Por um lado, a fome e a insegurança alimentar, que atinge em diferentes graus mais da metade da população brasileira. Por outro, o lobby da indústria de alimentos para a venda de produtos ultraprocessados, que oferecem baixo valor nutritivo a preços acessíveis.
"A gente chama de a dupla face da má alimentação ou da má nutrição", destaca Lilian Rahal, secretária de segurança alimentar do governo Lula, uma das entrevistadas no filme.
O documentário "Nutrição na Primeira Infância", que estreia através do canal do Brasil de Fato no Youtube, nesta sexta-feira (22), aponta três caminhos possíveis para solucionar essa questão: produção de alimentos saudáveis, renda digna e consumo consciente.
A produção reúne entrevistas com especialistas e apresenta o trabalho do Centro de Educação e Recuperação Nutricional (CREN), localizado na zona lesta da cidade de São Paulo.
“Insegurança alimentar é um conceito muito amplo, existem diversos fatores. Um deles é a falta do alimento e a busca pelos ultraprocessados, devido ao valor [mais acessível], aumentando os desvios nutricionais”, explicou Adolfo Mendonça, nutricionista do CREN.
A equipe também ouviu o relato de Letícia Menezes, mãe solo de três crianças, e que após o diagnóstico de baixa estatura, encaminhou sua filha Estela para atendimento pelo centro.
"Para as crianças, não. Não chega a falta para eles não. No caso, a gente deixa de comer para não faltar pra eles. Já chegou a acontecer sim", lamenta Letícia sobre o período em que sofreu com a insegurança alimentar, durante a pandemia de Covid-19. Foi nesse contexto em que descobriu a gravidez de Estela.
"Quanto mais crianças menores no domicílio, mais vulnerável é a família ao risco de insegurança alimentar e a fome", complementa Rahal.
Confira o documentário:
Os primeiros mil dias
Em 2022, o país voltou ao Mapa da Fome da ONU após 8 anos. No Brasil, estima-se que 2,2 milhões de crianças vivem em extrema pobreza.
Os especialistas ouvidos pelo Brasil de Fato explicam que todas as experiências que a criança tem em seus primeiros mil dias de vida ditam seu futuro e direcionam seus potenciais.
"Há uma relação estreita entre alimentação saudável, cuidados parentais e o desenvolvimento infantil", resume Paulo Basta, pesquisador da Fiocruz. Se até os 2 anos a criança não estiver bem nutrida, dificilmente seu quadro de saúde é reversível.
Desembalar menos, descascar mais
Basta também critica o lobby da indústria de alimentos, que enriquece distribuindo ultraprocessados de forma capilarizada na sociedade. "Em qualquer vendinha você vai encontrar com facilidade um refrigerante, um biscoito recheado, ou um alimento ultraprocessado de qualquer natureza. Então, acabam sendo distribuídos com muita facilidade e com preços mais acessíveis, o que provoca a substituição do alimento tradicional pelo industrializado”, disse.
Letícia Zero, da Aliança pela Infância, complementa a crítica: “A narrativa que a indústria cria é super pesada. Tenta criar narrativas de afeto para vender esses alimentos ultraprocessados.”
Do campo para a mesa
No ano de 2021, houve lucro recorde sobre o mercado de commodities no Brasil. O país perdeu espaço de área plantada destinada a produção de alimentos que abastecem a população, para um domínio de plantio de grãos como o milho e a soja.
Políticas de incentivo à produção agrícola e a distribuição de alimentos in natura para a população, aliadas a programas de distribuição de renda, como o Bolsa Família, são essenciais para o combate a insegurança alimentar, aponta Rahal. Em 2023, o governo retomou o PAA (Programa de Aquisição de Alimentos), além de direcionar recursos para projetos como as cozinhas solidárias, que oferecem refeições para quem mais precisa.
Zero finaliza apontando a necessidade de nos entendermos como parte da natureza, e os benefícios de uma alimentação mais natural para as crianças. “A criança todo o tempo tem o poder de criação. Ela está o tempo todo imaginando e inventando novos mundos possíveis. Por isso é fundamental que a criança seja alimentada de maneira saudável com alimentos próximos à natureza. Porque é isso que dá pro corpo dela a potência de estar no mundo da melhor maneira possível.”
Edição: Rebeca Cavalcante