Em 2023, deputados estaduais de São Paulo que votaram a favor da privatização da Sabesp conseguiram mais dinheiro para suas indicações parlamentares que os políticos que foram contra a medida.
Segundo levantamento exclusivo feito pela Agência Pública, deputados que votaram “sim” para privatizar a companhia de saneamento básico do estado conseguiram em média R$ 5 milhões cada um em indicações concluídas até o início de dezembro. Em comparação, os deputados que eram contra a privatização receberam cerca de R$ 1 milhão cada.
Ao todo, 59 deputados que votaram a favor da desestatização da Sabesp tiveram R$ 313 milhões das suas indicações concluídas. Isso é 88% de tudo que foi liberado em indicações no ano até o momento, que foi de R$ 354 milhões.
As indicações são uma espécie de emenda ao orçamento estadual e funcionam de forma parecida às emendas de deputados e senadores no Congresso Nacional. Nesse caso, a reportagem contabilizou as indicações voluntárias: elas dependem do governo estadual para serem liberadas. Há também as indicações chamadas de impositivas, cujo pagamento é obrigatório e foram distribuídas entre os deputados no valor de até R$ 10,5 milhões. Essas últimas não entraram na contabilização desta reportagem.
A privatização da Sabesp foi aprovada no dia 6 de dezembro, após uma votação que teve 62 “sim”, de um total de 94 deputados. Os 18 que eram contra não chegaram a votar em protesto após uma ação policial dentro da Assembleia. Dois dias depois, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos) sancionou a lei.
A expectativa do governo Tarcísio é realizar a oferta pública das ações da Sabesp na Bolsa de Valores no primeiro semestre do ano que vem e terminar todo o processo até julho.
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Governo liberou mais dinheiro para deputados da frente a favor da privatização
Na Assembleia de São Paulo, a privatização da Sabesp criou dois grupos opostos. Um deles, a frente contrária à privatização, foi instituída em dezembro de 2021 e renovada na atual legislatura, em abril de 2023. Já a frente a favor da privatização foi constituída apenas em outubro deste ano.
As duas frentes também dividem os políticos em dois grupos: quem recebeu mais ou menos dinheiro liberado por meio das emendas.
Segundo a reportagem apurou, dos 22 deputados que integram a frente pela privatização, 20 tiveram indicações com valores liberados até dezembro. Ao todo, esses políticos somam mais de R$ 80,9 milhões liberados em emendas — o que representa mais de um quinto do total de indicações voluntárias liberadas no ano para todos os deputados da Alesp.
O grupo tem como coordenador o deputado Guto Zacarias (União Brasil), vice-líder do governo na Assembleia e membro do MBL — movimento de direita surgido em 2014. A reportagem o procurou para pedir explicações sobre o processo de liberação das emendas deste ano e perguntar se o deputado acredita que a posição a favor da privatização da Sabesp possa ter influenciado ou ajudado no trâmite com o governo estadual. Também questionamos se houve alguma negociação de emendas ligadas à aprovação da privatização da Sabesp na casa. A assessoria do deputado disse que não conseguiria responder pelo excesso de demandas no final de ano.
A Pública também procurou a deputada Dani Alonso (PL), vice-coordenadora da frente parlamentar, mas não foi atendida.
Leonardo Siqueira (NOVO), um dos membros efetivos do grupo, também foi procurado pela reportagem, mas sua assessoria também respondeu que não haveria tempo para responder às perguntas por causa do excesso de demandas.
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Já dos 27 deputados da frente contra a privatização, 20 tiveram indicações concluídas, no valor de R$ 32,6 milhões – três vezes menos do que conseguiram os políticos da frente pró-privatização.
O deputado Emídio de Souza (PT), coordenador da frente parlamentar contrária à privatização da Sabesp, avalia que a liberação de emendas teve um papel central no resultado da votação do projeto de lei. “Para mim, está claro que o governador usou o recurso público direcionado para os deputados que apoiavam a matéria para favorecer a aprovação. Teve uma influência brutal, foi o uso do recurso orçamentário para seduzir os deputados”, disse.
A Federação PT/PCdoB conseguiu a liberação de cerca de R$ 25 milhões de indicações parlamentares — bem menos da metade do que a Federação do PSDB/Cidadania obteve, que possui menos políticos.
Souza acrescenta que a determinação do governo para aprovar a matéria resultou na falta de interlocução entre os lados contrário e favorável ao projeto de lei. “Não houve um diálogo sobre a Sabesp, nunca se quis conversar sobre isso. O governo estava convencido da tarefa, não aceitou nenhuma proposta, nem a de fazer um plebiscito ou referendo. A outra frente [favorável] foi criada só para reproduzir o discurso do governo, não pesquisou, não levantou documentos, não acompanhou nada. Era só para justificar a posição”, critica o deputado.
A frente contrária entrou com pedido de judicialização de parte do processo de privatização e aguarda a tramitação no Supremo Tribunal Federal.
