CRISE HUMANITÁRIA

Ataques de Israel são 'limpeza étnica', diz embaixador palestino em Cuba: 'Não aceitaremos uma nova catástrofe'

Akram Samhan fez referência à Nakba de 1948, quando ataques provocaram o êxodo de mais de 700 mil árabes palestinos

Brasil de Fato| Havana (Cuba) |
Embaixador da Palestina em Cuba, Akram Samhan - EFE/ Ernesto Mastrascusa

O embaixador palestino em Cuba, Akram Samhan, exigiu um "imediato" cessar-fogo em Gaza e classificou os ataques israelenses como 'limpeza étnica' durante coletiva de imprensa na quarta-feira (25) em Havana, capital de Cuba. Números do Ministério da Saúde em Gaza desta quinta-feira apontam que 3 mil crianças foram mortas pelos ataques israelenses, que deixou um total de  7.028 mortes e 18.400 pessoas feridas. Cerca de 2 mil pessoas estão desaparecidas sob os escombros. 

"O que o Estado de Israel quer? Colocar em prática os sonhos do sionismo, aqueles que foram mostrados no mapa que o sr. Netanyahu apresentou na última Assembleia Geral da ONU, um mapa de Israel sem a Cisjordânia e sem Gaza. Eles não querem que nem o povo da Cisjordânia nem o povo de Gaza estejam lá. Eles querem os 28 mil quilômetros quadrados que são a Palestina histórica. Desejam realizar uma limpeza étnica", disse Samhan. "Não aceitaremos uma nova Nakba, uma nova catástrofe palestina. Exigimos um cessar-fogo imediato. O sangue que está sendo derramado é o sangue do nosso povo."

A Nakba é uma palavra árabe que pode ser traduzida como "catástrofe". É a maneira como os palestinos chamam o êxodo ao qual foram forçados em 1948: um deslocamento de civis fugindo da ofensiva de grupos paramilitares sionistas, como o Haganah, o Irgun e o Leji. Esses grupos paramilitares formaram o exército do Estado de Israel. 

Durante a Nakba, cerca de 750 mil pessoas foram deslocadas, o que representa mais da metade da população palestina na época. Suas casas e terras foram confiscadas, e mais de 500 aldeias foram arrasadas pelo nascente Estado de Israel. Muitos palestinos foram deslocados para países vizinhos como refugiados. Outros foram cercados dentro da própria Palestina histórica. Assim, muitas famílias palestinas chegaram ao enclave costeiro conhecido como Faixa de Gaza.

"A guerra contra nosso povo não começou em 7 de outubro. É uma guerra contínua desde maio de 1948, quando ocorreu a Nakba palestina, depois que gangues terroristas israelenses cometeram mais de 50 massacres e arrasaram mais de 500 vilas e cidades, transformando nosso povo palestino em refugiados", disse Samhan.

Estima-se que 70% a 80% dos 2,3 milhões de habitantes da Faixa de Gaza são refugiados da Nakba ou descendentes dos deslocados.

"O povo palestino está sofrendo uma nova catástrofe desde 7 de outubro. O Oriente Médio enfrenta grandes tensões que podem desencadear uma nova guerra regional a qualquer momento. O Oriente Médio está em perigo e o mundo também", alertou Samhan.

Acompanhado pelo corpo diplomático dos países árabes, Samhan exigiu que o direito internacional seja respeitado, permitindo a entrada de ajuda humanitária na Faixa de Gaza, que está bloqueada por Israel. Até o momento, o Ministério da Saúde de Gaza informou o "colapso total" do sistema de saúde da Faixa de Gaza, como resultado da falta de combustível causada pelo bloqueio. Doze dos 35 hospitais da região pararam de funcionar, enquanto os demais estão trabalhando a mais de 250% da capacidade, já que usam geradores de eletricidade à base de combustíveis. 

