CRISE HUMANITÁRIA

Estudo inédito expõe ligação entre senador bolsonarista e genocídio Yanomami

Investigação da Transparência Brasil revela interferência política na saúde indígena e denuncia conflito de interesses

Brasil de Fato | Lábrea (AM) |

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Mecias de Jesus durante encontro com Bolsonaro em dezembro de 2022 - Divulgação/Mecias de Jesus

Um estudo inédito da ONG Transparência Brasil divulgado nesta segunda-feira (3) expõe a conexão entre o senador bolsonarista Mecias de Jesus (Republicanos-RR) e a crise sanitária que provocou a morte de pelo menos 570 crianças na Terra Indígena Yanomami, em Roraima.

Segundo o estudo, o ex-coordenador do Distrito de Saúde Indígena (DSEI) Yanomami Rômulo Pinheiro de Freitas tem relações estreitas com Mecias de Jesus, antigo defensor do garimpo em terras indígenas e integrante da Comissão do Senado que acompanha a expulsão dos garimpeiros do território Yanomami.

De acordo com o Ministério Público Federal (MPF), a má gestão da saúde indígena foi fator determinante para a crise humanitária que atinge os indígenas de Roraima. Faltaram remédios contra verminose para crianças e disponibilidade de voos pela empresa contratada para fazer as remoções aéreas dos pacientes para Boa Vista (RR).

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"O caso evidencia a vulnerabilidade às interferências políticas nos DSEIs, que deveriam ser comandados por pessoas com qualificação técnica adequada, diferentemente de Rômulo. Além disso, ele possuía interesses comerciais junto aos órgãos antes de ser coordenador, através das empresas de seu irmão, Ricardo Pinheiro de Freitas", afirma a Transparência Brasil, que atua há mais de 20 anos em favor do controle social sobre o poder público.

Não é o primeiro caso de um político bolsonarista com influência na saúde Yanomami. Em fevereiro, o Brasil de Fato mostrou que o senador Chico Rodrigues (DEM), também de Roraima e amigo de longa data de Jair Bolsonaro (PL), era ligado a uma empresa acusada de desvio de medicamentos dos Yanomami que deixou 10 mil crianças sem remédio recebeu R$ 3,5 milhões em contratos com Ministério da Saúde e Exército. A assessoria de Chico Rodrigues negou ter influência na saúde indígena de Roraima.

Os citados pela Transparência Brasil foram procurados pela reportagem. Caso haja resposta, o texto será atualizado.

Entenda o caso

A Transparência Brasil afirma que Rômulo trabalhou como assistente administrativo na Secretaria de Saúde do Estado de Roraima. Em seguida, passou a atuar como representante legal das empresas do irmão em dezenas de contratos com o governo estadual. As empresas receberam ainda R$ 197 mil do governo federal e forneceram materiais de escritório ao DSEI Yanomami em 2015.

Em 2020, ele foi nomeado para o DSEI Yanomami por indicação do senador Mecias e de seu filho, Jhonatan de Jesus, que era deputado federal. Em março deste ano, Jhonatan assumiu cargo de ministro no Tribunal de Contas da União, sob indicação da Câmara dos Deputados.

O estudo afirma que Mecias é alvo de uma investigação sigilosa do MPF. O senador seria suspeito de favorecer a contratação da empresa Táxi Aéreo Piquiatuba pelo governo federal para fazer o transporte na terra Yanomami.

De janeiro de 2010 a março de 2023, diz a ONG, o governo federal firmou 22 contratos com a Piquiatuba para o serviço de táxi aéreo em regiões indígenas, totalizando R$ 160 milhões, somados aditivos e renovações. Um contrato formalizado em 2019 por R$ 8,7 milhões com dispensa de licitação para serviços ao DSEI Yanomami foi executado durante a coordenação de Rômulo.

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"Em 2020, a empresa foi acusada pelo MPF de ser o braço do garimpo ilegal em Roraima. No cofre de seu fundador, Armando Amâncio da Silva, foram apreendidos 44 kg de ouro proveniente de garimpo ilegal, segundo processo em andamento na Justiça Federal de Roraima", ressalta a Transparência Brasil.

Mecias elaborou um projeto de lei que com o objetivo de liberar a "pesquisa e concessão de lavra garimpeira a terceiros em terras indígenas". Ele também já assinou o pedido de perdão criminal para garimpeiros flagrados ilegalmente nas terras Yanomami.

No final de 2021, o MPF constatou a piora acelerada nos indicadores de saúde dos Yanomami. O serviço custou R$ 190 milhões em dinheiro público nos dois anos anteriores. Um ano depois, o MPF recomendou a interferência do Ministério da Saúde para "garantia da correta aplicação das verbas", o que foi acatado pelo governo federal, já na gestão de Lula (PT).

"Exonerado em 2022, Rômulo terminou a gestão do DSEI marcado por denúncias de falta de assistência ao território Yanomami, interrupção de serviços de transporte aéreo e desvio de vacinas por servidores, em troca de ouro. O sucessor de Rômulo no DSEI, Ramsés Almeida, também foi nomeado ao cargo por indicação de Mecias e Jhonatan", conclui a Transparência Brasil.

Edição: Nicolau Soares