A fala do presidente Lula (PT), na última sexta-feira (27), de que o governo “dificilmente” vai cumprir a meta de zerar o déficit primário nas contas de 2024 gerou repercussões. O Ibovespa, principal índice da Bolsa de Valores de São Paulo, recuou e o dólar subiu 0,46%, chegando a R$ 5,01.
A declaração foi de encontro à proposta orçamentária enviada pelo ministério da Fazenda, comandado por Fernando Haddad, ao Congresso Nacional. Nela, a estimativa é de déficit zero, desde que sejam implementadas as medidas que aumentem a arrecadação em até R$168 bilhões.
Se para alguns analistas e parlamentares a fala do presidente enfraquece a posição de Haddad nas negociações com o Congresso Nacional, para a presidenta do PT, Gleisi Hoffmann, Lula “protegeu” o ministro “ao trazer para si a responsabilidade da política fiscal e reconhecer que o resultado primário zero será impossível”.
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“O presidente Lula apenas assumiu que a realidade não permitirá o resultado almejado e, como um ponto importante de credibilidade, falou que a meta terá de ser reavaliada. É pura especulação a aposta de setores da mídia em uma reação negativa no Congresso. Ao contrário, quanto mais realistas as metas, menos complicadas ficam as negociações políticas. Sem drama”, postou Hoffmann em sua conta no X (antigo Twitter).
Em interpretação similar, o economista David Deccache, assessor na Câmara dos Deputados pelo PSOL, considera que o presidente foi tático ao desautorizar “metas irreais”.
A declaração de Lula aconteceu durante um café da manhã com jornalistas no Palácio do Planalto, logo depois de um encontro com Haddad fora da agenda oficial.
“Eu sei da disposição do Haddad, sei da vontade do Haddad, sei da minha disposição. Já dizer para vocês que nós dificilmente chegaremos à meta zero”, declarou Lula. “Eu não quero fazer corte de investimentos de obras. Se o Brasil tiver um déficit de 0,5%, o que que é? De 0,25%. O que é? Nada. Absolutamente nada. Vamos tomar a decisão correta e vamos fazer aquilo que vai ser melhor para o Brasil”, afirmou.
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Lula disse, ainda, que “tudo o que a gente puder fazer para cumprir a meta fiscal, a gente vai cumprir. O que posso te dizer é que ela não precisa ser zero. O país não precisa disso”. Exemplificando com obras de infraestrutura, o presidente ressaltou que não vai estabelecer uma meta fiscal que o obrigue a “começar o ano fazendo corte de bilhões” em políticas que sejam “prioritárias para este país”.
Na avaliação de Deccache, as metas de resultado primário inicialmente propostas pelo Ministério da Fazenda “são absolutamente irreais”. Sua visão é compartilhada pelos também pesquisadores Pedro Paulo Zahluth Bastos e Antonio José Alves Jr. Os três elaboraram uma nota técnica sobre o tema pelo Instituto de Economia da Unicamp.
“Não sou eu quem está falando isso. Quando essas metas foram anunciadas praticamente todo o mercado financeiro e toda a imprensa anunciaram que elas não seriam cumpridas porque matematicamente são praticamente inalcançáveis”, afirmou ao Brasil de Fato.
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Ainda assim, opina, essas metas estavam sendo defendidas por esses mesmos setores. “O que explica esse paradoxo? A explicação é razoavelmente simples: o mercado financeiro e a grande imprensa desejam sabotar o governo”, interpreta Deccache.
Em sua avaliação, à medida que as metas se frustrassem ao longo de 2024, o governo se veria obrigado a fazer profundos cortes de gastos públicos. “Mais o menos o que aconteceu em 2015, o que enfraqueceu demasiadamente o governo da presidenta Dilma naquele momento”, compara.
Para o economista, este cenário poderia se desdobrar em queda de apoio popular e em possíveis punições caso não se comprovasse que a aplicação dos contingenciamentos necessários. “Era muito grave a situação do governo se o presidente Lula não alterasse essas metas”, opina Deccache.
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Edição: Vivian Virissimo