De acordo com o embaixador, em tempos "normais", Gaza precisa do abastecimento diário de 500 caminhões que transportam suprimentos de energia, alimentos e água. Devido ao bloqueio imposto por Israel na área há 14 anos, a única entrada para esses caminhões é o posto de controle de Rafah (Egito). No entanto, desde 7 de outubro, o Egito mantém fechado esse acesso - que é monitorado por Israel - , impedindo a entrada da ajuda humanitária necessária para assistir a população em meio a bombardeios incessantes.   

Nos últimos seis dias, as autoridades israelenses permitiram que apenas 45 caminhões com suprimentos básicos entrassem no país. Diante dessa situação, várias organizações internacionais denunciam uma "punição coletiva" contra a população palestina que viola o direito internacional. 

"A solução que nosso povo palestino quer é a paz. E o respeito à lei internacional, que estabelece a existência do Estado palestino sem ocupação", disse Samhan.

Além disso, o embaixador garantiu que "todos os amigos do terceiro mundo, organizados no G77 e na China, que constituem 80% da população mundial, bem como todos os países que acreditam na paz e na justiça, estão conosco. Ao mesmo tempo, testemunhamos mais uma vez os duplos critérios dos governos dos EUA, Reino Unido, França, Canadá, Itália e Japão, que permitem os crimes do Estado de Israel contra nosso povo".

Violação sistemática do direito internacional 

"O governo israelense esteve e está acima da lei internacional. Nenhuma das mais de mil resoluções internacionais do Conselho de Segurança da ONU e da Assembleia Geral da ONU foi implementada", exclamou Akram Samhan.  

"O governo israelense não respeitou nenhum acordo que fez com a Autoridade Nacional Palestina. Ele não aceita que exista um povo com uma identidade, nem aceita a legalidade internacional. Israel não aceita a resolução de dois Estados. É por isso que permite, especialmente com o atual governo de extrema direita, mais apropriação de terras, mais assentamentos, mais assassinatos, mais invasões da Cisjordânia e arma colonos que atacam aldeias palestinas diariamente." 

Estima-se que, nos últimos 20 anos, o número de colonos israelenses estabelecidos nos territórios palestinos da Cisjordânia quadruplicou, passou de 170 mil para 700 mil. Esse processo se acelerou recentemente. De acordo com a ONU, somente em 2022 o Estado de Israel construiu 4.800 novas casas nos territórios ocupados, o que foi expressamente proibido pelo direito internacional.

Essa contínua usurpação de colonos ocorre em um cenário de uma escalada silenciosa e constante de violência contra o povo palestino. Violência que vem aumentando em um ritmo alarmante ano após ano. 2022 já havia se tornado o sexto ano consecutivo com o maior número de palestinos mortos na Cisjordânia por colonos e forças de ocupação israelenses desde que a ONU começou seu monitoramento em 2005.

Essa tendência já havia sido superada nos meses que antecederam o dia 7 de outubro de 2023. Somente de janeiro a maio deste ano, a ONU estimou que as forças israelenses haviam matado 143 palestinos: 112 na Cisjordânia e 31 em Gaza. 

Em fevereiro de 2022, foi publicado pela Anistia Internacional um relatório intitulado Israel: apartheid israelense contra a população palestina: sistema cruel de dominação e crime contra a humanidade. O relatório mostrou como Israel impõe um regime de colonialismo e opressão institucionalizada contra o povo palestino. 

Em janeiro deste ano, o governo israelense anunciou sanções à Autoridade Nacional Palestina na Cisjordânia em represália a um pedido de investigação feito na Corte Internacional de Justiça sobre os assentamentos israelenses ilegais nos territórios ocupados. 

"Fizemos inúmeros apelos ao mundo, alertando que a situação é insuportável e pode explodir a qualquer momento. No entanto, ninguém deu ouvidos ao aviso", lamentou o diplomata palestino em Cuba.

 

Edição: Leandro Melito