Os partidos de direita da Venezuela elegeram, em eleições primárias realizadas neste domingo (22), a candidata ultraliberal Maria Corina Machado para concorrer às eleições presidenciais que devem ocorrer no segundo semestre de 2024. O objetivo da consulta eleitoral foi de definir um candidato unificado entre diversos partidos de oposição ao governo de esquerda de Nicolás Maduro.
No entanto, apesar de sair vencedora da consulta, Machado está longe de ser uma unanimidade entre a oposição, e a unidade propagada por alguns setores da direita deve estar ameaçada. O candidato do partido Ação Democrática, Carlos Prosperi, recusou-se a reconhecer os resultados e denunciou falhas no processo de votação.
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Confusões envolvendo locais de votação e ausência de material com cédulas e urnas foram reportados antes e durante o processo. A ausência de estruturas adequadas resultou da recusa por parte da oposição em aceitar o apoio técnico do Conselho Nacional Eleitoral (CNE), órgão responsável por realizar todas as eleições no país.
Além disso, não foi informado se o processo contou com a presença de observadores independentes, nacionais ou internacionais, tanto no momento de votação quanto durante a apuração. O Brasil de Fato visitou três centros de votação em diferentes regiões da capital Caracas e em nenhum deles foi possível constatar a presença de observadores.
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Os primeiros resultados parciais só foram divulgados quase dez horas depois do fechamento das urnas. A comissão que organiza as primárias só foi capaz de apurar 26% das urnas, cifra que deu à Maria Corina 93% dos votos. Até as 16h desta segunda-feira (23), 24 horas depois do fechamento das urnas, a quantidade de urnas apuradas continuava a mesma.
Filha de um dos maiores empresários do ramo metalúrgico da Venezuela, Machado entrou para a política como diretora de uma ONG que apoiou o golpe de 2002 contra o ex-presidente Hugo Chávez e organizou referendos revogatórios contra o ex-mandatário. Foi deputada eleita em 2011, mas cassada em 2014 após aceitar um cargo do governo do Panamá na Organização dos Estados Americanos (OEA) para denunciar os supostos crimes do atual presidente venezuelano Nicolás Maduro.
Conservadora e ultraliberal, Machado quer chegar à Presidência da Venezuela com um programa massivo de privatizações, incluindo a estatal petroleira PDVSA. No campo ideológico, a opositora se diz abertamente anti-comunista e promete "varrer o socialismo" do país.
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'Primárias não mudam nada'
Após os resultados, a maioria dos outros nove candidatos que disputavam as primárias reconheceu o triunfo de Machado. A opositora, por sua vez, agradeceu o apoio e disse que a votação é "o começo do final, vamos até o final".
"O lema dela é 'até o fim', 'hasta el final' e não sabemos exatamente o que isso significa, se ela quer voltar ao esquema dos protestos violentos ou não", afirma Ricardo Vaz. Analista político e editor do portal especializado em política venezuelana Venezuelanalysis, ele afirma que a votação deste domingo (22) foi feita sob medida para tentar legitimar Machado, mas que, na prática, não deve mudar a conjuntura.
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"Eu não vejo nenhum argumento que force a suspensão da proibição que Maria Corina tem de ser candidata, pois é uma proibição bastante razoável se levarmos em conta toda a trajetória dela. De alguma forma, as primárias reforçam sua posição dentro do campo opositor, mas não cria necessariamente uma saída ou um caminho viável para que ela possa concorrer nas eleições presidenciais de 2024", diz.
Machado está inabilitada desde 2015 de ocupar cargos públicos e, portanto, não poderia se candidatar à Presidência em 2024. Ela foi sancionada pela Controladoria-Geral da República por ocultar rendimentos de sua declaração de patrimônio no período em que foi deputada, acusações que ela nega.
"Neste momento, Maria Corina se sente com esse posto imaginário da figura que representa a luta contra o governo. Agora, o que isso significa na prática é que é a dúvida. E vai depender muito dos outros setores da oposição que, vale a pena lembrar, não morrem de amores por ela", afirma.
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Vaz ainda alerta para a incerteza frente à reação dos Estados Unidos, que apoiam as primárias, mas ainda não felicitaram a vitória de Machado. Recentemente, Washington flexibilizou algumas sanções contra a Venezuela após um acordo entre governo e oposição.
"O objetivo dela é ser presidente da Venezuela e, agora, ela vai tentar ter mais legitimidade frente a outros setores da oposição. Há rumores que ela pode exigir a liderança das negociações com o governo. Acho pouco provável, mas é o tipo de extremismo que Maria Corina sempre propôs", diz.
Edição: Rodrigo Chagas