Um mês antes da cúpula ambiental que deverá reunir presidentes de todos os países amazônicos em Belém do Pará, no Brasil, o governo da Venezuela decidiu ampliar operações militares no sul do país para conter o avanço do garimpo ilegal em regiões amazônicas dentro do seu território. O foco das atividades, que tiveram início há cerca de duas semanas, está no Parque Nacional Yapacana, localizado no estado Amazonas, que faz fronteira com a Colômbia.
Segundo as Forças Armadas, mais de 100 áreas de extração foram desativadas e centenas de materiais utilizados nas práticas, como embarcações e equipamentos, foram apreendidos ou destruídos. Além disso, até a última terça-feira (11), o Exército já havia evacuado mais de 4 mil garimpeiros que operavam na região.
Ainda que os resultados das ações mais recentes sejam expressivos, operações em Yapacana não são uma novidade na Venezuela, já que desde 2021 o Exército vem conduzindo uma série de missões desse tipo na região. Transformada em Parque Nacional há 45 anos, a localidade faz parte da porção de 47 milhões de hectares da floresta Amazônica que está em território venezuelano.
Apesar da zona ser protegida por lei, organizações de combate ao desmatamento denunciam que o garimpo ilegal ali vem crescendo vertiginosamente nos últimos anos. Segundo a ONG SOS Orinoco, atualmente cerca de 3,2 mil hectares de todo o parque nacional estão afetados pela mineração irregular, o que representa um aumento na área atingida de mais de 36% em comparação com o ano de 2019.
Movimentos indígenas afirmam que desde 2015 vêm denunciando ao governo as atividades ilegais realizadas em trechos da Amazônia venezuelana, alertando para o impacto ambiental e para a piora das condições de vida das comunidades originárias. As principais consequências ambientais são o desmatamento e a ação do mercúrio, substância utilizada na extração do ouro que causa impactos graves nos biomas atingidos.
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“A lista de delitos cometidos em Yapacana é muito extensa", afirma Maria Teresa Quispe, socióloga e diretora do grupo de trabalho e pesquisa sobre a Amazônia venezuelana Watanibe. Ao Brasil de Fato, ela afirma que os delitos ambientais como a derrubada da vegetação local e a contaminação de solos e rios estão acompanhados de outros crimes gerados pelo garimpo ilegal, como trabalho forçado, tráfico de mulheres, contrabando e tráfico de drogas.
“É uma zona protegida que representa um valioso recurso científico, com um patrimônio biológico pioneiro e se isso tudo for devastado é extremamente complexo, para não dizer impossível, de se recuperar”, diz. Yapacana também conta com um tepui, formação geológica montanhosa que possui laterais verticais e um cume praticamente plano que chega a 1.345 metros de altitude.
Para o advogado Erick Gutiérrez, pesquisador e defensor dos direitos indígenas, há um problema "estrutural de mentalidade" que deve ser resolvido para além das ações de apreensão e interdição dos focos de garimpo. "Se atacamos o efeito, mas não atacamos a causa, amanhã os garimpeiros vão voltar. Pode não ser necessariamente dentro de um mês, ou um ano, pode ser inclusive dentro de cinco anos, seja como for eles vão voltar porque a subjetividade não mudou. Temos que trabalhar o problema de fundo, que é estrutural e cultural", diz ao Brasil de Fato.
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O pesquisador ainda afirma que as regiões fronteiriças da Venezuela com a Colômbia e o Brasil "estão negligenciadas há muitas décadas" e que as poucas iniciativas que ocorreram nos últimos anos não deram conta de fiscalizar devidamente essas zonas.
"É um problema que remonta desde os anos 1950, quando surge um indigenismo falido, e ao longo dos anos 1980 e 1990 também não houve preocupação. Hoje, com a Constituição de 1999, nós temos uma das legislações mais avançadas em termos de proteção ao indígena, mas a batalha é contra um conjunto de ideias ocidentais e coloniais que segue exercendo influência nessas regiões", explica.
A diretora da Watanibe concorda que somente ações punitivas não serão suficientes para conter as atividades em Yapacana, mas aponta a crise econômica como um dos principais impulsionadores do aumento do garimpo ilegal na região. "Precisamos de um conjunto de políticas públicas, sociais e econômicas porque enquanto houver crise existirá a tentação do garimpo, por isso que a resposta não pode ser apenas punitivista", disse.
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Sobre a ação das Forças Armadas, Maria Teresa Quispe avalia como positiva, mas alerta para a necessidade de fiscalizar se os direitos de populações vulneráveis estão sendo respeitados. “Por outro lado, esperamos que as operações não sejam esporádicas, mas que se mantenha um esquema permanente de defesa do território, com uma abordagem integral porque, se não for assim, os grupos criminosos que atuam na região voltarão a explorar as necessidades econômicas da população”, afirma.
Atualmente, o governo estima que existam mais de 10 mil garimpeiros atuando em Yapacana. Segundo relatos coletados por organizações civis, no local funciona uma "cidade garimpeira", com comércios e outros estabelecimentos que dependem da extração e são controlados por agentes armados.
