Enquanto o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) cancela planos de privatizações, pelo menos seis governadores insistem em vender empresas estatais prestadoras de serviços públicos. Tarcísio de Freitas (Republicanos), de São Paulo, Eduardo Leite (PSDB), do Rio Grande do Sul, Ratinho Júnior (PSD), do Paraná, Renato Casagrande (PSB), do Espírito Santo, Romeu Zema (Novo), de Minas Gerais, e Ronaldo Caiado (UB), de Goiás, já venderam ou pretendem vender companhias estaduais.
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A intenção deles contraria uma tendência mundial. Fora do Brasil, tem crescido o número de empresas reestatizadas pelo poder público, assim como ganha força a visão de que a privatização não é a melhor solução para a garantia de serviços básicos de qualidade.
“De fato, depois da pandemia, há uma tendência de reestatização”, confirmou Mauricio Weiss, economista e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). “Se observou que muitos países estavam ficando dependentes de outros e que algumas empresas privatizadas prestavam serviços estratégicos para a soberania.”
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Segundo monitoramento realizado pela entidade holandesa Transnational Institute (TNI), houve 1.658 casos de "desprivatização" de serviços no mundo desde o ano 2000.
De acordo com dados tabulados pelo TNI, de 2000 a 2010, 417 casos ocorreram – média de 37 por ano. Já de 2011 a 2021, foram 1.227 casos – média de 111 por ano, alcançando um teto de 196 casos só durante 2016.
Ainda segundo o TNI, reestatizações de empresas de água e energia são as mais comuns no mundo. Foram 393 na área de água e saneamento e outros 383 na área de energia. Juntas, são 46% do total.
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“Houve casos notórios”, acrescentou Pedro Faria, economista e pesquisador do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Faculdade de Ciências Econômicas (Cedeplar) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). “Houve a reestatização da empresa de energia na França [Électricité de France] e discussões sobre a reestatização de uma empresa de água e saneamento no Reino Unido [Thames Water]”.
Razões para reestatizar
A busca pela melhora dos serviços e a pela redução de custos são os motivos mais frequentes para a reestatização, de acordo a TNI.
Faria explicou que donos de empresas privatizadas tornam-se monopolistas pois assumem um lugar que era do Estado. Sem concorrentes, tendem a reduzir investimentos no longo prazo. Isso, por consequência, compromete a qualidade do serviço prestado, atrapalhando a vida da população que depende dele e forçando o governo a agir.
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“As empresas não investem porque sabem que prestam um serviço essencial e que, no dia em que ele tiver problema, o governo será obrigado a reassumí-lo”, explicou. “Nas privatizações, existe uma tendência natural ao subinvestimento.”
O economista ainda disse que os governos, por meio da regulação, poderia forçar as empresas privatizadas a manterem o nível de satisfação de seus usuários. Na prática, porém, órgãos reguladores acabam captados pelos interesses privados. Ou seja, já não fiscalizam mais.
“Quando você privatiza, cria-se um risco de captura da agência regulatória. Ela vira uma ‘carimbadora’ de propostas das empresas”, afirmou. “Isso já acontece em várias agências não só do Brasil como em todo o mundo.”
Por que o Brasil insiste?
Weiss afirmou que a agenda de privatizações no Brasil ainda tem força, basicamente, por dois motivos. O primeiro é ideológico: alguns políticos no Brasil, alinhados à direita, vendem o patrimônio público porque, na verdade, querem beneficiar o setor privado.
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Segundo, disse ele, porque veem na privatização uma solução simples para a falta de recursos públicos. Solução esta, aliás, que prejudica ainda mais o caixa de governos no longo prazo.
“A direita costuma acusar a esquerda de ter pautas populistas, mas a privatização é bem populista. Ela permite uma entrada de dinheiro rápido para uma aparentemente melhora de serviço no curto prazo. Depois, as empresas param de investir e o Estado ainda perde a capacidade de arrecadar coma estatal.”
Weiss disse que defensores da privatização reclamam do custo de empregados públicos e de como isso pressiona tarifas do serviço estatal. Para ele, ao privatizar, a eventual economia com empregados acaba virando lucro empresarial. Não é convertida em redução de preços ou investimentos. Por isso, acaba não fazendo sentido.
Projetos no Brasil
Tarcísio de Freitas já declarou que pretende privatizar a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) e a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM).
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No RS, Eduardo Leite assinou em julho da venda da Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan); no mesmo mês, Renato Casagrande privatizou Companhia de Gás do Espírito Santo (ES Gás); já Ratinho Júnior (PSD) vendeu a Companhia Paranaense de Energia (Copel) em setembro.
Romeu Zema encaminhou no mês passado à Assembleia Legislativa do estado (ALMG) uma proposta de emendas à Constituição Mineira para facilitar as privatizações da privatização da Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) e da Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa). Já Ronaldo Caiado sancionou em setembro uma lei que autoriza o governo de Goiás a vender a Companhia Celg de Participações (Celgpar).
Lula, por sua vez, cancelou privatizações planejadas por seus antecessores Michel Temer (MDB) e Jair Bolsonaro (PL). Ainda em abril, ele retirou sete empresas do Programa Nacional de Desestatização (PND) e três do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), entre elas os Correios e a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).
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No governo Lula, a Petrobras também paralisou a venda de seus ativos. Já A Advocacia-Geral da União (AGU) abriu um processo para que o Supremo Tribunal Federal (STF) considere inconstitucional um trecho da lei que autorizou a venda da Eletrobras e reduziu o poder de voto do governo sobre a empresa
Edição: Rodrigo Durão Coelho