Agroecologia

Agronegócio protagoniza campanha cultural contra a reforma agrária, diz pesquisadora

Ana Chã diz que música, novelas e campanhas publicitárias aliviam pressão popular contra latifundiários

Brasil de Fato | Curitiba (PR) |
A Jornada de Agroecologia teve início nesta quinta (5) em Curitiba e vai até domingo - Leandro Taques/Jornada de Agroecologia

"Agro é tech, agro é pop, agro é tudo". Essa campanha publicitária do Grupo Globo de Comunicação é hoje conhecida por quase toda a população brasileira. Segundo a pesquisadora Ana Chã, ela faz parte de um esforço concentrado do agronegócio para reduzir a pressão social contra seu modo de produção, apesar das evidências científicas que ligam o setor ao aquecimento global e outros problemas econômicos e sociais no Brasil.

Chã participou nesta sexta-feira (6) de uma conferência realizada durante a Jornada de Agroecologia. O evento, que acontece no Centro Politécnico da Universidade Federal do Paraná (UFPR), em Curitiba (PR) vai até domingo (8).

Em sua conferência, Chã apontou que, há cerca de 20 anos, o agronegócio entendeu que precisaria disputar a opinião da população para continuar recebendo o apoio político e econômico que recebe hoje. O setor é um dos mais beneficiados por isenções fiscais, por exemplo.

Para fazer essa disputa, o setor agiu profissional e estrategicamente na publicidade, na música e na cultura como um todo em seu favor. A campanha "agro é pop" é prova disso, mas não é um caso isolado, disse Chã.

"O gênero sertanejo, que cantava a vida no campo, virou o agronejo, que agora defende o agronegócio", afirmou ela. "As novelas mostram todo dia plantações de soja, colheitadeiras, um latifundiário que agora é tecnológico e poderoso."

De acordo com Chã, o agro também já organizou grupos para monitorar a produção de material didático contra menções negativas do setor. Hoje, inclusive, financia pesquisas científicas enviesadas para defendê-lo. 

Para ela, tamanha campanha tem dado resultado e reduzido a pressão sobre a reforma agrária no Brasil. "Parece até que o agro conseguiu resolver tudo e a redistribuição da terra não é mais necessária", alertou a pesquisadora.

Ela, no entanto, reforçou que a mudança no setor agropecuário brasileiro é urgente. 

Essa urgência, aliás, foi reforçada pelo sociólogo Thiago Torres, conhecido como Chavoso da USP, que também participou da conferência. "Por trás dessa crise climática está a mercantilização da natureza", apontou Chavoso.

Ele disse que o ser humano manteve uma relação equilibrada com o meio ambiente durante quase toda sua história. A busca pela maximização da produção a todo custo foi o que levou a humanidade à atual encruzilhada climática.

Torres reforçou que uma ação coordenada do agronegócio tenta reduzir a importância dessa discussão para um futuro sustentável. Ele lembrou que, há séculos, o setor concentra o poder econômico e político no Brasil. Hoje, usa esse poder a seu favor também na mídia.

"As famílias donas das redes de televisão também são do agronegócio. Há toda uma indústria cultural e musical ligada ao agro", disse Chavoso. "Querem nos convencer de que eles produzem comida. Mas quem produz é agricultura familiar."

Outra participante da conferência, a professora da UFPR Maria Isabel Limongi, disse que a resistência a essa campanha do agro precisa ser feita com informações e mobilização política.

Limongi destacou que o mundo vive hoje desastres em cascata também por conta do modo de produção agrícola no Brasil. Muitas pessoas se negam a ver tal realidade ou optam por não agir. Isso, contudo, não trará solução. A mobilização é a única solução viável.

"Precisamos agir ou agir. E agir dentro da política", afirmou ele. "Fora da política, não há solução."

Edição: Thalita Pires