Após negociações mediadas pelo Brasil em 15 de dezembro, Venezuela e Guiana chegaram a um acordo de não ameaçar ou utilizar a força para resolver a disputa territorial pela região de Essequibo. Apesar do aceno diplomático para resolver a disputa por meio do diálogo, a tensão na região expôs interesses geopolíticos mais abrangentes sobre o continente, despertando um posicionamento da política externa da Rússia. O país tem relações historicamente próximas com a Venezuela, sobretudo na contenção dos interesses dos EUA no continente.
Os contatos ativos nas últimas semanas dão o tom da proximidade estratégica entre Moscou e Caracas. No ápice da tensão entre Venezuela e Guiana, em meio à realização do referendo para a incorporação de Essequibo e ao anúncio de manobras militares dos EUA com a Guiana, foi anunciada uma visita de Nicolás Maduro a Moscou em dezembro. Segundo apuração do g1, a informação chegou a gerar "contrariedade" no Palácio do Planalto, que manifestou o receio do continente ser mais um palco de disputa entre Rússia e EUA. Posteriormente a visita foi adiada, mas se mantém na agenda do Kremlin para 2024.
Além disso, na última quinta-feira (21), o presidente russo, Vladimir Putin, conversou por telefone com o líder venezuelano, Nicolás Maduro, e defendeu uma resolução para a disputa territorial através de meios políticos e diplomáticos. De acordo com o comunicado do Kremlin, durante a conversa sobre a agenda internacional, também "foram enfatizadas a uniformidade de abordagens para a formação de uma ordem mundial multipolar justa, a rejeição de sanções ilegais e a interferência nos assuntos internos dos Estados".
A menção à rejeição de sanções e interferência externa não é mera retórica. A aliança estratégica entre Caracas e Moscou também é explicada pelo contexto da guerra da Ucrânia. A Venezuela sempre condenou com veemência o fornecimento de armas à Ucrânia no contexto da guerra e rejeitou as sanções do Ocidente contra Moscou. No último dia 12, por exemplo, o presidente Nicolás Maduro chamou a Ucrânia de "fantoche" dos EUA.
O bom momento das relações entre Venezuela e Rússia foi explicitado pelo chanceler venezuelano em recente visita a Moscou, onde se reuniu com o ministro das Relações Exteriores russo, Serguei Lavrov.
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"As relações entre a Federação Russa e a Venezuela atravessam atualmente o seu melhor período e com resultados muito bons […] Compartilhamos os mesmos princípios no âmbito das Nações Unidas e de outras esferas multilaterais, onde estamos de pleno acordo em todas as posições", afirmou.
A parceria entre Rússia e Venezuela não é só diplomática, mas também se desenvolve de maneira consistente desde 2001, quando foi assinado um acordo intergovernamental durante a visita de Hugo Chávez a Moscou. A relação se aprofundou a partir de 2006, no contexto da deterioração das relações entre Caracas e Washington, colocando a Rússia como o principal fornecedor de armas para a Venezuela.
Posteriormente a China também entrou no páreo. De acordo com um estudo do Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo, desde 2010 a China e a Rússia enviaram cerca de R$ 5 bilhões em armamentos para a Venezuela.
Posição russa sobre Essequibo é ambígua
Por outro lado, a posição de Moscou em relação à disputa territorial de Essequibo revela uma ambiguidade. Apesar da estreita parceria com Venezuela criar um cenário de disputa de influência na região, considerando a influência que os EUA sobre a Guiana, a Rússia também possui boas relações com o país, inclusive com forte presença econômica na região.
Por isso, o professor de Relações Internacionais da Universidade de São Petersburgo, Victor Jeifets, em entrevista ao Brasil de Fato, afirma que a Rússia "não gostaria de se colocar em uma posição exclusivamente pró-Venezuela ou pró-Guiana".
"Em primeiro lugar, a Rússia tem com a Venezuela uma concepção de política externa que determina a Venezuela como Estado parceiro e aliado na América Latina. Mas ao mesmo tempo a Rússia tem ótimas relações com a Guiana. Inclusive na Guiana o governo é de um partido político de esquerda, o Partido Popular Progressista, que nos anos da URSS fez parte do movimento comunista internacional, seus líderes iam a encontros internacionais dos partidos trabalhadores comunistas, iam à URSS várias vezes. Esse partido de esquerda tem ótimas relações com a atual Rússia. Na Guiana também há uma presença muito ativa do empresariado russo", explica o analista.
De acordo com Jeifets, que é especialista em relações da Rússia com a América Latia, nessa situação é muito difícil para Moscou. "A Rússia não pode se permitir estragar as relações com uma das partes e se colocar definitivamente a favor de outra, isso pode significar a deterioração das relações com a outra parte", argumenta.
No último dia 18 de dezembro, a representante oficial do Ministério das Relações Exteriores da Rússia, Maria Zakharova, saudou o diálogo mediado pelo Brasil entre os líderes da Venezuela e da Guiana, que chegaram a um acordo de não usar a força para resolver o conflito em torno do território disputado. Ao mesmo tempo, Moscou reforçou o apelo para que sejam evitadas interferências externas nos assuntos da região.
Dessa forma, tanto a Rússia quanto a China têm posições similares em relação à crise de Essequibo: atuar com diplomacia e pragmatismo, e ao mesmo tempo filtrar os riscos de interferência externa na região, em particular os EUA. Pequim também tem fortes laços comerciais com os dois países sul-americanos.
"A Rússia sob nenhuma circunstância vai defender tentativas de resolver o conflito por vias militares, mas defende o processo de negociações. O que é interessante é que a Rússia em nenhum momento se pronunciou se reconhece o território de Essequibo como da Guiana ou da Venezuela", afirma Victor Jeifets.
Para o professor de Relações Internacionais, Moscou vai continuar promovendo a solução política do conflito. Ele acredita, ainda, que a Rússia deve continuar não se posicionando sobre o status de Essequibo.
Edição: Thalita Pires