Luta por moradia

STF suspende reintegração de posse no interior de São Paulo por descumprimento de normas para despejos

Decisão beneficia comunidade descendente de populações tradicionais do Jardim Nova Esperança, em São José dos Campos

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Local virou parque municipal em 2012 - © Claudio Vieira / Prefeitura de São José dos Campos

Uma decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu a reintegração de posse do Jardim Nova Esperança, comunidade que vive na região do Banhado, em São José dos Campos (SP). A remoção das famílias é reivindicada pela prefeitura da cidade, numa batalha judicial que se estende há anos. 

De acordo com a determinação de Moraes, da última sexta-feira (22), a medida que definiu a desocupação da área não cumpre regras estabelecidas pelo Supremo para esse tipo de processo. O ministro cita as regras fruto do julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 828. Após a pandemia, o tribunal estabeleceu uma série de critérios a serem levados em consideração em situações dessa natureza.

Há uma semana, o Tribunal de Justiça de São Paulo havia autorizado a remoção das pessoas que vivem no local. A região virou área de preservação em 2012, com a criação do Parque Natural Municipal de Banhado. No entanto, as famílias já viviam na área antes disso.

Na última quarta-feira (20), a pedido da Justiça, policiais militares estiveram na comunidade para demarcar a área da remoção. Na ocasião, houve confronto, e moradores denunciaram que a abordagem dos agentes foi truculenta. A corporação alega que foi hostilizada por manifestantes e que não houve registro de feridos. 

Comissões para mediar despejos

Segundo Alexandre de Moraes, a decisão da Justiça paulista desconsiderou normas como a instalação de comissões específicas para mediar despejos e políticas sociais que visam diminuir o impacto de reintegrações de posse para as comunidades.

Essas determinações foram elaboradas após o período em que as desocupações foram proibidas no Brasil por causa da emergência sanitária da covid-19. Para retomar as reintegrações, o Supremo definiu que os tribunais deverão instalar comissões de conflitos fundiários que possam servir de apoio operacional aos juízes.

Além disso, o STF também estabeleceu a obrigatoriedade de inspeções judiciais e audiências de mediação "como etapa prévia e necessária às ordens de desocupação coletiva". Essas normas não foram seguidas no caso da comunidade do Jardim Nova Esperança.

O vice-presidente da Associação de Moradores, Renato Leandro Vieira, aponta que região é alvo de interesses especulativos. "Sabemos que a especulação imobiliária em São José dos Campos é algo muito forte. Já tivemos os casos da cidade de Pinheirinho, Morro do Regaço, Detroit, entre outros bairros que foram retirados de forma brutal, e nós corremos risco, essa semana, de sofrer algo parecido."

A Prefeitura de São José dos Campos informou, em nota à imprensa, que “respeita e cumpre todas as decisões judiciais e, neste caso, aguarda ser oficialmente notificada para se manifestar”. 

Vaivém de decisões

A população que vive no Banhado sofre há mais de uma década com as constantes mudanças de decisões do poder público relacionadas à ocupação da área. Há quase um ano, o Supremo Tribunal Federal já havia suspendido uma ordem de reintegração de posse, a pedido da Defensoria Pública.

Em agosto de 2022, a administração municipal chegou a demolir casas no local irregularmente, já que a situação ainda seguia sob avaliação judicial. Segundo as famílias que vivem na região, não houve nenhum tipo de notificação.

A prefeitura de São José dos Campos já havia pedido a remoção das famílias que vivem na comunidade em 2018, pouco mais de cinco anos após a criação do parque municipal. Do outro lado, a Defensoria Pública e a comunidade passaram a tentar a regularização do bairro.

Segundo o vice-presidente da Associação de Moradores do Jardim Nova Esperança, a comunidade vai intensificar essa luta. Ele ressalta que existe um plano popular de regularização, fruto de assembleias e em acordo com termos técnicos.

"Nós vamos fazer um ato em 26 dezembro pela regularização do Banhado, onde estarão diversos movimentos, partidos e nós, do Banhado Resiste. Queremos a regularização fundiária do Banhado. O parque que foi criado é inconstitucional, não cumpria normativa nenhuma", afirma Renato Leandro Vieira.

O pedido de regularização foi atendido em decisão de primeira instância em maio passado. Na sentença, a criação do parque foi declarada inconstitucional. Segundo a juíza Laís Helena Jardim, da 2ª Vara da Fazenda Pública de São José dos Campos, a lei que criou o Parque Municipal Natural do Banhado "foi promulgada e sancionada à revelia de quaisquer estudos técnicos".

A magistrada também ressaltou que a comunidade não participou do processo. “Os moradores do Banhado não foram devidamente informados de que suas casas estavam situadas no perímetro do parque. Não puderam opinar sobre o perímetro do parque. Por isso entendo que houve inegável violação ao princípio democrático".

Agora, meses depois, a Justiça paulista determinou a retomada do processo de desocupação, alegando que a presença das famílias poderia causar danos irreversíveis à área de proteção. A sentença previa, inclusive, uso de força policial no processo.

Além disso, a prefeitura tenta negociar a saída das famílias do local com pagamento de indenização. A Câmara Municipal aprovou uma lei que prevê pagamento de R$ 110 mil para quem aceitar deixar a área. 

Segundo um levantamento realizado pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, São José dos Campos é a quarta cidade com o metro quadrado mais caro do estado de São Paulo. O município também está entre os vinte com a maior média de preços de todo o país.

Reação

O Conselho Regional de Serviço Social de São Paulo divulgou nota pública em repúdio às tentativas de remoção das famílias do local. Segundo o texto, publicado na quinta-feira (21), a determinação da justiça paulista foi arbitrária e ocorreu mesmo após decisões judiciais anteriores que foram favoráveis à comunidade.

De acordo com a nota, a sentença foi estabelecida "em meio a lutas e articulações dos movimentos sociais, organizações populares e demais órgãos dos direitos humanos, que há tempos saem em defesa dos direitos sociais como a terra, a moradia e a não expropriação de seus territórios, sendo o local pertencimento legítimo da pessoas moradoras do território".

A manifestação do Conselho também alerta para a presença de populações tradicionais no local. "A comunidade do Banhado é composta por área de quilombo e a preservação da cultura quilombola e sua organização estão diretamente ligadas ao uso do território, pois o local agrega valores e simbolismos que se perpetuam e se tornam espaços de identidade de grupos sociais que hoje lutam pelo seu reconhecimento e visibilidade."

Ainda no texto, a organização aponta incoerências nas afirmações de que a permanência da população no local pode representar danos ao meio ambiente. "A narrativa de que a área é de preservação ambiental, por isso incompatível com a convivência e ocupação humana neste território, expõe uma nuance da contradição do capital nas cidades e no campo, quando licenciam as mesmas áreas para grandes corporações imobiliárias geradoras de concentração de riqueza e expropriadora de terra dos povos pretos e originários."

Acesse aqui a página da organização Banhado Resiste. Veja fotos da comunidade e saiba mais sobre a história do Jardim Nova Esperança na página do Museu das Remoções.

Edição: Geisa Marques