No dia 14 de julho, após muitas negociações sem sucesso, atores e atrizes do cinema e da TV nos Estados Unidos pararam de trabalhar. Eles se somaram à greve dos roteiristas, que começou em maio.
A mobilização é vista como uma das maiores da história de Hollywood. A última vez em que as duas categorias entraram em greve ao mesmo tempo foi em 1960. O Brasil de Fato conversou com Duncan Crabtree-Ireland, diretor executivo e negociador do SAG-AFTRA, o sindicato dos atores.
“A gente teve que entrar em greve”, disse Duncan, “nós dissemos às empresas que nós estávamos preparados para continuar negociando dali em diante, e na verdade nós continuamos dizendo isto, que nós estamos prontos para voltar à mesa [de negociação], mas as empresas disseram que não vão estar preparadas para conversar tão cedo”.
Duncan disse ainda que espera “que eles reconsiderem essa posição” e que acha que “não ajuda alguém se recusar a conversar”. Segundo ele, “a única forma dessa greve acabar vai ser por negociações de um acordo justo, e se eles não conversam fica difícil fazer isso”.
Dentre as pautas da greve estão o aumento de salários, a renegociação sobre residuais - que são os pagamentos de direitos autorais feitos aos atores sempre que a obra é comercializada - e também a regulamentação do uso da inteligência artificial pelos estúdios.
Apesar de representar grandes nomes da indústria como George Clooney e Julia Roberts, salários milionários estão longe de ser a realidade da maioria no sindicato. Gabriela Amerth, atriz brasileira que trabalha nos EUA, falou com a reportagem sobre o assunto:
“A maioria de nós não é celebridade. A maioria de nós é trabalhador. Eu acho que o público precisa entender que a maioria dos atores são trabalhadores. 12,7% dos atores fazem US$24.470 por ano, que é abaixo do salário mínimo de Nova York, que é US$29.536 por ano”, disse Amerth.
“A maioria de nós tem muitos trabalhos, tem 2 ou 3 empregos”, continuou, “pra você entender mais ou menos o que aconteceu com a questão do streaming, aquela série super famosa ‘Orange is the New Black’, os atores ficaram internacionalmente conhecidos e ainda assim tinham seus segundos e terceiros empregos”.
Além dos salários baixos, os trabalhadores lutam agora para sobreviver ao que pode vir a ser meses sem praticamente pagamento algum. Essa realidade não afeta apenas atores e roteiristas, mas também técnicos e todos aqueles envolvidos na grande cadeia de produção de filmes e séries.
“Ninguém recebe", afirma Gabriela, “ninguém está trabalhando, ninguém recebe. Eu acredito que a única coisa que os atores continuam recebendo são os residuais, que são mínimos no momento, que também é uma coisa que está tentando se negociar. Mas os residuais acredito que não param, de trabalhos passados que ainda estão sendo exibidos. Mas ninguém recebe sem trabalhar. Não trabalha, não recebe”.
Uma situação que não deve melhorar tão cedo
Na mídia estadunidense, uma reportagem do portal Deadline ganhou destaque. De acordo com a matéria, executivos dos estúdios estariam defendendo só retomar a negociação depois que os trabalhadores estivessem sem dinheiro e desesperados para voltar a trabalhar.
“Tiveram algumas reportagens na mídia que disseram que alguns executivos de estúdios teriam afirmado que a estratégia das empresas em relação aos roteiristas seria a de esperar até que eles começassem a perder suas casas e apartamentos”, explica Duncan, “e que fazê-los perder suas moradias seria um mal necessário. Então isso aumentou muito o medo”.
A mobilização sem precedentes não acontece agora por acaso. A indústria que antes produzia conteúdos para os canais de televisão e as salas de cinema passou por uma revolução. O streaming mudou a forma de se fazer e consumir audiovisual, mas os contratos dos trabalhadores não acompanharam essas mudanças.
Para Duncan, já passou da hora de rever a forma como os atores são tratados nesse novo modelo: “A indústria, as empresas, os estúdios, os streamers, decidiram mudar o modelo de negócios dessa indústria sem mudar o modelo de negócios para os trabalhadores. Eles só mudaram o modelo de negócios para eles mesmos. Eles mudaram quantos episódios existem em uma temporada, eles mudaram o tempo entre as temporadas, eles mudaram quanto de residual as pessoas recebem”.
Ainda que com um cenário longo e difícil pela frente, Gabriela e Duncan acreditam que a greve é uma questão de sobrevivência, principalmente quando o assunto é inteligência artificial.
“Eu acho que, nesse momento, não dá pra dar nenhum espaço, assim. Por que senão as profissões vão acabar”, disse Gabriela.
Já o diretor executivo da SAG-AFTRA disse que “estamos enfrentando uma batalha existencial por justiça econômica básica e para garantir que essa nova tecnologia não destrua as carreiras dos nossos membros. E isso significa que nós temos que seguir firmes, não importa o que aconteça, e eu acredito que nossos membros também pensam assim. Eu acho que, se tudo der certo, essa greve pode durar mais 6 dias ou 6 semanas, mas se durar 6 meses isso é o que nossos membros farão, porque nós não acabaremos com a greve sem um contrato justo e respeitoso”.
Edição: Thales Schmidt