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Conheça a vida dos jovens palestinos que estudam medicina em Cuba

Com bolsas do governo cubano, futuros médicos afirmam querer voltar para seu país após a conclusão dos estudos

Havana (Cuba) |
Estudantes palestinos de medicina na ELAM - ELAM

Cuba comemorou junto com a comunidade palestina o 75º aniversário da Nakba na última sexta-feira (19). A data relembra o momento em que o povo palestino foi forçosamente expulso de suas terras como resultado da criação do Estado de Israel. O evento político e cultural foi realizado na Escola Latino-Americana de Medicina (ELAM), na qual mais de 100 palestinos estão estudando atualmente.

A comemoração contou com a presença do embaixador palestino em Cuba, Akram Samhan, do presidente do Instituto Cubano de Amizade com os Povos (ICAP), Fernando González, e de várias autoridades do Partido Comunista Cubano e da Federação Universitária de Estudantes.

Em entrevista ao Brasil de Fato, o embaixador palestino destacou que "atualmente temos mais de 250 palestinos estudando medicina em Cuba. Todos eles têm bolsas de estudo do governo cubano. Eles vivem e estudam aqui como qualquer outro cubano". E acrescenta que "viver na ilha faz com que os estudantes defendam a causa cubana, que eles sentem ser a sua causa, assim como os cubanos sentem a nossa causa e a de todos os povos do mundo".

Pátria é a humanidade

Murid Abu Khater começou a trabalhar quando criança, nas férias escolares. Seu último emprego foi em uma loja onde vendia sapatos, mas ele também foi pedreiro e vendedor ambulante. Depois de se formar no ensino médio, ele começou um curso de enfermagem em seu assentamento em Gaza. Desde criança, ele queria estudar medicina, mas sua família não tinha dinheiro para pagar a universidade. Há seis anos, Murid Abu Khater chegou a Havana para estudar medicina sem falar uma palavra de espanhol.

"Cheguei a Cuba mais tarde do que o planejado, porque não pude sair de Gaza, pois a fronteira estava fechada. Portanto, não pude participar dos primeiros cursos de espanhol. Mas os professores e meus colegas da Colômbia me ajudaram", disse Murid Abu Khater ao Brasil de Fato.

"Em Gaza não há turismo e a ocupação israelense não permite que os palestinos visitem outros lugares. Portanto, eu nunca havia estado com pessoas de outros países. Quando cheguei aqui, a mudança foi enorme, na ELAM havia pessoas de 90 países diferentes", lembra.

Abu Khater conta que se sente muito próximo do resto da comunidade palestina na ilha. Além de estudar e participar de atividades ligadas às lutas palestinas, eles compartilham atividades sociais como qualquer jovem estudante. Ele ri quando lhe perguntam se aprendeu a dançar como os cubanos. Diz que não, mas tenta.


Mais de 100 palestinos estudam na Escola Latino-Americana de Medicina / ELAM

"No início, quando surgiu a oportunidade de ir a Cuba, minha família ficou um pouco assustada. Eles achavam que poderia ser perigoso", diz Abu Khater, refletindo: "Muitas vezes você não conhece a América Latina de fora e a primeira coisa que você pensa quando pensa nela é em tráfico de drogas, mafias e coisas assim. Mas então minha família percebeu que não era assim em Cuba".

Esses seis anos na ilha não só permitiram que Abu Khater aprendesse medicina e espanhol, mas também que conhecesse a realidade cubana diariamente. A desinformação que existe sobre os dois países é notória.

"Acho que algo semelhante entre Cuba e a Palestina é a dificuldade da vida cotidiana. Lá temos um bloqueio total: controle econômico e territorial. E aqui também há um bloqueio econômico. Isso faz com que a situação econômica, podemos dizer, seja semelhante. A diferença é a segurança. Aqui ninguém pode jogar uma bomba em você quando está caminhando para comprar pão ou indo para uma festa, uma atividade ou qualquer outra coisa. Aqui você vive com muita segurança, mas lá você não sabe quando vai morrer. Você não sabe quando podem jogar uma bomba em você, você não sabe quando vai dormir se vai acordar vivo."

Solidariedade cubana com a causa palestina

A colaboração de Cuba com o povo palestino começou oficialmente no início da década de 1970, ganhando notoriedade após a conferência do Movimento dos Não Alinhados em 1973. Naquela época, Cuba rompeu relações com o Estado de Israel, entregando a então embaixada israelense em Havana ao movimento de resistência palestino, a Organização para a Libertação da Palestina (OLP).   

"Nos primeiros anos da revolução cubana, Che Guevara visitou Gaza e, a partir daquele momento, os vínculos entre nossos povos e nossas lutas começaram a crescer", diz Akram Samhan.

"Naqueles anos, o presidente egípcio [Gamal Abdel] Nasser era uma forte presença do nacionalismo anti-imperialista árabe. Che viajou para a região para estabelecer os vínculos que mais tarde formariam o Movimento dos Não Alinhados. Nessa viagem, Che visitou os campos de Gaza e foi o próprio povo palestino, que sentia grande simpatia pela revolução cubana, que pediu a ele que transmitisse a Fidel [Castro] a justa causa de nosso povo".   