A única bancada que não recebeu emendas voluntárias em 2023 foi a Federação PSOL/ Rede. Guilherme Cortez, deputado do PSOL que integra a frente contrária à privatização, afirma que diferentemente das emendas impositivas, que são garantidas aos parlamentares pela Constituição, as emendas voluntárias, na prática, são usadas para fazer barganha política. “O governo chegou a entrar em contato com a liderança do PSOL [para propor acordo de emendas], mas como a nossa posição não está em negociação, não houve uma finalização”, explica.
Cortez analisa que o governo enfrentou vários impasses em outros projetos mais simples do que a privatização da Sabesp, que seria a proposta mais complexa de toda a gestão de Tarcísio. “O que explica que outras matérias mais simples, como o ICMS ecológico, o reajuste salarial dos policiais e o aumento das taxas do Poder Judiciário, demoraram meses para reunir o quórum necessário de deputados e justamente o projeto mais complexo teve a coesão da base de apoio? O governo liberou muito dinheiro, fez muita pressão, fechou o cerco para que isso acontecesse”, diz.
Como a oposição se retirou da sessão por conta do tumulto na Alesp, a votação do PL poderia ter sido simbólica, sem o registro de como cada deputado votou. Entretanto, o líder do governo na Assembleia, deputado Jorge Wilson (Republicanos), solicitou que a votação fosse nominal, para identificar os parlamentares que de fato foram favoráveis ao projeto. “Normalmente quem pede a votação nominal é a oposição, para saber como cada deputado votou, mas dessa vez quem pediu foi o líder do governo. E por que? Para fazer o pix”, afirma Cortez.
Votação da privatização da Sabesp na Alesp
A reportagem questionou a Secretaria de Governo e Relações Institucionais de São Paulo sobre a relação entre a liberação de emendas e a votação. A pasta respondeu que o “governo estabeleceu, conforme já anunciado, R$ 11 milhões para parlamentares da base e R$ 5,5 milhões para a oposição nas indicações parlamentares em 2023. Essas indicações são realizadas com total transparência e podem ser consultadas em detalhes no site do governo”, acrescentou.
Segundo a secretaria, a liberação e execução das indicações parlamentares “variam de acordo com a complexidade de tramitação de cada projeto. O governo tem mantido contato frequente com parlamentares e prefeitos e a tramitação vem ocorrendo normalmente nas diversas secretarias envolvidas. As indicações devem seguir a legislação e o portfólio de projetos do governo”, informou.
Segundo a Pública apurou com parlamentares, o secretário de Governo do Estado de São Paulo, Gilberto Kassab, presidente do PSD, é quem tem coordenado a articulação das emendas.
Recorde de dinheiro para emendas aconteceu em dia de audiência sobre Sabesp
A liberação das emendas dos deputados da Alesp não seguiu o mesmo ritmo ao longo do ano. Segundo a Pública apurou, o recorde de valores liberados aconteceu em 16 de outubro — justamente o dia em que o governo organizou uma audiência pública na Assembleia para discutir o projeto de privatização. De acordo com matéria da Folha, o encontro terminou em bate-boca.
Na data, o governo Tarcísio concluiu a liberação de mais de R$ 166 milhões em emendas voluntárias — quase metade de todo o valor até dezembro.
Nessa leva, a principal beneficiada pelo governo Tarcísio foi a federação PSDB/Cidadania. Juntos, 11 deputados do grupo conseguiram mais de R$ 44 milhões em indicações apenas nesse dia. Todos os 11 votaram a favor da privatização.
Com 12 deputados no total, a federação é a terceira maior bancada da Assembleia — atrás apenas do PL, governista, e do grupo formado por PT, PCdoB e PV, que são oposição. Justamente pelo seu tamanho, o apoio dos deputados do PSDB e do Cidadania se tornou fundamental para que Tarcísio conseguisse os votos para privatizar a Sabesp.
Em seguida, vieram os políticos do PL. Ao todo, 12 deputados do partido conseguiram a liberação de mais de R$ 29 milhões das suas indicações em apenas um dia.
O único voto que foi registrado como contrário à privatização da Sabesp veio desse grupo, da Delegada Graciela, que apesar de ser da base do governo, se tornou um ponto fora da curva ao ser a única política a de fato votar pelo não — o grupo contrário, formado por deputados de oposição, acabou não votando após a ação da PM na Alesp. A Delegada Graciela, do PL, teve R$ 2,6 milhões em indicações concluídas.
A reportagem tentou contato com a deputada e obteve como retorno uma nota divulgada no dia 7 de dezembro em suas redes sociais, na qual a parlamentar manifesta que seu posicionamento está alinhado com a opinião da população de Franca, sua cidade de origem. No texto, a política afirmou que seu mandato segue compondo a base do governo e continuará a ajudá-lo.
A segunda data na qual o governo mais concluiu o repasse de dinheiro para as emendas foi em 20 de outubro — dois dias após o projeto de lei começar a tramitar na Alesp.
A Pública apurou que, no dia, foram concluídos mais de R$ 78 milhões em indicações parlamentares.
Novamente, a Federação PSDB/Cidadania, fiel da votação na Alesp, foi a mais beneficiada. Juntos, sete deputados do grupo conseguiram mais de R$ 17 milhões para suas emendas.
Em seguida, vieram os políticos do PL, com mais de R$ 15 milhões.