Tendo em vista o crescimento, as características precárias e a ausência de qualquer tipo de proteção social aos trabalhadores subordinados às plataformas digitais, o governo federal constituiu um Grupo de Trabalho (GT) composto por representantes do governo, do patronato e dos trabalhadores para levantar propostas que subsidiarão uma legislação específica à regulamentação desse tipo de trabalho.
Desde os primeiros encontros do GT, os representantes dos trabalhadores por aplicativos têm dialogado e encontrado consenso em torno de propostas não apenas voltadas a um valor mínimo pela jornada de trabalho, mas também com relação à transparência algorítmica dos dados e às regras impostas unilateralmente pelas empresas.
No penúltimo encontro, ocorrido no mês de julho, a bancada dos trabalhadores – composta por dirigentes de sindicatos oficiais e extraoficiais, membros de associações e lideranças locais –, conseguiu pressionar as empresas para que assumissem o compromisso de apresentarem listas com os custos de trabalho, permitindo, desta forma, quantificar o mínimo que todo trabalhador deve ganhar diante dos custos gerais que existem com a realização do trabalho.
:: Uberização no trabalho é 'aceitar o péssimo para que não fique horrível', aponta especialista ::
Ocorre que na última reunião do GT, na terça-feira, 29 de agosto, os representantes das empresas donas das plataformas digitais apresentaram propostas consideradas pelos representantes dos trabalhadores como “defasadas” – contendo dados que não condizem com a realidade precária desses trabalhadores e que rebaixam os seus orçamentos e condições de trabalho.
Em seu site oficial, a Federação Brasileira de Motociclistas Profissionais (Febramoto) afirma que se caso não haja entendimento ou contraproposta por parte dos representantes das empresas, haverá uma greve nacional envolvendo todas as entregas feitas por aplicativos digitais: “As associações que representam as empresas de aplicativos estão de brincadeira e não mostrando um pingo de preocupação pelas dificuldades e necessidades que os entregadores estão passando. Já são 120 dias de negociação até aqui, sem nenhum avanço”.
Os representantes das empresas se dividem em duas organizações: a Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec), que reúne empresas como a Amazon, Ifood, Flixbus, Uber, Zé Delivery, Buser, 99 e Lalamove, dentre outras, e o Movimento Inovação Digital (MID), que reúne empresas como o Mercado Livre, GetNinjas, Paypal, Loggi, Movile, Americanas, C6 Bank, Facily, Rappi, OLX e euEntrego.
:: Como a terceirização e a uberização precarizam as condições de vida dos trabalhadores ::
Em vídeo produzido pela Aliança Nacional dos Entregadores por Aplicativos (ANEA), representantes dos trabalhadores apontam que “as empresas apresentaram uma proposta totalmente desrespeitosa, de R$ 12 por hora efetivamente trabalhada, o que significa ganhar apenas quando se está com o pedido na mochila”. Em outras palavras, essa proposta desconsidera que o tempo parado, esperando a chamada para realização de tarefas, também é tempo de trabalho. Ademais, como os dados das empresas são ocultos, sem nenhuma transparência algorítmica, nada impediria que a totalização das “horas efetivamente trabalhadas” não poderiam ser manipuladas pelas empresas, ao impedir ou dificultar a totalização dessas horas por dia.
No vídeo, representantes dos trabalhadores apontam: “A gente não aceita. A gente acredita que quando o trabalhador vai para a rua, vai para trabalhar. Então, consequentemente, ele precisa ganhar por hora logada. Estamos também discutindo a saúde e segurança porque estamos cansados de ver os companheiros morrendo e sendo mutilados no trânsito. Não admitimos mais negociar nesses termos: vamos à rua, mobilizar, fazer pressão nas empresas e no governo, para que a gente consiga as melhorias que a gente quer e que luta a tanto tempo”.
:: Uberização traz novo controle dos modos de vida e de luta dos trabalhadores, diz pesquisadora ::
Outros representantes apontam que as propostas estão “muito abaixo daquilo que os trabalhadores querem”, e ressaltam que o “o valor que é ganho não dá nem para fazer a manutenção dos veículos. Tudo está subindo, só o valor [recebido pelos trabalhadores] que abaixa”.
A greve está sendo articulada não apenas pela ANEA e por outras associações de motoristas e entregadores por aplicativos digitais locais, mas também por entidades sindicais de base e de cúpula, por meio da Central Única dos Trabalhadores (CUT), União Geral dos Trabalhadores (UGT), Força Sindical (FS), Intersindical, Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), Central dos Sindicatos Brasileiros (CSB) e Nova Central Sindical dos Trabalhadores (NCST). Em nota, essas centrais conclamam a sociedade a compreender que esses trabalhadores são “os mais precarizados e que mais sofrem violências e acidentes no trabalho para atender a população”, não contando com “o reconhecimento por parte de seus empregadores”.
O novo breque nacional dos trabalhadores por plataformas digitais, desta vez envolvendo, numa mesma ação coletiva, entregadores e motoristas por aplicativos, vai na esteira das mobilizações por melhores condições de trabalho e aumento dos rendimentos, que ocorrem no país desde meados de 2014, quando essas empresas se instalaram sem nenhuma contrapartida.
:: Brasil tem 1,5 milhão de trabalhadores por plataformas digitais, revela pesquisa ::
Há grande expectativa do segmento em torno do governo Lula (PT) para que cumpra com a sua promessa de campanha: ouvindo as demandas dos trabalhadores e encontrando uma solução que não apenas conceda, mas amplie os direitos já previstos na legislação social e trabalhista. As cartas estão postas sobre a mesa, e a maneira como as empresas jogam nós já conhecemos muito bem.
* Eduardo Rezende Pereira é doutorando em Ciência Política pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e militante da Consulta Popular.
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Fonte: BdF Paraná
Edição: Pedro Carrano