Com vetos a 14 trechos, o presidente Lula (PT) sancionou nesta quinta-feira (28) o Projeto de Lei (PL) 1459/22, que afrouxa a regulamentação de uso de agrotóxicos no Brasil. Entidades ambientalistas, de defesa da saúde e da agroecologia veem com preocupação o texto aprovado e afirmam que vão acionar o Supremo Tribunal Federal (STF) por sua anulação.
Apelidado de “PL do veneno” por movimentos populares, o projeto foi proposto pelo empresário Blairo Maggi (PP-MT), influente nome do setor ruralista. Na volta do recesso parlamentar em fevereiro de 2024, o Congresso Nacional decidirá se derruba ou não os vetos presidenciais.
Entre os pontos vetados por Lula, está aquele que centralizava no Ministério da Agricultura a prerrogativa de registrar e controlar novos agrotóxicos, tirando poderes da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
No entendimento de Alan Tygel, da Campanha Permanente contra os Agrotóxicos, no entanto, o texto segue deixando os órgãos fiscalizadores da proteção à saúde e do meio ambiente “com papel secundário na regulação destes produtos no Brasil”.
O Ministério da Agricultura é comandado pelo agropecuarista Carlos Fávaro, que neste mês de dezembro se licenciou temporariamente do cargo de ministro para, enquanto senador, apoiar a indicação de Flávio Dino ao STF. Fávaro esticou sua atuação no Congresso para votar a favor do chamado “PL do Marco Temporal”, atendendo aos interesses ruralistas em detrimento dos direitos dos povos indígenas.
“Os vetos do presidente Lula foram importantes, mas insuficientes para resolver os graves problemas desta lei. O texto atual é catastrófico e coloca a saúde da população brasileira em risco”, avalia Tygel.
Entre os pontos destacados pelo ambientalista, está a flexibilização dos critérios para proibir estes produtos no Brasil. “A lei antiga tinha critérios claros de proibição de registro, como de agrotóxicos que causam câncer, mutagênese e malformação fetal. Isso foi trocado por uma menção a padrões internacionais vagos sobre os quais o Brasil não tem controle”, explica.
O projeto permite, ainda, que a indústria química fabrique agrotóxicos para a exportação, mesmo que eles já sejam banidos no país. Também prevê, diferentemente de como acontece agora, que a proibição destes produtos só possa ocorrer em nível federal, e não mais também em âmbito estadual. Atualmente, o Ceará é o único no Brasil que não permite a pulverização aérea de agrotóxico.
Do ponto de vista da legislação, o engenheiro agrônomo Rogério Dias considera que “só há o que lamentar”. Presidente do Instituto Brasil Orgânico, Dias avalia que “o texto final é muito ruim”: “piora todas as possibilidades de controle que a gente tinha a partir da lei anterior, de 1989”.
“O que a gente comemora é o processo de luta”, complementa. “Essa luta vem sendo travada por organizações da sociedade civil há anos”, ressalta Dias, ao lembrar que a bancada ruralista colocou a matéria em pauta pela primeira vez em 2016. O pesquisador trata como ganho também que, diferente da proposta original do PL, o termo agrotóxico se manteve. Os ruralistas queriam que a nomenclatura mudasse para “defensivos agrícolas”.
Pressão para governo implantar Plano de Redução de Agrotóxicos
A pesquisadora e engenheira agrônoma Fran Paula, da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), participou do processo que culminou, em 2012, na aprovação por decreto da Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Pnapo). “Na época, nós manifestamos junto à então presidenta Dilma Rousseff (PT) a importância de termos uma mudança legislativa, mas no sentido contrário do PL que acaba de ser sancionado pelo presidente Lula”, relata.
Fran Paula fez parte da elaboração do Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos (Pronara), que orienta a aplicação da política e tem, também, uma iniciativa legislativa que propõe uma regulamentação restritiva aos agrotóxicos.
“Consideramos os inúmeros impactos na saúde e no meio ambiente cientificamente já comprovados através de muitas pesquisas em diversos territórios com ampla exposição a essas substâncias e suas toxicidades”, explica. O projeto está estagnado na Câmara dos Deputados.
“O Pronara traz iniciativas e metas para a redução do uso de agrotóxicos no país gradualmente, de forma que dialoga com os interesses da sociedade e garante o direito humano à alimentação adequada e saudável, bem como o direito à saúde pública neste país”, defende a engenheira agrônoma.
Para Rogério Dias, a prioridade dos movimentos ambientalistas e de agroecologia será pressionar que o Executivo implemente o Pronara. “São iniciativas que dependem, por exemplo, da ampliação de análises de contaminação de água e alimentos, fomento de pesquisa e aumento da oferta de insumos alternativos de base biológica”, exemplifica. “Não precisamos do Congresso para isso, só depende da vontade política do governo”, ressalta.
Edição: Rebeca Cavalcante