A sala de ensaios do La Colmenita está repleta de crianças. Sentados em círculo, eles observam seus colegas entrarem no palco para ensaiar "Cinderela conforme os Beatles", uma adaptação musical do famoso conto do diretor e fundador do La Colmenita, Carlos Alberto "Tin" Cremata.
Os diálogos construídos a partir das letras dos Beatles são entrelaçados com momentos musicais em uma adaptação, cheia de referências cubanas, do famoso conto de fadas de Charles Perrault. O salão, decorado com uma enorme bandeira cubana em forma de favo de mel, tem crianças de diferentes idades, que recebem instruções sobre diálogos e desempenho de Tin - como todos em Cuba o chamam - e de uma equipe pedagógica. Em um canto, um grupo de meninas que não parecem ter mais de 6 anos de idade conversam enquanto riem. Uma delas explica à outra como mexer as mãos, enquanto esperam sua vez de entrar no palco.
"Esta é uma companhia infantil de teatro e não uma companhia de teatro infantil. Isso é muito importante, embora possa parecer um detalhe. A diferença é que não fazemos teatro para crianças, mas as crianças fazem o teatro", diz Tin ao Brasil de Fato.
O local onde ensaiam, localizado na rua 13 com a rua dos Presidentes, é um dos muitos espaços da companhia teatral. Recentemente, Ana de Armas, cuja atuação em Blonde lhe rendeu várias indicações mundiais na categoria de melhor atriz, passou por lá. Recebida pelas crianças da companhia, a atriz lhes disse que sonhava em ser uma "colmenita". Em várias ocasiões, La Colmenita recebeu a visita de Patch Adams - o chamado "médico do riso" -, dos cantores Harry Belafonte, Katy Perry e Beyoncé, dos atores Sean Penn e Danny Glover, entre outros.
Fundada em 1994, La Colmenita, em seus quase 30 anos como companhia infantil de teatro, recebeu dezenas de prêmios internacionais. E, atualmente, o projeto é Embaixador da Boa Vontade da UNICEF.
Secretos Cantados (Segredos Cantados)
"Nós, quase por casualidade, percebemos desde o início que a arte não era um fim em si mesma. Ela era um pretexto. Porque não estávamos tentando treinar artistas, mas pessoas. Portanto, a arte era um pretexto para nos contagiar com valores humanos. Para crescermos não apenas como melhores artistas, mas, acima de tudo, como melhores cidadãos, melhores patriotas, melhores seres humanos", afirma Tin sobre os primeiros passos de La Colmenita.
Em meados da década de 1990, a ideia original de Tin era formar um grupo de teatro com 14 a 20 crianças. Mas a situação rapidamente saiu do controle. Amigos, parentes, conhecidos e vizinhos o procuraram para perguntar se poderiam inscrever seus filhos, o que Tin nunca recusou. Assim, o grupo chegou rapidamente às primeiras 100 crianças. Mas o crescimento do grupo não permitia ensaios em que o desenvolvimento de cada uma das crianças pudesse ser acompanhado, então, junto com colegas, eles decidiram abrir uma segunda Colmenita localizada no bairro de Alamar, em Havana. Assim nasceu a Colmenita del Este.
"Não importa quão terrível seja a situação e o quanto soframos. Sempre buscamos uma saída por meio do bom humor e da boa disposição. E a prova disso é que nós, La Colmenita, nascemos em 1990 como uma companhia para adultos e em 1994 como uma companhia infantil. No ano em que começou o 'período especial', esse período de crise tão terrível para a vida do povo cubano. E como diz Silvio Rodríguez: 'períodos de crise sempre produzem fenômenos estranhos'. E Silvio disse que um desses fenômenos estranhos foi La Colmenita. O que fizemos foi tentar compartilhar e distribuir alegria, cultura, arte, bom ânimo", afirma Tin.
No entanto, a partir daquele momento, tudo se tornou uma "bola de neve" que só crescia. Juntamente com alguns amigos amantes do teatro, La Colmenita abriu seu primeiro local fora da capital, na província de Santa Clara. Em seguida, houve uma Colmenita em um município muito humilde em Sancti Spiritus. E assim começaram a surgir Colmenitas por toda parte: no município de Plaza, Habana Vieja, Playa, Marianao, San Miguel del Padrón, Cotorro etc.
Otro Canto de Cigarra (Outra canção de cigarra)
Em 1996, apenas dois anos depois de começar a trabalhar com crianças, La Colmenita recebeu o que seria seu primeiro grande convite. A presidente da Organização dos Pioneiros de José Martí, Enith Alerm Prieto, convidou a companhia para comemorar o 70º aniversário do então presidente Fidel Castro no dia 13 de agosto. Dono de um estilo sóbrio e reservado, foi a primeira vez que Fidel comemorou seu aniversário publicamente.