Em 1974, o líder histórico da OLP, Yasser Arafat, foi convidado pela primeira vez a participar da Assembleia Geral da ONU, onde proferiu seu famoso discurso que terminou exortando a ONU a "não deixar que o ramo de oliveira caia da minha mão", em uma alegoria da luta pela paz e pela autodeterminação dos povos. Após essa conferência, visitou Cuba pela primeira vez, a convite de Fidel Castro.

"Durante essa visita, foi reforçado o apoio fundamental dado por Cuba ao povo palestino até o momento. Esse apoio foi baseado principalmente na oportunidade de formar nossos jovens em diferentes carreiras universitárias. Cuba sempre nos apoiou fornecendo educação e saúde ao nosso povo", diz Akram Samhan.


Comemoração do aniversário da da Nakba na ELAM / ELAM

Não deixe que o ramo de oliveira caia da minha mão

Desde 2012, a ONU reconhece a Palestina como um Estado observador não membro das Nações Unidas. No entanto, este ano, pela primeira vez, a ONU comemorou oficialmente a data da Nakba. O evento foi decidido em novembro passado pela Assembleia Geral da ONU em uma resolução que obteve mais de 90 votos a favor.

Durante a comemoração, a oficial de assuntos políticos da ONU, Rosemary Di Caprio, disse que "a questão palestina está intimamente ligada à história e à Carta das Nações Unidas". Ela enfatizou que "os palestinos merecem uma vida de justiça e dignidade e a realização de seu direito à autodeterminação e independência".

Em 1948, a ONU, em resposta ao deslocamento forçado dos palestinos de suas terras, aprovou a Resolução 194, que afirmava que "os refugiados que desejassem voltar para suas casas deveriam ter permissão para fazê-lo o mais rápido possível e viver em paz com seus vizinhos". Ela também afirmava que "a indenização por danos deve ser paga a todos aqueles que não desejam retornar às suas terras".

Em 1967, após a Guerra dos Seis Dias, a resolução 242 da ONU estipulou que Israel deveria retirar seu exército dos territórios recentemente ocupados pela guerra e reconhecer a soberania e a independência política de cada estado da região.

Em 1980, o Conselho de Segurança da ONU aprovou a Resolução 478, que afirma que as Nações Unidas "censuram nos termos mais fortes" a tentativa do Parlamento israelense de proclamar a cidade de Jerusalém "inteira e unificada", o que não reconheceria a reivindicação palestina de parte da cidade.  

O desrespeito sistemático a essas resoluções, e a muitas outras ao longo dos anos que atualizaram essas determinações do direito internacional, fez com que a ocupação da Palestina gerasse a mais ampla crise de refugiados que o mundo está enfrentando atualmente.

"Por que vocês não nos protegem? Não somos humanos?", perguntou o presidente palestino Mahmoud Abbas à ONU em seu discurso na comemoração da Nakba. "Ofereçam-nos proteção internacional, estamos sob ataque, implementem uma, apenas uma das resoluções que a ONU aprovou, qualquer uma que queiram, escolham uma", acrescentou Abbas ao plenário.

Nós ensinamos a vida, senhor  

"Quero terminar meus estudos e voltar ao meu país. Voltar para a Faixa de Gaza. Porque lá eles precisam de ajuda de todos os lados, ajuda de seus filhos. Há muitas pessoas lá que precisam de ajuda", diz Murid Abu Khater com uma convicção inabalável em sua voz.

Sua resposta não é diferente da de outros palestinos que vieram estudar em Cuba. A ideia de retornar à Palestina para ajudar seu povo surge em todas as conversas dos jovens palestinos quando eles falam sobre seu futuro.   

Abu Khater não volta à Palestina há seis anos. "Tenho apenas dois meses de férias e as fronteiras costumam estar fechadas ou simplesmente não nos deixam passar. A Palestina não tem aeroporto próprio e as fronteiras são controladas pelo exército israelense".

Quando perguntado sobre o que sente falta em seu país e o que recomendaria a um estrangeiro que visita a Palestina, Abu Khater sorri: "Eu também gostaria de visitar meu país, ver a Palestina. Sou da Faixa de Gaza e nunca tive a oportunidade de visitar outras partes, como Jerusalém. Os lugares bonitos são onde está a ocupação israelense. A Faixa de Gaza também é muito bonita, mas a guerra não deixou nada para trás... apenas casas destruídas.  Eu gostaria de conhecer a Palestina".

"O que é Cuba para os palestinos? Cuba é como uma segunda mãe, que cuida de nós, nos ensina, nos alimenta. Cuba é um país pobre, todos nós sabemos que Cuba é um país pobre. Mas eles compartilham o que têm, têm pouco, mas compartilham o que têm. A Revolução Cubana fez com que eles compartilhassem tudo o que têm com o resto das pessoas que estão revolucionando, lutando contra o imperialismo" diz Murid Abu Khater.

Edição: Thales Schmidt