Os presidentes da Venezuela, Nicolás Maduro, e da Guiana, Irfaan Ali, se reuniram, nesta quinta-feira (14), para discutir a disputa pelo território do Essequibo, localizado na fronteira entre os dois países. Essa foi a primeira reunião entre os mandatários desde que começaram as tensões pela reivindicação do enclave fronteiriço.
O encontro, que durou cerca de duas horas, ocorreu de portas fechadas e contou com a mediação da Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos (Celac) e da Comunidade do Caribe (Caricom). O país sede foi São Vicente e Granadinas, cujo presidente, Ralph Gonçalves, hoje está à frente da Celac. Também estiveram presentes na reunião o chanceler da Colômbia, Álvaro Leyva, e o assessor especial do presidente Lula para política externa, Celso Amorim. O Brasil foi um dos articuladores do encontro.
Após a reunião, estava prevista uma declaração conjunta entre Maduro e Ali que não aconteceu. Pelas redes sociais, a Presidência venezuelana celebrou o encontro e disse que os mandatários manifestaram "disposição de continuar o diálogo para dirimir a controvérsia em relação ao território do Essequibo".
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Já o presidente guianês afirmou que manifestou a Maduro "a posição clara da Guiana que nós somos um país e um povo pacífico, não temos outras ambições do que buscar a coexistência pacífica com a Venezuela". No entanto, Ali disse que defendeu "que a controvérsia deve ser resolvida na Corte Internacional de Justiça [CIJ]", âmbito que é rejeitado por Caracas.
Sem citar a Exxon Mobil ou outra empresa que explora recursos na Guiana ou no Essequibo, Ali disse que o país "tem todo o direito de exercer sua soberania dentro de seu espaço territorial, para aprovar e facilitar qualquer investimento, parceira, negócio, colaboração, cooperação e emitir qualquer licença ou concessão dentro do nosso território".
O presidente também não citou os exercícios militares realizados em conjunto com os Estados Unidos na fronteira, apenas disse que "a Guiana não é o agressor, não está buscando a guerra, mas nos reservamos o direito de trabalhar com todos nossos sócios para defender nosso território, todas as nossas parcerias se baseiam na defesa da nossa soberania e de nossa integridade territorial".
"Há um ambiente tenso por parte da Guiana", opina Sergio Rodríguez Gelfenstein, ex-diplomata venezuelano consultado pelo Brasil de Fato. "O problema da fronteira não é o problema de fundo, o problema é econômico, de uma ingerência prepotente dos EUA e das empresas transnacionais, que não se importam que os povos morram a favor de seus interesses", afirma.
No entanto, Gelfenstein acredita que "o fato de que os presidentes tenham conseguido conversar é um passo adiante". "Eu acho que a Venezuela já conseguiu o que se propôs para este primeiro encontro, um primeiro encontro em que se vejam, se olhem nos olhos, conversem e que se possa abrir a possibilidade para buscar uma saída negociada".
Entenda a disputa
Com 160 mil km², o território do Essequibo é objeto de disputa desde o século 19, mas a controvérsia ganhou novos contornos após 2015, quando a empresa estadunidense Exxon Mobil encontrou enormes reservas marítimas de petróleo na costa do enclave.
A Guiana, então, entregou concessões para que a empresa pudesse explorar as reservas que são estimadas em mais de 11 bilhões de barris de petróleo e fizeram o PIB guianês ser o que mais cresce no mundo, segundo projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI).
A decisão desagradou Caracas, que alega que Georgetown não poderia ter emitido concessões de maneira unilateral em um território não delimitado. O governo do presidente Nicolás Maduro chegou a acusar seu homólogo guianês de seguir os interesses da Exxon Mobil e incitar um conflito na região. Já a Guiana acusa o vizinho de "intenções expansionistas" e desde setembro vem permitindo exercícios militares dos EUA na fronteira.
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No dia 3 de dezembro, os venezuelanos foram às urnas para participar de um referendo convocado pelo governo para reafirmar suas posições no caso do Essequibo. O "sim" teve uma vitória massiva e, com isso, Caracas conseguiu respaldo popular a demandas como a criação de um estado venezuelano na região em disputa e o não reconhecimento da Corte Internacional de Justiça para julgar o caso.
Acordo petroleiro
Elemento central no acirramento da disputa entre os países, o petróleo foi mencionado como um tema para essa reunião pelo chanceler venezuelano, Yván Gil. Em resposta a um questionamento do Brasil de Fato na última segunda-feira (11), o ministro afirmou que um acordo para exploração conjunta das reservas petroleiras do Essequibo poderia estar na mesa.
"A Venezuela está disposta a buscar fórmulas para o desenvolvimento compartilhado, que é precisamente uma das fórmulas que estaria na mesa [de diálogo]", disse Gil.
Ainda à reportagem, o chanceler citou como exemplo o programa Petrocaribe e os acordos recentes entre a Venezuela e Trinidade e Tobago para a exploração do campo de gás Dragão, assinado em outubro após o alívio nas sanções dos EUA impulsionar as conversas.
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"Não posso adiantar mais porque estamos começando um diálogo, mas posso dizer que por nossa história, a Venezuela tem elementos que provam sua disposição, política, diplomacia, intenção, com exemplos claros como Petrocaribe e os acordos com Trinidade. Esses são exemplos concretos que estão aí e que poderiam servir, na mesa de diálogo, para futuros acordos com a República Cooperativa de Guiana", disse.
Edição: Rebeca Cavalcante