A festa foi um verdadeiro tumulto. Com gargalhadas, as crianças interromperam o líder da revolução, apontando para ele quando faziam algo errado em um jogo ou fazendo piadas quando ele perdia. As crianças corriam para abraçá-lo, espalhando manchas de maquiagem no rosto de Fidel e em sua tradicional camisa militar verde-oliva. Ao ver que Fidel estava todo sujo de maquiagem, Vilma Espín lhe ofereceu um lenço para limpar o rosto, ao que Fidel respondeu: "Ninguém toca no meu rosto até eu chegar em casa e me ver no espelho, porque quero ver como fico com maquiagem!".
A tarde transcorreu em meio aos joguinhos. No final do dia, um coral de 40 crianças surdas interpretou "En Aras de Vivir", de Rosa Campos, em linguagem de libras. "Mesmo que o mundo mude de cor, eu estou aqui, com você", diz o verso. Em 1996, Cuba estava passando pelo que é conhecido como "período especial", uma grave crise econômica e social que ocorreu na ilha com a queda da União Soviética. Mas, acima de tudo, durante a década de 1990, as utopias do sonho eterno da revolução que se estenderam por todo o século XX pareciam ter sido derrotadas. O mundo estava mudando de cor. As pessoas que presenciaram o acontecimento dizem que Fidel não conseguiu conter as lágrimas naquela tarde.
Los Balcones de Madrid (As Varandas de Madri)
Já em 1998, La Colmenita era uma companhia de teatro conhecida em toda Cuba. Além de suas escolas terem se multiplicado por toda a ilha, a companhia ganhou enorme fama depois de apresentar "La Cucarachita Martina" com crianças da Escuela Especial Solidaridad con Panamá portadoras de problemas motores.
A visibilidade que o trabalho da companhia havia ganhado chegou ao estado espanhol e uma organização social os convidou para realizar uma série de apresentações e seminários. Como resultado desse intercâmbio, La Colmenita abriu uma escola na Espanha. Essa foi a primeira de uma série de Colmenitas a serem abertas em outros países do mundo.
O trabalho pedagógico-artístico seguiu ganhando outros países. Nos anos seguintes, Argentina, Colômbia, Espanha, El Salvador, Venezuela, Panamá, México, entre muitos outros lugares, abriram Colmenitas. Sempre em lugares humildes e doando seus direitos autorais e métodos de trabalho, com a condição de manter a filosofia de La Colmenita.
"A filosofia de La Colmenita não é sair todos os dias esperando que o azar nos dê a chance de encontrar um idoso ou uma pessoa cega na esquina para que possamos ajudá-los a atravessar a rua. Isso é bom. Mas acreditamos que temos de sair para fazer o bem, todos os dias, com fome e sede de ajudar os necessitados. Sair com o espírito de fazer o bem para aqueles que precisam. Essa é a nossa utopia. E tentamos transformá-la em um hábito", diz Tin com uma voz firme e convicta, mas sem perder o sorriso.
E acrescenta: "E uma coisa muito importante: as crianças nos contam todos os dias o que fizeram como um segredo de gangue. Por quê? Porque você não faz o bem para chamar a atenção para si mesmo. Mas porque é uma sensação boa aqui no coração".
La Era de Oro le canta al Sol (A Era de Ouro canta para o Sol)
"Foi por meio de nossos amigos professores do Centro Memorial Martin Luther King que ficamos sabendo do trabalho solidário do MST. Ficamos sabendo do trabalho deles aqui em Cuba e foi amor à primeira vista. Durante a pandemia, que foi um período muito difícil, mantivemos uma conversa constante, fazendo saudações e vídeos das crianças da Colmenita para o Sem Terrinha, o grupo de crianças do MST", lembra Tin.
A amizade com o MST cresceu como resultado da base comum no trabalho pedagógico-cultural de ambos os grupos. O "Brincar, sorrir, lutar" do Sem Terrinha e o "sair para brincar e fazer o bem" do La Colmenita são formas semelhantes de entender a filosofia de que Tin fala.
Viajar para o Brasil sempre foi um sonho para La Colmenita. Mas os altos e baixos da vida não tinham permitido essa oportunidade. Até que em junho passado, após convite da equipe pedagógica do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, eles puderam realizar o sonho de viajar ao Brasil para iniciar intercâmbios que lhes permitiriam montar outras colmeias.
