A Federação de Todos os Camponeses do Nepal foi a anfitriã da Escola Internacional de Bioinsumos, durante o mês de novembro com integrantes de 12 organizações camponesas dos continentes africano e asiático.
Nesse espaço, os participantes trocaram conhecimentos sobre manejo integrado do solo, a utilização de microrganismos isolados como biofertilizantes ou biopesticidas e processos de compostagem, entre outros temas vinculados à agroecologia.
“Aqui tivemos uma boa oportunidade, não de aprendizagem pessoal, mas esta é uma boa plataforma para construir vínculo entre as pessoas que trabalham nas mesmas áreas em todos os países”, explicou Kavitha Narayanaswamy, da organização indiana Samvada.
Essa foi a segunda edição da Escola Internacional de Bioinsumos, que foi inaugurada na Argentina, em setembro deste ano. A escola é organizada pela Associação Internacional para a Cooperação Popular, também conhecida como Baobab, nome que faz referência a árvore que diversos povos africanos conhecem como símbolo da vida.
Fundada no final de 2019, a Baobab é uma plataforma de intercâmbio tecnológico criada por organizações e movimentos populares do Sul Global para apoiar o desenvolvimento da Soberania Alimentar e da agroecologia.
Os países participantes do espaço de formação foram: Bangladesh, Gana, Índia, Indonésia, Nepal, Paquistão, África do Sul, Sri Lanka, Tanzânia, Zâmbia e Zimbábue.
Nepal quer se tornar um país agroecológico
Até 2008, o Nepal era uma monarquia. Junto ao movimento que pôs fim ao regime e fundou uma das repúblicas mais jovens, o país aprovou uma Constituição (provisoriamente em 2007 e de forma definitiva em 2015), que inclui a Soberania Alimentar como direito fundamental do povo.
“Nossos slogans eram: abaixo a monarquia absolutista e Soberania Alimentar Já!”, conta Balram Banskota, secretário-geral adjunto da ANPFa. “Nossa meta agora é tornar-nos um país agroecológico”, diz.
Em 2018, o governo da província nepalesa de Karnali lançou um plano para tornar a região totalmente orgânica, livre de agrotóxicos.
Esther-Charis Konadu Yiadom do Movimento Socialista de Gana considerou fundamental a escolha do Nepal como anfitrião do espaço de formação: “é importante aprender com aqueles que estão assumindo a liderança”, afirma.
O papel da agricultura familiar na produção de alimentos
Os pequenos agricultores, ou camponeses, representam entre 70% e 90% da população rural produtiva nos países presentes nesta edição da Escola Internacional de Bioinsumos. Movimentos camponeses, como a Via Campesina e organizações como o coletivo de pesquisa Grupo ETC, defendem que os camponeses produzem 70% dos alimentos consumidos no mundo. Pesquisas recentes que questionam a cifra, afirmando que seria apenas de ⅓, têm sido questionadas por sua metodologia ou por excluir dados das regiões onde há mais camponeses.
Para Narayanaswamy, a escola - que durou cerca de três semanas - forneceu elementos para transformar o trabalho que sua organização já realiza: “Na nossa organização formamos camponeses para prepararem os seus próprios bioinsumos numa escala muito limitada, mas aqui aprendemos muitas coisas sobre como aumentar a nossa produção para que possamos incluir neste processo todos os recursos naturalmente disponíveis, porque não precisamos de mais coisas caras como as envolvidas na produção de fertilizantes químicos, podemos usar quaisquer materiais disponíveis ao nosso redor”.
Uma parte da escola também foi dedicada à troca e formação política, com aulas de intelectuais como John Bellamy Foster, autor de A ecologia de Marx: materialismo e natureza, publicado no Brasil esse ano pela Expressão Popular.
Pramesh Pokharel, do Comitê de Coordenação da Baobab e da Federação de Todos os Camponeses do Nepal (ANPFa, na sigla em inglês), afirma que a luta da agroecologia pela Soberania Alimentar, assim como a formação sobre bioinsumos é uma luta política ideológica.
“Quando praticamos a agroecologia é uma forma cotidiana de resistência contra as corporações multinacionais, contra a exploração e a opressão que é feita pelo capitalismo. Nós estamos rejeitando as corporações multinacionais, a OMC e as muitas soluções falsas impostas pelas corporações capitalistas aos camponeses”, disse Pokharel ao Brasil de Fato.
Nesse sentido, Mavis Gofa do Fórum de Pequenos Agricultores Orgânicos do Zimbábue afirma que uma preocupação em seu país é a perda de soberania sobre seus bens comuns.
“As multinacionais estão dando aos nossos governos insumos de produção através de programas de subsídios agrícolas. Depois eles oferecem esses insumos aos camponeses, e assim, entre outras coisas, estamos perdendo nossas sementes nativas aos poucos. Aqueles que nos controlam são os nossos governos, mas nossos governos também são controlados pelas empresas multinacionais”, afirma Gofa.
Articulação África-Ásia
“Quando se trata de países com mais recursos, eles estão localizados na África e na Ásia e, no entanto, somos conhecidos por sermos pobres. Portanto, para mim, esta é uma grande oportunidade para nos unirmos como africanos e asiáticos, para criarmos sinergias e mudarmos coletivamente essa narrativa”, diz Esther-Charis.
Shifur Rahman, da organização bengali Krishi Morcha destacou a diversidade de conhecimentos no espaço de formação. “Nós praticamos a agroecologia à nossa maneira, os países africanos à sua, e os outros países asiáticos têm a sua própria maneira de produzir os bioinsumos, depois de ouvir sobre suas técnicas, espero que possamos somar mais [conhecimento] em Bangladesh”.
Rahman afirma que uma das metas é a criar um movimento agroecológico em nível nacional em Bangladesh. “Sem a prática agroecológica não podemos pensar na sobrevivência da nossa próxima geração”.
Em um cenário de crescente mercantilização dos bioinsumos, a possibilidade de que camponeses possam produzi-los de forma autônoma e cooperada foi um dos consensos na escola organizada em Bhaktapur.
“Queremos controlar o nosso sistema alimentar porque somos os produtores, e deveríamos ter fábricas de bioinsumos em cada um dos nossos países para que possamos produzir esse adubo orgânico, o bokashi, o vermicomposto em larga escala, depois podemos vender, para que essa agroecologia se torne nosso próprio modo de vida”, conclui Mavis Gofa.
Edição: Leandro Melito