Mais de 10 mil pessoas são esperadas em Belém (PA) até a próxima quarta-feira (9), quando termina a Cúpula da Amazônia, evento de dois dias que vai reunir chefes de estado de países situados no bioma. Mas já a partir desta sexta-feira (4), uma série de eventos não oficiais convocados por entidades governamentais e da sociedade civil reúne milhares de integrantes de movimentos sociais de diferentes matizes étnicas, culturais, geográficas e políticas da Amazônia. A programação promete efervescer Belém com assembleias, debates e manifestações.
Indígenas, quilombolas, extrativistas, camponeses e moradores da Amazônia urbana têm presença garantida. Movimentos com atuação nacional, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), também enviarão militantes à capital paraense.
Embora distintas, as pautas dos movimentos que ocuparão Belém convergem para um ponto em comum: a defesa da floresta em pé, prosperidade econômica aliada ao desenvolvimento sustentável, com respeito aos direitos humanos e aos modos de vida da floresta. A prevalência do bem-estar da população sobre os grandes empreendimentos econômicos, como o agronegócio e a mineração. Em suma, uma Amazônia para os amazônidas.
Cúpula ouvirá movimentos, mas Apib vê déficit de representatividade
A Cúpula da próxima semana, organizada pela Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), é vista como um “ensaio” da COP-30, que acontecerá na capital paraense em 2025. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tentará engajar as nações vizinhas no ambicioso compromisso de desmatamento zero até 2030, assumido por ele na última campanha eleitoral. Além de propor esforços pelo desenvolvimento sustentável da região, como metas comuns de redução de desmatamento, o presidente já sinalizou que defenderá o fortalecimento institucional da OTCA.
Líderes de movimentos sociais ouvidos pelo Brasil de Fato reconhecem o encontro dos presidentes como um espaço legítimo para debater problemas, unir forças e incidir sobre decisões das quais dependem o futuro dos moradores da floresta e da Amazônia urbana. Ao mesmo tempo, veem com ceticismo a possibilidade dos governos incorporarem as demandas populares de forma integral e imediata.
Com a proposta de ouvir os movimentos, o governo federal incluiu na programação oficial da Cúpula da Amazônia os “Diálogos Amazônicos”. Serão realizadas cinco plenárias-síntese para 3 mil pessoas cada. Os resultados dos debates de cada plenária servirão como base para a produção de cinco relatórios que serão entregues aos presidentes dos países amazônicos presentes à Cúpula.
Kleber Karipuna, coordenador da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, afirmou ao Brasil de Fato que uma das pautas prioritárias será a inclusão dos povos indígenas na construção de políticas públicas e a consulta prévia aos indígenas quando houver instalação de grandes empreendimentos econômicos.
“Sabemos que os ‘Diálogos Amazônicos’ terão a participação dos movimentos, e isso é importante. Mas no âmbito da Cúpula em si, no debate com os presidentes, a gente precisaria ampliar a participação. Está sendo prevista a participação de apenas uma liderança indígena representando os povos da bacia amazônica como um todo”, explica.
“Por isso estávamos reivindicando que cada país tivesse pelo menos uma representação indígena na cúpula com os presidentes. Fizemos uma crítica construtiva no sentido de ampliar essa participação, para que a gente pudesse apresentar diretamente [aos presidentes] a nossa proposta e não apenas a partir de um documento síntese”, diz o coordenador da Apib.
Além de Lula, participarão os presidentes ou representantes da Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela. Em nome da Guiana Francesa, o presidente da França Emmanuel Macron foi convidado. Devem estar presentes os chefes de Estado de outros três países com florestas tropicais: Congo, República Democrática do Congo e Indonésia. Alemanha e Noruega, os mais antigos financiadores do Fundo Amazônia, também são esperados.
Mobilização indígena em Belém
A Assembleia dos Povos pela Terra agregará povos indígenas da Amazônia entre esta sexta-feira (4) e a próxima quarta (9). Dentro da programação do evento, estão a Cúpula dos Povos Indígenas no próximo sábado (5) e a Marcha dos Povos pela Terra, na terça-feira (8). Os indígenas ficarão acampados e mobilizados na Aldeia Cabana, como foi batizado o sambódromo de Belém, em referência à Cabanagem, revolta popular amazônica que marcou a história do Brasil.
O vice-coordenador da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Alcebias Sapará, representará a organização pela primeira vez em um evento de grande porte. Acostumado a acompanhar as lideranças mais experientes em encontros com autoridades, ele diz que uma das principais bandeiras da Coiab será a demarcação de terras indígenas.
“Por que nós, os atores principais que estão dentro dos territórios, que estamos sofrendo diariamente com ações que afetam o nosso território, não somos mais ouvidos? Por que quem gera mais poluição e tem mais poder econômico tem uma fala imensa? Por que esses caras? Por que esses Estados? Por que não os povos indígenas?”, questiona.
Organização quer discutir violência contra a mulher amazônica
Outra organização que participará dos “Diálogos Amazônicos” é a Rede Eclesial Pan-Amazônica (Repam-Brasil), entidade ligada Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que defende os territórios e os direitos humanos junto a comunidades indígenas, tradicionais e outros movimentos da Amazônia. A Repam quer discutir os impactos das perfurações dos poços de petróleo e gás. O debate sobre o tema aumentou desde que a Petrobras anunciou a intenção de cavar poços na foz do Rio Amazonas.
“Ao mesmo tempo queremos discutir um olhar sobre as mulheres, que são os corpos e territórios mais violados e vitimizados nestes impactos ambientais e sociais. Queremos pensar também na democratização de acesso à água. E isso requer uma forma de combater o uso do mercúrio, o uso do agrotóxico que poluem águas e territórios”, diz Dorismeire Vasconcelos, articuladora da Repam na região do Xingu.
"Espero que meu quilombo tenha voz e vez"
A 30 quilômetros do centro de Belém, o quilombo do Abacatal, na zona rural do município de de Ananindeua, é lar de mais de 150 famílias. A comunidade foi criada na época dos engenhos de cana-de-açúcar. Mais de 300 anos após a origem do território quilombola, as lideranças veem a Cúpula como mais uma etapa da longa trajetória de luta por respeito e reconhecimento.
A coordenadora do quilombo, Vanuza Cardoso, diz que o evento é uma oportunidade de compartilhar o desafio de se manter quilombola ao lado de uma metrópole amazônica. A expansão urbana e a violência da cidade afeta a vida da comunidade, onde agricultores familiares produzem farinha e derivados da mandioca.
“Esse evento político não é aberto às demandas dessa comunidades. É mais um evento político que Estado está trazendo. Mas, enfim, vão ter muitas mesas, seminários e debates. Espero muito a comunidade tenha voz e vez nesse evento. Que de fato seja respeitada a voz dessa comunidades”, deseja Vanuza.
Edição: Felipe Mendes