"Viajamos para Fortaleza, a capital do Ceará, onde ficamos em condições muito humildes e muito agradáveis, bem MST. E lá fizemos contato com os 14 facilitadores que vão nos ajudar a multiplicar o movimento no Brasil", diz Tin. "Acho que estamos nessa prática internacionalista. E se o que La Colmenita faz for considerado parte desse internacionalismo, eu seria a pessoa mais feliz do mundo. Essa prática eu aprendi com meus pais, que não são apenas meu pai e minha mãe, mas também Fidel, Raúl e Martí. Esses também são meus pais".
Defendiendo la Alegria (Defendendo a alegria)
"Meu pai sempre tinha uma desculpa para se alegrar com a vida. Ele sempre viveu cheio de felicidade e dedicou toda a sua vida à compartilhar essa felicidade. Para mim, ele sempre foi a síntese da alegria do povo cubano, que nunca parou de rir", diz Tin em uma voz lenta.
La Colmenita assumiu essa pedagogia de compartilhar e distribuir alegria como sua, um trabalho ao qual Tin dedicou sua vida. "Passamos por momentos muito dramáticos, especialmente no aspecto material. E o povo cubano nunca deixou de se divertir e levar as coisas com um grande senso de humor", acrescenta.
Os dramas pessoais e sociais foram sempre respondidos por Tin com a generosidade de compartilhar solidariedade e alegria. Seu pai foi uma das 73 pessoas que perderam a vida no ataque organizado pela CIA contra Cuba em 6 de outubro de 1976. Um ataque contra a revolução que explodiu um voo cheio de tripulantes civis que estavam viajando de Barbados à Jamaica. O trabalho da vida de Tin é um homenagem a essas vítimas.
Carlos Alberto "Tin" Cremata cresceu em uma família onde a arte era uma forma de vida cotidiana. O mais velho de três irmãos, ele nasceu em Havana no ano da Revolução, em 1959. Logo após seu nascimento, sua mãe, Iraida Malberti Cabrera, começou a trabalhar como coreógrafa em "El mundo de los niños", o primeiro programa infantil na televisão após a revolução.
Os estúdios de televisão onde Iraida trabalhava seriam o local onde Tin passaria sua primeira infância. Junto com seu irmão, o renomado cineasta Juan Carlos Cremata, eles estrelaram o programa infantil "Caritas". Foi nesse programa que Tin deu seus primeiros passos como ator.
Entretanto, apesar do enorme ensinamento que essa experiência lhe proporcionou, não foram nos estúdios de televisão que Tin decidiu que queria dedicar sua vida ao teatro. O que o fez se apaixonar pelas artes cênicas foram os ensaios de teatro amador que seu pai organizava com seus colegas de trabalho no aeroporto.
"Como qualquer criança cubana, eu adorava ir à praia ou assistir beisebol. Mas o que eu mais gostava era de ir ver os ensaios que meu pai organizava. Naquela época, junto com os funcionários do aeroporto, eles apresentavam a peça completa do comediante cubano Enrique Nuñez Rodriguez. Quando eu tinha 11 anos, entrei na escola de teatro 'Los Camilitos'. E, junto com meus colegas de classe, dediquei todos os meus estudos secundários e pré-universitários a encenar as mesmas peças de Nuñez Rodriguez que meu pai costumava montar", lembra Tin.
Depois de se formar no ensino médio, Carlos Alberto "Tin" Cremata viajou para a União Soviética para se formar em Ciências Pedagógicas. Apesar de se encontrar em um universo cultural diferente do cubano e de estudar outra disciplina que não o teatro, a mania de organizar grupos teatrais o acompanhou, e lá ele mais uma vez organizou um grupo de teatro entre os alunos, com o qual encenaram peças de Nuñez Rodriguez.
"Sinto que na minha infância vivi em uma Colmenita com meus irmãos, minha mãe e meu pai, que era o diretor. Ele tinha uma enorme capacidade de transformar coisas cotidianas em jogos e de transformar os dias em pequenas peças cômicas. Por exemplo, quando eu era criança, os filmes de samurai estavam na moda, a saga Zatōichi. Lembro-me de uma vez em que meu pai nos levou ao cinema para assistir ao filme e, quando voltamos para casa, ele havia preparado alguns trajes de quimono e arrumado tudo para que pudéssemos comer sentados no chão. Ele pegou alguns pauzinhos para comermos o arroz e riu muito ao ver que não conseguíamos segurar a comida direito. Ele transformava tudo em uma piada teatral", lembra Tin.
Edição: Thales Schmidt