Três dias após a vitória de Javier Milei na Argentina, a extrema direita obteve sucesso também na Holanda. O Partido pela Liberdade (PVV, na sigla em holandês), foi o mais votado nas eleições legislativas nacionais e deverá conquistar 37 assentos na Casa, o que significa mais que o dobro da presença atual e lhe dará ampla vantagem em relação à aliança de esquerda e ao bloco de centro-direita, que devem ter 25 e 24 assentos, respectivamente.
O resultado abalou a política local e pode provocar reflexos em toda a Europa, que aguarda a formação do novo governo para medir os impactos da votação além das fronteiras holandesas, e na vida dos migrantes.
Após 25 anos de atuação no Parlamento, a extrema direita ganha agora o direito de governar o país. “O PVV não pode mais ser ignorado”, disse o líder do partido, Geert Wilders, após a votação. “Nós governaremos”. Mas para fazê-lo, ele precisa negociar com outros partidos a formação de uma coligação que tenha maioria parlamentar, ou seja, 76 de 150 assentos.
Líderes dos três principais partidos declararam que não formariam parte de uma coalizão com o PVV. Apenas o Novo Contrato Social, legenda que deve obter 20 assentos, sinalizou estar “disponível”, mas seu líder, Pieter Omtzigt, antecipou que a negociação “não será fácil”.
O PVV, conhecido por posições anti-Islã e anti-União Europeia, fez campanha utilizando a bandeira anti-imigração. “Os holandeses esperam recuperar seu país e garantir que o tsunami de solicitantes de asilo e imigração se reduza”, afirmou Wilders, que critica o que chama de “invasão islâmica” no Ocidente.
O líder já propôs a detenção e deportação de imigrantes ilegais e a devolução de solicitantes de asilo oriundos da Síria, além da censura ao Alcorão e de cobrar impostos sobre os véus que mulheres muçulmanas usam para cobrir a cabeça. Teve desentendimentos com a Justiça, que o considerou culpado de insultar marroquinos, aos quais chamou de “escória”, e recebeu ameaças de morte, pelas quais vive sob proteção policial desde 2004.
Mas durante a campanha, tentou suavizar sua imagem para cativar parcela maior do eleitorado e declarou que seria um primeiro-ministro “para todos”.
O atual premiê, no poder há 13 anos, é o conservador Mark Rutte, do Partido Popular pela Liberdade e Democracia (VVD), um historiador e professor que, em julho último, anunciou que não tentaria a reeleição e deixaria a política assim que o próximo governo tomasse posse, numa reviravolta política impensável até então.
Considerado líder confiável dentro da União Europeia, Rutte ajudou a construir um lugar de destaque para a Holanda no bloco, ao promover uma agenda econômica baseada no livre comércio e em regras comuns. Mas não conseguiu apresentar uma política migratória que pacificasse o país, o que provocou o colapso de seu gabinete.
No fragmentado cenário político holandês, a formação do novo governo poderá levar meses. Para a formação do último governo, foram necessários nove meses. Assim, migração e outras questões importantes, como metas climáticas e agricultura, deverão ficar em compasso de espera até 2024.
"Nexit"
O Partido pela Liberdade segue uma linha de política externa de “Holanda em primeiro lugar” e não gosta da integração europeia. “A Holanda será mais dura e mais conservadora na Europa, inclusive em matéria de orçamentos e migração”, disse Simon Otjes, professor assistente de política holandesa na Universidade de Leiden, em entrevista ao The New York Times.
No programa do partido, figura um referendo sobre o “Nexit”, a saída da Holanda (Netherlands, em inglês) da União Europeia, na linha do Brexit, que foi aprovando em plebiscito pela população britânica.
A vitória de Wilders ocorre na esteira de avanços de partidos de extrema direita em outros países do norte europeu, como Suécia, onde o governo depende dos votos parlamentares de um partido com raízes neonazistas, e a Finlândia.
Pouco depois do resultado da boca de urna ser anunciado na Holanda, o primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán comemorou os “ventos de mudança” na Holanda. A Holanda é, por enquanto, um dos principais contestadores das ideias ultranacionalistas e xenófobas de Orbán — que no ano passado, num discurso, afirmou: “[Nós húngaros] estamos dispostos a nos misturar, mas não queremos nos tornar pessoas mestiças”.
Edição: Rodrigo Durão Coelho