Depois de oito anos e diversas ameaças de despejo, as cerca de 60 famílias da comunidade Maria Rosa do Contestado, em Castro (PR), agora dormem tranquilas sabendo que ninguém poderá tirá-las de suas terras. Na sexta (15), a comunidade fez uma festa para comemorar a conquista do assentamento, com churrasco e almoço comunitário gratuito.
“Foi com muita luta, muita peleja, que a gente conseguiu. Tem hora que você nem acredita que conseguiu. A gente foi resistente, ficamos aqui esse tempo todo lutando e Deus nos deu a terra”, disse dona Irani Vieira, que mora na comunidade desde o início, em 2015.
A confirmação do assentamento, que é o primeiro criado no Paraná neste terceiro governo Lula, aconteceu no dia 7 de dezembro, em audiência judicial na 2ª Vara Federal de Ponta Grossa. Foi firmado acordo entre famílias Sem Terra, Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra-PR), Superintendência do Patrimônio da União no Paraná (SPU), Defensoria Pública da União no Paraná (DPU) e Centro de Treinamento para Pecuaristas (CTP).
Com a terra regularizada, dona Irani agora pode sonhar com tranquilidade. “[Quero] tocar a vida aqui, trabalhandinho, criar galinha, vaquinhas de leite, plantar feijão, milho, mandioca, batata, sobreviver da terra. Quero fazer meu lote muito lindo e envelhecer com os netos e filhas por perto”, relatou.
Projeto para o Brasil
Antes da chegada das famílias sem terra, a área — que é pública da União — era explorada de forma ilegal e com uso de agrotóxicos pela Fundação ABC, entidade privada formada por cooperativas do agronegócio, e pelo Centro de Treinamento Pecuário (CTP), também coordenado pelas cooperativas.
As famílias que ocuparam a terra transformaram-na em local de produção de alimentos saudáveis, conseguindo o certificado de produção 100% agroecológica e orgânica. Organizada, a comunidade também criou a Cooperativa dos Trabalhadores Rurais da Reforma Agrária Maria Rosa Contestado (Confran), para fortalecer a produção e comercialização de forma cooperada, melhorando a geração de renda.
Com a cooperativa, a comunidade organiza a entrega de alimentos agroecológicos para o Programa Nacional da Alimentação Escolar (PNAE) municipal de 42 escolas no município de Castro e para o PNAE estadual em 21 escolas da região. A partir deste ano, a produção será entregue também para o programa Compra Direta, para entidades sociais de Castro e outros oito municípios da região.
“Aqui tem o que é o nosso projeto de agricultura popular e soberana, as bases do que a gente imagina para a agricultura brasileira: produzir comida, gerar fartura para o nosso povo. Tudo agroecológico”, afirmou Roberto Baggio, da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), durante a festa da conquista do assentamento.
O dirigente também pontuou que este é mais um passo em direção a um novo país: “Nós podemos reconstruir o Brasil de outro jeito, com iniciativas comunitárias, com sonho, projeto de vida. Um país onde tenha comida farta, principalmente para os 33 milhões que não se alimentam bem ou passam fome.”
Organização popular
Também presente na comemoração desta sexta, a deputada federal e presidenta do PT, Gleisi Hoffmann, lembrou que a conjuntura política no país é de disputas acirradas: ainda que a presidência tenha orientação progressista, a maioria do congresso nacional é conservadora.
“Não é porque a gente está no governo que as condições são todas favoráveis. Elegemos o Lula mas não elegemos uma bancada grande no congresso nacional. Tem muita gente de direita, contra as lutas populares. Nós temos que estar organizados para enfrentar. A gente venceu o Bolsonaro nas urnas, mas ainda tem um movimento de extrema direita muito forte no país”, alertou.
No mesmo sentido, o superintendente do Incra-PR, Nilton Bezerra Guedes, exaltou a organização e os esforços das famílias sem terra nos últimos anos. Durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), lembrou Nilton, os acampamentos eram “tratados como criminosos” e os processos de regularização fundiária estavam arquivados.
“Se não houvesse o movimento, a luta de vocês, não existiria a reforma agrária, porque é uma política em disputa”, afirmou. “A gente quer fazer diferente, quer o Incra mais próximo de vocês, mais presente, considerando cada um de vocês como deve ser”, ressaltou Nilton.
Existe ainda, no Paraná, outros 82 acampamentos do MST em luta pela regularização da terra e efetivação da reforma agrária. São cerca de sete mil famílias. Em todo o Brasil, até o momento, foram criados nove assentamentos neste primeiro ano do terceiro governo Lula.
Fonte: BdF Paraná
Edição: Pedro Carrano