O ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), ratificou nesta segunda-feira que sua equipe perseguirá a meta de zerar o déficit fiscal do governo em 2024 apesar de dados indicarem que o cumprimento do objetivo é cada dia mais inexequível. Na sexta-feira (27), o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) admitiu que dificilmente os gastos do governo serão iguais à arrecadação no ano que vem.
Haddad, contudo, disse estar preparando novas medidas para viabilizar o equilíbrio entre ganhos e gastos. A busca por esse objetivo, entretanto, pode comprometer a capacidade de investimento do governo no ano que vem e também em 2025.
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Primeiro, porque já existe um consenso entre economistas de que déficit zero em 2024 é algo praticamente impossível de se alcançar. O próprio Haddad admitiu nesta segunda que a tarefa é mesmo desafiadora. Tem, segundo ele, se tornado cada vez mais difícil já que medidas que propostas para aumento de arrecadação não avançam no Congresso Nacional e porque o ganho com tributos não tem crescido como cresce a economia.
Segundo Haddad, exceções fiscais vigentes desde 2017 criaram o descompasso entre crescimento e arrecadação. Ele disse que o governo já tratou parte dessas distorções numa Medida Provisória enviada ao parlamento, mas que ainda não foi votada.
Se a arrecadação não cresce como o governo gostaria, resta a ele cortar gastos em busca do déficit zero. Para Mauricio Weiss, economista e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), essa não é uma boa estratégia já que poderia afetar iniciativas públicas fundamentais ao país, como o Minha Casa Minha Vida (MCMV) e o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que também contribuem com o crescimento.
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A deputada federal Gleisi Hoffmann, presidente do PT, disse em entrevista ao jornal Valor Econômico que o país "não pode ter meta fiscal zero e fome mil", sinalizando que busca exagerada pelo equilíbrio fiscal pode prejudicar os mais pobres.
Weiss afirmou que o governo errou ao assumir o compromisso com o déficit zero em sua proposta de Orçamento para 2024. Para ele, a Fazenda poderia ter prometido algo menos radical considerando inclusive que, desde 2014, o Brasil não gasta menos que arrecada.
Arcabouço prevê punição
Clara Brenck, economista e pesquisadora associada no Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades (Made) da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP), também acha que a promessa do governo foi irreal e terá impactos negativos sobre a economia. Segundo ela, a meta tende a suprimir investimentos no ano que vem e até pressionar as contas de 2025.
Isso porque o próprio governo incluiu na lei do novo arcabouço fiscal uma punição para ele mesmo caso as metas estabelecidas para as contas públicas não sejam cumpridas. O arcabouço determina que o gasto público pode crescer no máximo 70% do crescimento da arrecadação anualmente, mas isso só se as contas estiverem equilibradas. Caso as metas fiscais não sejam cumpridas, esse percentual cai para 50%.
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Clara explicou que, como a meta zero dificilmente será cumprida, é provável que o governo seja punido pelo arcabouço. Sobraria, então, menos dinheiro para investimentos necessários para a melhoria da vida da população e para estimular a economia.
"Zerar esse déficit em 2024 pode ter sido uma meta ambiciosa demais e talvez, sim, desnecessária e um tanto ruim para o país", afirmou. "Se o governo não muda essa meta e você não tem o aumento da arrecadação esperado, você pode ter que cortar alguns tipos de gastos não obrigatórios, como os próprios investimentos."
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A economista e pesquisadora é a favor da revisão. Ela disse que o governo passaria por um constrangimento ao fazer isso agora. Contudo, poderia passar por um constrangimento ainda maior ao não cumprir suas promessas e ser punido por uma regra que ele mesmo criou para tentar equilibrar as contas públicas, o arcabouço.
"O governo definiu essa meta de déficit zero justamente para tentar ganhar confiança do mercado, mostrar que está disposto a fazer de tudo para arrumar as contas públicas, que não vai ser um governo que vai quebrar o país... Isso é muito positivo. O problema é se eles não conseguirem cumprir", disse. "Acho que seria melhor o governo rever essa meta do que não cumprir a meta no ano que vem."
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O economista Miguel de Oliveira, diretor-executivo da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), também acredita que o governo não cumprirá a meta de zerar o déficit fiscal em 2024. Ele disse inclusive que isso já era dado entre agentes do mercado financeiro antes mesmo de Lula admitir a possibilidade de descumprimento. Ele, porém, é contra a revisão.
"Assumir publicamente que a meta não será cumprida é ruim", disse ele. "Então, neste momento, é fazer uma pressão e tentar tentar aprovar medidas necessárias."
Decisão política
Pedro Faria, economista e pesquisador do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Faculdade de Ciências Econômicas (Cedeplar) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), também acha que o governo exagerou ao propor um déficit zero em 2024. Poderia ter sido mais realista.
Ele, contudo, disse que a meta pode ser atingida. Depende da vontade de deputados e senadores em aprovar medidas para aumento de arrecadação.
Para Faria, Haddad deixou claro em sua fala nesta segunda-feira que o déficit fiscal zero é uma decisão política. Segundo ele, o governo pode lançar mão de diferentes medidas para alcançá-lo caso isso seja mesmo necessário. Mas quer fazer isso aproveitando o desafio para rediscutir questões tributárias nacionais, como a taxação de super-ricos.
"Congresso e Judiciário, como disse Haddad, há dez anos que não se preocupam com a questão fiscal. Se preocupam em atender interesses particulares, de lobbies setoriais", disse ele. "Haddad falou que vai fazer o possível para cumprir a meta e jogou a responsabilidade para o campo político. Ele repetiu: isso é problema para os líderes dos partidos no Congresso resolverem."
Para zerar o déficit, segundo o governo, são necessários R$ 168 bilhões em arrecadação extra em 2024.
Edição: Nicolau Soares