Após negociações que se estenderam por meses, o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), realizou uma reestruturação ministerial em seu governo, alocando membros do centrão em troca de apoio político no Congresso Nacional.
Com a reforma, o partido do vice-presidente Geraldo Alckmin, o PSB, perdeu espaço. O deputado federal Silvio Costa Filho (Republicanos-PE) ocupará o lugar de Márcio França (PSB-SP) no Ministério de Portos e Aeroportos. Na mesma linha, com a saída da medalhista olímpica Ana Moser do Ministério dos Esportes, houve uma redução na presença de mulheres no mais alto escalão governamental. Moser deu lugar a André Fufuca (PP-MA), líder da bancada do partido na Câmara dos Deputados.
Republicanos e PP têm 41 e 49 deputados, respectivamente, o que representa aproximadamente um quinto dos parlamentares na Câmara. A modificação gerou insatisfação entre a ala mais à esquerda do governo federal, que acusou gestão Lula de ceder espaço a políticos alinhados ao bolsonarismo. As bancadas dessas siglas no Nordeste, no entanto, apoiaram majoritariamente o petista nas eleições do ano passado e trabalham para consolidar a aliança.
Lincoln Telhado, mestre em ciência política pela Universidade de Brasília (UnB), avalia a reforma como positiva dentro da perspectiva de apoio entre os parlamentares e de abrandamento de discursos contrários ao governo federal no Congresso. "Dificilmente a gente vai ver um presidente da Câmara [Arthur Lira, do PP-AL] dando entrevistas como ele deu alguns meses atrás, falando que ele não ia mais organizar a base do governo, que não era papel do presidente da Câmara fazer isso", afirma Telhado.
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Para o cientista político, a reforma vem também para formalizar um apoio que já vinha ocorrendo entre alguns congressistas. Silvio Costa Filho, por exemplo, votou a favor do governo em 95% das votações na Câmara. André Fufuca, em 80%, segundo levantamento do Radar do Congresso, do site Congresso em Foco, com informações de votações ocorridas até 15 de agosto deste ano.
"Pensando na articulação de forma pragmática, o governo ganha porque formaliza algo que já vinha ocorrendo. Por exemplo, o Republicanos, que está entrando, já vinha entregando bastante voto ao governo. Inclusive isso vinha sendo argumentado pelos líderes partidários para que esses partidos conseguissem um espaço formal nos ministérios", afirma. "Acho que é uma forma bem razoável."
"Tem pessoas que estão dizendo que essa reforma foi um desastre. Mas eu vejo com um pouco mais de ressalva. Lula consegue ser bem pragmático nesse sentido. Ele desloca um ministro da base, que é o Márcio França, e demite Ana Moser, que não estava dando nenhum capital político para o governo."
Na mesma linha, o cientista político Paulo Niccoli Ramirez, professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, afirma que a reforma dá um fôlego ao governo, tendo em vista que a maioria dos parlamentares são conservadores. "O governo Lula busca formar maioria no Congresso para aprovar projetos importantes, como o arcabouço fiscal, que ainda precisa passar pelo Senado."
O docente também aponta para um caráter estratégico na reforma ministerial, que é o enfraquecimento dos partidos alinhados ao bolsonarismo. Tanto Republicanos quanto o PP estão "repletos de políticos bolsonaristas. Isso traz uma saia justa para esses partidos, gerando divisões internas. Mais do que isso, os eleitores bolsonaristas que votaram nesses partidos acabam contestando as siglas, que saem enfraquecidas para as eleições municipais do ano que vem."
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Ramirez, entretanto, aponta que o centrão pode demandar mais espaço no governo a despeito das últimas duas conquistas. Apuração da CNN Brasil desta terça-feira (12) mostrou que existe a possibilidade de o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), prorrogar os trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Depois de se reunir com Lira, o presidente da CPI, o deputado Tenente-Coronel Zucco (Republicanos-RS), declarou que o chefe da Câmara levará o pedido para ser analisado pelos líderes.
Divisão partidária e por gênero
Com a reforma, na divisão partidária, o PT continua com 10 ministérios: Rui Costa na Casa Civil; Wellington Dias no Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome; Márcio Macêdo na Secretaria-Geral da Presidência; Paulo Pimenta na Secretaria de Comunicação Social; Fernando Haddad na Fazenda; Camilo Santana na Educação; Paulo Teixeira no Desenvolvimento Agrário; Luiz Marinho no Ministério do Trabalho; Alexandre Padilha na pasta das Relações Institucionais; e Cida Gonçalves no Ministério das Mulheres.
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Com o União Brasil, partido que faz parte do centrão, estão três pastas: Desenvolvimento Regional com Waldez Góes; Comunicações com Juscelino Filho; e Turismo com Celso Sabino. Este último passou a compor a Esplanada dos Ministérios após Daniela Carneiro (União-RJ) ser exonerada do cargo, em 14 de julho. Carneiro foi a primeira mulher a deixar o governo.
Também são três os ministérios com o MDB: Jader Filho nas Cidades; Transportes com Renan Filho; e Simone Tebet no Planejamento. Apesar de ter congressistas alinhados ao fisiologismo que marca a atuação de parlamentares do centrão, nos últimos anos parte do MDB vem se posicionando mais ideologicamente à direita no Congresso Nacional.
PSD e PSB dividem seis pastas igualmente, cada um com três: André de Paula na Pesca, Alexandre Silva no Ministério de Minas e Energia; e Carlos Fávaro na Agricultura. Com o PSB, mais alinhado ideologicamente ao governo federal, Geraldo Alckmin no Desenvolvimento e Indústria; Flávio Dino na Justiça; e agora Márcio França no recém-criado Empreendedorismo, Cooperativismo e Economia Criativa.
Outros cinco partidos têm um ministério cada: Carlos Lupi (PDT) comanda a Previdência Social; Sonia Guajajara (PSOL) está à frente dos Povos Indígenas; José Múcio Monteiro (PTB) chefia a Defesa; Luciana Santos (PCdoB) está na Ciência, Tecnologia e Inovação; e Marina Silva (Rede) é a chefe do Meio Ambiente.
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Seis ministérios têm chefes que não são filiados a partidos políticos, mas que se posicionam mais à esquerda: Margareth Menezes na Cultura; Esther Dweck em Gestão e Inovação em Serviços Públicos; Nísia Trindade na Saúde; Silvio Almeida nos Direitos Humanos e Cidadania; Anielle Franco na Igualdade Racial; e Mauro Vieira nas Relações Exteriores.
Além da reconfiguração partidária no primeiro escalão do governo, Lula perdeu o recorde de mulheres na Esplanada dos Ministérios. No começo, eram 11 em 37 pastas. Agora, são 9 em 38. Até então, o maior patamar era o de Dilma Rousseff (PT), que teve 10 em 37 ministérios. A redução feminina poderia ter sido maior, já que os nomes de Luciana Santos e de Cida Gonçalves chegaram a ser ventilados como alvos de troca durante a reforma ministerial.
Edição: Thalita Pires