Armadilha

Entenda a relação entre a reforma tributária e o preço das armas de fogo no Brasil

"Brecha" em texto aprovado pela Câmara dos Deputados pode reduzir os tributos sobre compra e venda de armamentos

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |
Entre 2019 e 2022, mais de um milhão de armas de fogo foram registradas no Brasil - Foto: Evaristo Sá/AFP

A reforma tributária, aprovada no início de julho na Câmara dos Deputados, que segue para apreciação do Senado, tem sido debatida majoritariamente em torno de questões sobre a modernização no sistema tributário brasileiro. Contudo, pouco tem se falado sobre as brechas deixadas pelo projeto em uma área central para o atual governo: a política de desarmamento. 

Um dos primeiros atos de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) como Presidente da República foi a assinatura do decreto 11.366 que, entre as resoluções, estabeleceu a suspensão dos registros para a aquisição e a transferência de armas e munições de uso restrito por caçadores, colecionadores, atiradores e particulares e, também, suspendeu a concessão de novos registros de clubes e de escolas de tiro. A medida pretende reduzir a circulação de armamentos no país que cresceu exponencialmente durante o governo de Jair Bolsonaro (PL).

No entanto, a emenda aglutinativa aprovada pelos deputados ao texto da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 49/19, popularmente conhecida como reforma tributária, apresenta nos “jabutis” uma armadilha que pode baratear a compra de armas no país. O parágrafo 1°, do artigo 9 da emenda, determina que a “lei complementar definirá as operações com bens ou serviços sobre as quais as alíquotas dos tributos serão reduzidas em 60%” e na lista de setores beneficiados está o de “bens e serviços relacionados a segurança e soberania nacional, segurança da informação e segurança cibernética”. 


Trecho da emenda aglutinativa aprovada pelos deputados ao texto da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 49/19 / Imagem: Arquivo


Trecho emenda aglutinativa aprovada pelos deputados ao texto da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 49/19 / Imagem: Arquivo

De acordo com a advogada e integrante do Grupo de Pesquisa Tributação e Gênero da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Direito São Paulo, Luiza Machado, a legislação complementar é que vai discriminar os bens e serviços que terão essa redução de alíquota, portanto, ainda não é possível afirmar que será apenas para armas referentes à segurança nacional ou se a todo tipo de armamento. Porém, ela ressalta que o preocupante é o imposto seletivo, criado pela reforma tributária para taxar produtos prejudiciais à saúde e ao meio ambiente, e que não incidirá sobre os bens cujas alíquotas foram reduzidas nos termos do parágrafo 1°. 

“Existe essa política de que o imposto seletivo não vai recair sobre os bens e serviços de alíquotas reduzidas, e isso acaba tirando o potencial do imposto seletivo, porque ele não vai incidir nesse caso nem sobre bens de serviços relacionados à segurança e soberania nacional, nem sobre os ultraprocessados que também podem contar com redução de alíquota”, alerta a mestra em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). 

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Na avaliação da pesquisadora, a “brecha” criada no texto aprovado na Câmara vai na contramão da atual política de desarmamento do governo federal e pode provocar um aumento da violência em camadas mais vulneráveis da sociedade brasileira.

“A redução desses impostos pode gerar um barateamento das armas e munições, o que pode levar justamente ao aumento dessa presença das armas e munições no Brasil para compra privada, o que pode ter impactos na violência contra a mulher e no genocídio da população negra. Então, é muito grave que esse dispositivo esteja colocado de uma forma tão genérica. A política tributária não pode estar desalinhada com os nossos mandamentos constitucionais, ela não pode incentivar o consumo de armas”, explica.

O Senado tem até o final do mês de outubro para analisar, aprovar e entregar o texto da Reforma Tributária à Câmara dos Deputados. A sinalização é que até o final do ano o texto seja promulgado pelo Congresso Nacional.

Lastro bolsonarista

A política de desoneração das armas e munições do governo Bolsonaro tem sido alvo frequente de organizações que atuam pela redução dos índices de violência no Brasil. No final de abril, o Instituto Sou da Paz, junto com mais 13 organizações, entre elas a Anistia Internacional e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, enviaram um ofício ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, solicitando a reavaliação das alíquotas de impostos na comercialização de armas de fogo e munições. De acordo com o documento, durante a gestão do ex-presidente, pelo menos quatro categorias de produtos tiveram os impostos reduzidos ou zerados.

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Segundo o levantamento realizado pelas organizações, o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) em itens como revólveres e pistolas era de 45% em 2018 e passou para 29,25% em 2022; cartuchos e munições era de 20% e passou para 13%. Já o imposto sobre importações de armas de fogo e munições era de 20% em 2018 e passou para 16% em 2022; por sua vez, o imposto sobre exportações de armas de fogo, munições, partes e acessórios era 150% e passou para zero. A alíquota de armas de guerra já era zerada e assim permaneceu.

O documento ressalta que aumentar a taxação do setor atenuará o déficit fiscal do país favorecendo o investimento em políticas públicas. “Sabemos que o Brasil enfrenta desafios significativos na segurança pública, com altos índices de violência e criminalidade. As armas de fogo têm um papel crucial nesse cenário, contribuindo para o aumento do número de homicídios, suicídios, lesões e outros tipos de violência. Consideramos que a elevação das alíquotas de impostos sobre armas de fogo e munições é uma medida justa e necessária que pode trazer inúmeros benefícios para a sociedade, como o aumento da receita fiscal e a diminuição da violência em geral”, diz o ofício.

Fonte: BdF Rio de Janeiro

Edição: Mariana Pitasse