momento favorável da Rússia ao término de 2023 é efeito de causas tanto militares, como políticas.
Por um lado, a tão aguardada contraofensiva ucraniana não resultou em êxitos significativos e hoje já é consensual dizer que ela fracassou. Em entrevista ao Brasil de Fato, o professor de Ciência Política da UFRGS, Fabiano Mielniczuk, havia observado ainda no fim de junho que “os russos foram muito felizes em criar fortificações na fronteira com os ucranianos” planejando essas fortificações durante seis meses, minando “os campos pelos quais os ucranianos deveriam passar para poder avançar e retomar territórios”.
Confirmando a análise, a ex-vice-ministra da Defesa da Ucrânia, Anna Malyar, disse no final de novembro que as forças armadas do país passaram de ofensivas para defensivas. Segundo ela, as tropas russas usaram “táticas de desgaste, estendendo-se por toda a linha de frente”.
Já o comandante das Forças Armadas da Ucrânia, general Valery Zaluzhny, disse em entrevista à revista The Economist que o curso da contraofensiva “minou as esperanças ocidentais de que a Ucrânia pudesse utilizá-la para demonstrar que a guerra é invencível, forçando o presidente da Rússia, Vladimir Putin, a negociar”. De acordo com Zaluzhny, “após cinco meses de contraofensiva, a Ucrânia conseguiu avançar apenas 17 quilômetros”.
O cientista político e editor-chefe do site Centro de Previsões Geopolíticas, Ivan Andrianov, aponta que a reorientação do fornecimento de uma parte significativa de armas dos Estados Unidos e de outros países da Otan, a aliança militar do Ocidente, está reduzindo a capacidade de combate das Forças Armadas da Ucrânia. Segundo ele, isto "já se faz sentir na linha da frente".
Ao mesmo tempo, ao Brasil de Fato, o analista destaca que, apesar de estarem na defensiva, as Forças Armadas Ucranianas ainda estão prontas para o combate. Segundo ele, o orçamento de defesa dos EUA para 2024, que inclui US$ 800 milhões (R$ 3 bi) para apoiar a Ucrânia, apesar de estar aquém das expectativas de Zelensky, é "suficiente para manter a fase aguda do conflito".
"Isto significa que será difícil para o exército russo avançar. Difícil, mas não impossível. Agora que o exército russo já se adaptou à nova realidade, o agrupamento de tropas na zona de conflito foi significativamente aumentado e os reservistas estão sendo ativamente treinados, o complexo militar-industrial está gradualmente atingindo as capacidades de produção necessárias", completa.
Zelensky perde holofote para Oriente Médio
Ao mesmo tempo, a conjuntura internacional favoreceu os interesses da Rússia. Quando estourou o conflito no Oriente Médio, com o ataque do Hamas à Israel e o consequente massacre israelense em Gaza, a guerra da Ucrânia ficou em segundo plano no cenário internacional. Isto teve efeitos tanto na atenção midiática - um dos grandes trunfos de Zelensky desde o início da guerra - quanto de financiamento.
Em meados de dezembro, o presidente dos EUA, Joe Biden, aprovou uma pacote de ajuda militar à Ucrânia no valor de US$ 200 milhões (quase R$ 1 bi). O montante anunciado, no entanto, é muito inferior à expectativa do presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, que contava com uma aprovação de US$ 60 bilhões (quase R$ 300 bi).
Em entrevista ao Brasil de Fato, o analista do Conselho Russo de Relações Internacionais, Nikita Smagin, destacou que, com a guerra no Oriente Médio, a Ucrânia desapareceu das principais manchetes da imprensa internacional, que naturalmente foram tomadas por Israel e Palestina.
"Os EUA, que fornecem a principal ajuda militar à Ucrânia, não escondem que, além da Ucrânia, agora eles vão ajudar Israel. Nesse sentido acontece que os EUA são obrigados a distribuir sua ajuda militar, dividir em duas direções, e é claro que, nesse sentido, a Rússia acredita que suas esperanças anteriores de que o Ocidente pode cansar da ajuda permanente à Ucrânia agora estejam confirmadas", argumenta.
O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, por sua vez, declarou em 12 de dezembro que o apoio ocidental a Kiev não pode mudar o curso da "operação militar especial" (nome oficial usado pelas autoridades russas para se referir à guerra na Ucrânia).
Diante do apoio irrestrito dos EUA – e da Ucrânia - a Israel e, por outro lado, da onda de protestos pelo mundo denunciando o massacre em Gaza, a Rússia se posicionou estrategicamente mais favorável à Palestina, antagonizando o Ocidente.
Com isso, Nikita Smagin argumenta que a situação em torno da Palestina não necessariamente reforça o papel da Rússia no mundo, mas aponta "que a situação em torno da Palestina convence o governo russo, as elites russas, que o seu vetor de política externa em geral está correto".
De acordo com o analista, há uma espécie de "aposta" da política externa russa de que "no mundo vão continuar ocorrendo crises, e que a situação da Ucrânia não será o único incômodo para o Ocidente".
"Com o Ocidente desviando sua atenção para outros problemas, e não conseguindo se concentrar apenas na Ucrânia, o modelo internacional centrado no Ocidente se encontra em crise. A crença em tudo isso, sem dúvida, está se fortalecendo no contexto da situação na Palestina. Então o agravamento da situação na Palestina com certeza é favorável para a Rússia, apesar da Rússia obviamente não ter se posicionado a favor desse agravamento", completa.
Edição: Rodrigo Durão Coelho