Crise e bloqueio estimularam garimpo
Diante do surgimento exponencial de novos focos de garimpo ilegal na Amazônia venezuelana, pesquisadores conseguem apontar uma relação direta entre os piores anos de crise econômica agravada pelo bloqueio dos Estados Unidos e o aumento das atividades extrativistas.
Segundo a Wataniba, focos de garimpo cresceram de maneira mais acentuada a partir de 2016. Nesse período, a Venezuela já havia entrado em recessão há dois anos e enfrentava uma crise nas reservas internacionais pela queda abrupta no preço do barril do petróleo.
As sanções financeiras impostas por Washington em 2017 e as medidas contra a indústria petroleira decretadas por Donald Trump em 2019 aceleraram a crise econômica, gerando uma redução de cerca de 80% no PIB do país e atirando milhares de venezuelanos à pobreza.
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"Sem dúvidas, a crise econômica nacional e depois a mundial, agravada pela pandemia da covid-19 e pela quarentena, afetaram muito o cenário, fazendo com que os fluxos de garimpo ilegal aumentassem enormemente”, explica Quispe.
A busca por oportunidades de emprego gerou fortes ondas migratórias internas no país e muitos trabalhadores decidiram se lançar na atividade do garimpo na tentativa de escapar da crise nas grandes cidades.
De acordo com os dados da ONG, captados por imagens de satélite e trabalho de campo, entre 2019 e 2021 as áreas de mineração ilegal em todo o país passaram de 33.900 hectares para 133.700 hectares, um aumento de 294%.
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A socióloga ainda afirma que os impactos para as comunidades indígenas são ainda mais graves pois, além de serem os primeiros a sofrerem com a contaminação ecológica, são ameaçados economicamente.
“Suas estruturas de governança foram fragmentadas por conta de opiniões divergentes a respeito da atividade extrativista, em consequência, as possibilidades de enfrentarem grupos externos são cada vez menores. Tudo isso afeta a capacidade produtiva desses povos em suas terras e com seus recursos”, afirma.
Reunião da OTCA: custo internacional
Na última semana, o presidente Nicolás Maduro chegou a comentar as operações recentes que estão ocorrendo em Yapacana e lembrou do impacto geopolítico que ações de degradação ambiental podem ter para o país.
"Temos que limpar o garimpo ilegal totalmente destrutivo de todos os parques nacionais e de toda a Amazônia da Venezuela. Que respeitem as leis que protegem a ecologia, que protegem o ambiente. Devemos garantir uma floresta saudável, nossos parques nacionais saudáveis, uma Amazônia que entre em recuperação, em reflorestamento, é o compromisso que temos com nosso povo e também são compromissos de caráter internacional", disse.
O mandatário venezuelano deve estar presente na reunião da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) que está programada para os dias 8 e 9 de agosto e que promete reunir os presidentes de Colômbia, Peru, Brasil, Equador, Bolívia, Guiana, Suriname e Venezuela.
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A realização da cúpula vinha sendo debatida pelo colombiano Gustavo Petro e por Maduro desde o final do ano passado. Com a posse de Luiz Inácio Lula da Silva em janeiro, a proposta ganhou mais força e terá o Brasil como sede do encontro. Juntos, Brasil, Colômbia e Venezuela possuem mais de 70% da Floresta Amazônica em seus territórios.
Para o pesquisador Erick Gutiérrez, a reunião em Belém é uma boa oportunidade para avançar em temas ambientais na região, mas pode não ser suficiente se não houver pressão popular sobre as pautas discutidas.
“Isso vai depender muito da luta dos povos. E não me refiro somente aos povos originários, mas sim a todos os setores sociais, pois nossa agenda deve ser uma luta contra um sistema, na qual estejam os povos originários, os que estão preocupados com o tema ecológico, as classes sociais empobrecidas unidas em uma agenda comum pela vida”, diz.
Operações similares contra o garimpo também foram realizadas na Colômbia. Segundo o Ministério da Defesa do país, nesta quarta-feira (12) foram interditados 11 focos de extração, uma escavadeira foi destruída e mais de 1 kg de mercúrio foi apreendido.
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No último sábado (8), Lula e Petro se reuniram em Letícia, na Colômbia, no encontro que chamaram de reunião técnico-científica da Amazônia. Ambos concordaram em definir o ano de 2030 como prazo limite para zerar os casos de desmatamento na floresta amazônica e encorajaram a institucionalização do Observatório Regional da Amazônia, instrumento da OTCA que serviria para trocar informações entre autoridades e órgãos dos países.
Há divergências, entretanto, entre os membros do grupo, o que ficou claro na reunião do último sábado, quando Petro questionou a viabilidade da exploração petroleira na Amazônia. Lula, por sua vez, se esquivou do tema, mas no final de maio, durante a cúpula do G7, no Japão, o presidente brasileiro chegou a dizer que achava “difícil” haver algum problema ambiental em perfurações na Foz do Amazonas.
Em maio, o Ibama negou um pedido de licença realizado pela Petrobras para realizar perfurações em um bloco na Foz do Amazonas. Segundo o órgão, as informações oferecidas pela empresa não foram suficientes para garantir a viabilidade sustentável do projeto.
Edição: Thales Schmidt